JACQUES TATI - M. HULOT
“Mr. Hulot é o gênio da inoportunidade. Isso não quer dizer, no entanto, que seja desastrado e desajeitado. Muito pelo contrário, M. Hulot é pura graça, é o Anjo estabanado, e a desordem que ele introduz é a da ternura e da liberdade”, André Bazin.
Quando Jacques Tati lançou o Carrossel da Esperança, em 1949, ele ainda era apenas um cômico de music hall, famoso por suas mímicas que parodiavam gêneros esportivos e que podem ser admiradas na cena do jogo de tênis em As Férias de M. Hulot e, de maneira mais completa, em Parade. No cinema, Tati já realizara alguns curtas-metragens e participara como ator coadjuvante em dois filmes de Claude Autant Lara: era o fantasma de Sylvie de le Fantôme (1944) e um Soldado em Le Diable au Corps (1946).
Contando apenas com a confiança do produtor Fred Orain, Tati realizou seu primeiro longa quase às pressas, com baixíssimo orçamento e sem distribuição garantida. No entanto, para a surpresa de todos, o carteiro François conquistou público e crítica e O Carrossel da Esperança foi o “best-seller” do ano alcançando um lucro dez vezes maior que ser preço de custo. Mesmo assim permaneceu a desconfiança sobre o autor. Conta André Bazin:
“Tati ficou logo famoso. Mas havia dúvidas se o êxito de Carrossel da Esperança não esgotava o gênio de seu autor. Os achados eram sensacionais, um cômico original, embora reencontrasse o melhor veio do cinema burlesco; mas, por um lado, diziam que se Tati fosse mesmo genial ele não teria vegetado 20 anos nos music-halls, e por outro, a própria originalidade do filme fazia recear que seu autor não a pudesse manter uma segunda vez. Veríamos provavelmente outras aventuras do popular carteiro e a volta de Don Camilo, que só serviriam para lastimar que Tati tivesse sido esperto o bastante para parar ali."
“Ora, Tati não apenas não explorou o personagem que tinha criado e cuja popularidade era uma mina de ouro, mas demorou quatro anos para nos apresentar seu segundo filme, que longe de perder com a comparação, relega Carrossel da Esperança ao estado de rascunho elementar. A importância de As Férias do M. Hulot não poderia ser superestimada. Trata-se não apenas da obra cômica mais importante do cinema mundial, desde os irmãos Marx e W. C. Fields, mas também de um acontecimento na história do cinema falado ”.
Os quatro anos utilizados na realização de As Férias do M. Hulot sinalizam bem o método característico de Tati: totalmente artesanal e com controle pessoal sobre todos os detalhes do filme. Consequência desse trabalho Tati fará, em 25 anos de carreira cinematográfica, apenas mais 4 filmes,: Meu Tio, Playtime, Traffic e Parade. Cada um deles uma obra-prima.
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A COMICIDADE DE JACQUES TATI
“Graças a uma curiosa faculdade de observação e distanciamento Tati imobiliza o aparelho social em instantes de puro absurdo ”, Alberto Morávia.
Para o filósofo Giles Delleuze, Jaques Tati é o inventor de um novo estágio do cinema burlesco, baseado na instauração de puras sensações óticas e sonoras. Nos filmes de Tati a comicidade é baseada em cenários- descrições, como a sala de espera em Playtime e o parque de exposições em Traffic. O crítico e cineasta francês François Truffaut já observara que o humor de Tati “limita-se à comicidade da observação, excluindo todos os achados que revelariam apenas o burlesco’’, e o depoimento de Tati revela a mesma idéia ao dizer que “não é necessário ser cômico para fazer uma gag”. O humor de Tati torna-se eficiente pela repetição de detalhes e incidentes como o portão da casa dos Arpel (que abre centenas de vezes) e o peixe-chafariz (sempre enquadrado com destaque, às vezes funcionando, outras vezes, nem tanto), ambos presentes em Meu Tio.
Dentro da tradição cômica o humor de Tati se afasta do de Chaplin. O humor dos filmes de Chaplin baseia-se no contraste entre a estilização do personagem Carlitos, símbolo dos marginais, e o cenário realista por onde ele circula. Em Tati temos exatamente o contrário: o personagem é individualizado e o mundo que o circunda é estilizado, cheio de equipamentos e detalhes cômicos. Truffaut destaca ainda que, sequer essa estilização é extremada “mesmo no interior da comicidade de observação, Tati realiza uma segunda censura, a da inverossimilhança (...) Sua comicidade baseia-se apenas nos fatos do dia a dia, ligeiramente desviados, mas colocados em situações sempre verossímeis”.
Contrastando com o cenário temos M. Hulot, o personagem criado por Tati, sempre com o seu sobretudo e seu charuto, permanentemente inadaptado aos espaços e às pessoas. Seus permanentes insucessos sociais solicitam, nos dizeres de Paulo Emílio, “não só o humor mas também a ternura”.
Newton Cannito.