CINEMA DA ÁFRICA


A mostra “Cinema da África Negra”, apresentada no formato de vídeo, vem trazer ao público a rara oportunidade de tomar contato com o que de melhor se vem produzindo em matéria de cinema, na África subsaariana.
De Idrissa Ouédraogo, hoje talvez o cineasta africano de maior penetração internacional, serão apresentadas duas obras-primas, ambas premiadas em anos consecutivos no festival de Cannes: Yaaba (1989) e Tilai (1990). Nelas florescem plenamente as características que Ouédraogo vinha cultivando em experiências anteriores, com uma notável consciência autoral: a análise e a crítica das tradições do povo mossi (Burkina Faso), os diálogos breves e sintéticos, a impostação solene, os silêncios, o árido colorido da paisagem ampla do Sahel. Os dois filmes se baseiam em contos orais, dos quais Ouédraogo faz sobressair os ensinamentos rígidos para destruí-los um a um e, ao mesmo tempo, documentar com precisão os costumes de seu povo. O caráter exemplar de suas histórias não se limita ao âmbito africano, ampliando-se para uma discussão moral universal, o que já transformou Yaaba e Tilai em clássicos do cinema como um todo.
Nyamanton (1986) e Finzan (1989) constituem igualmente obras fundamentais da carreira do malianês Cheick Oumar Sissoko, que se celebrizou mais recentemente com Guimba, vencedor do FESPACO (Festival Pan-Americano de Cinema de Ouagadougou), em 1995. Nelas, Sissoko aborda questões delicadas do sistema social e da tradição do Mali, com uma intransigência que não deixa dúvidas quanto à sua postura “politicamente correta”. Em Nyamanton, é o desenvolvimento urbano desordenado de Bamako o alvo da crítica: crianças em idade escolar são obrigadas a trabalhar como coletoras de lixo para sustentar seus estudos. Já em Finzan, a opressão da mulher e a cruel tradição da excisão ganham destaque, no sistema organizativo das aldeias bambaras.
A mostra se encerra com um dos mais criativos diretores africanos, o senegalês Djibril Diop Mambéty, aqui representado por Hienas, de 1992. Embora se possa questionar o rótulo de “pós-moderno” que muitos lhe atribuem, o fato é que Mambéty constitui um dos únicos africanos a ousar buscar suas fontes na arte e na cultura estrangeiras. Em Hienas, tomou por base a obra do escritor suíço Friedrich Dürrenmatt, A Visita da Velha Senhora, adaptando-a ao contexto de uma aldeia senegalesa.
Manipulando com habilidade as técnicas de distanciamento do cinema contemporâneo, Mambéty se compraz com a descontinuidade, a assincronia sonora, a fragmentação da narrativa, colocando seus filmes entre o que há de mais original na produção africana atual.

Lúcia Nagib, curadora.