REFLETINDO SOBRE A VIOLÊNCIA: OS 50 ANOS DA CARTA DA ONU


Ao completar 50 anos da aprovação da Carta de formação das Nações Unidas - ONU, o CINUSP “Paulo Emílio” inicia uma programação de filmes e debates que se estenderá pelos meses de junho, julho, agosto e parte de setembro. A programação proposta coloca em questão o tema da violência e das atrocidades que ocorrem no mundo contemporâneo e se dividirá em duas partes: por um lado, como o cinema vê a violência no mundo e, por outro, a violência como estética cinematográfica. Nesta 1a parte, compreendida pelo mês de junho, serão exibidos 4 filmes cuja temática se insere na problemática da violência na história da humanidade, acompanhados de um debate com a participação de historiadores e sociólogos.
Desta maneira, pretendemos colaborar com o aprofundamento da discussão sobre a violência, tema cada vez mais presente no nosso cotidiano e que se reflete de maneira intensa na produção cinematográfica mais recente.

Profa. Dra. Maria Dora G. Mourão Coordenadora do CINUSP “Paulo Emílio
 

A idéia de que as pessoas humanas, pelo simples fato de serem humanas, são dotadas de uma série de direitos naturais que não decorrem de uma concessão do Estado, é tão antiga quanto controvertida. Essa concepção de direitos anteriores ao próprio Estado, em sua versão moderna, constitui um importante instrumento de luta contra o absolutismo. Para os liberais, os indivíduos no momento do contrato social devem determinar os direitos sobre os quais não se abre mão e aqueles que são transferidos para o Estado. A Declaração Americana de Independência e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, são certamente a expressão maior dessa consciência de que existem certos direitos morais que integram a própria condição humana, e que, portanto, não devem ser transferidos para o Estado, nem muito menos violados. Passa assim o Estado a encontrar nos direitos do homem o limite ao seu poder. Mais do que isto, ao Estado liberal moderno, incumbiu-se a tarefa de garantir esses direitos, que passaram a compor o fundamento de sua legitimidade.
A visão racionalista de que o direito é fruto exclusivo da vontade dos homens, expressa através do contrato, gerou, no entanto, alguns efeitos perversos. Quando o Estado Moderno, principalmente a partir do século XIX, assume o monopólio da produção legislativa, e somente este direito produzido pelo próprio Estado é tido como válido, a concepção de direitos transcendentes e anteriores ao Estado passa a ser vista como algo místico e incompatível com o homem racional moderno, a quem incumbia, sem a interferência de forças superiores, organizar sua vida em sociedade.
Assim, se na primeira metade do século XX foi possível que enormes contingentes de seres humanos fossem destituídos de seus direitos mais fundamentais pelos regimes fascista e nazista, tal resultado se deu, em certa medida, pelo abandono da idéia de direitos naturais e sua substituição pelo entendimento de que todo direito emana do Estado e portanto por ele pode ser retirado.
Começa então, com o final da Segunda Grande Guerra e como consequência das barbáries cometidas, uma nova era na história dos direitos. Aos Estados, que tinham demonstrado ser a maior ameaça aos direitos das pessoas, não poderia mais ser deixado com exclusividade a outorga e a tutela desses direitos. Surge, em consequência, uma preocupação da comunidade internacional em promover e defender os direitos humanos. A Declaração de 1948 e os instrumentos internacionais que a seguiram, menos do que uma tentativa teórica de cristalizar o conteúdo dos direitos naturais, tiveram e ainda têm o objetivo de dar uma solução prática à tutela dos direitos humanos. Trata-se da construção, pela comunidade internacional, de um paradigma ético, historicamente determinado, como “fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
Apesar dessa transformação, a comunidade estatal continua ater a responsabilidade primordial na proteção dos direitos humanos, exercida agora sob os limites da concepção universal dos direitos humanos e resguardada a competência internacional subsidiária nesta proteção.
Desta forma, para se compreender a dimensão contemporânea dos direitos humanos, é necessário examinar tanto a esfera estatal ou constitucional de sua proteção, como a internacional.
O primeiro passo tomado na constituição de um sistema de proteção à pessoa humana pela comunidade internacional foi a inclusão, na Carta de formação das Nações Unidas, do respeito e da observação aos direitos humanos como uma das obrigações da própria ONU e dos Estados membros (art. 55 e 56 da Carta das Nações Unidas). Nesse sentido, aderindo à Carta das Nações Unidas, que é um tratado internacional, os Estados passaram, no plano jurídico, a reconhecer os direitos humanos como uma questão internacional, que não mais deveria ficar restrita à competência doméstica e exclusiva de cada nação.

Texto escrito por Oscar Vilhena Vieira e extraído do 12 Capítulo do Relatório “Os Direitos Humanos no Brasil” publicado pela Universidade de São Paulo - Núcleo de Estudos da Violência (NEV) e Comissão Teotônio Vilela, São Paulo, 1993.