CAMPEÕES DE AUDIÊNCIA


EDUCAÇÃO E IMAGEM - CAMPEÕES DE AUDIÊNCIA

Em 1937, com a criação do INCE - Instituto Nacional de Cinema Educativo no Ministério da Educação e Saúde Pública, estavam oficialmente estabelecidas as relações entre EDUCAÇÃO E IMAGEM no Brasil. Infelizmente esses 62 anos "escondem" uma história de equívocos, preconceitos e incompreensões. Também "escondem" realizações de qualidade, como a própria produção do INCE dirigida pelo genial Humberto Mauro e alguns encontros felizes e transformadores, tanto no âmbito institucional como na iniciativa isolada e pioneira de professores mais irriquietos.
Fica aqui o aceno de uma tentação à qual pesquisadores e acadêmicos venham a sucumbir no sentido de investigar, historiar, refletir e "desescon- der" enriquecendo a história da educação e da comunicação brasileiras.
Está na hora de oferecermos o apoio de uma história conhecida e menos mistificada à formação do educador do novo e audiovisual século.
O que procuramos trazer ao CINUSP nesta mostra são exemplos dos produtos audiovisuais - tenham sido realizados originalmente em cinema, vídeo ou para televisão - que mais e melhor uso tiveram em sala de aula. Produtos esses oferecidos dentro dos dois melhores e mais sólidos programas de EDUCAÇÃO E IMAGEM postos à disposição de professores do sistema educacional brasileiro.
O PROJETO VÍDEO ESCOLA oferecido à escola pública brasileira, pelas Fundação Roberto Marinho e Fundação Banco do Brasil, a partir de 1989 e o PROJETO TV ESCOLA criado dentro do MEC e implantado a partir de fevereiro 1996.
Reunir e rever esses "campeões de audiência" da sala de aula pode nos ajudar a aprofundar a compreensão do potencial pedagógico das imagens, a refletir sobre como a construção de conhecimento pode se dar sobre o "prazer de vê-las" e também a oferecer o testemunho de uma revolução pedagógica a qual muitos professores já aderiram e utilizam com desenvoltura e criatividade.
Desfrutemos!

Marília Franco, curadora.

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VÍDEO ESCOLA: CINEMA, VÍDEO E EDUCAÇÃO
Por Ronaldo Nunes Linhares

A década de oitenta tem início no Brasil com um projeto audiovisual educativo bastante inusitado. Inusitado por sua origem, por seus fundamentos, por sua infra-estrutura de implantação e parcerias, mas principalmente pelas contribuições que trará a relação audiovisual/educação.
A história da presença do audiovisual na educação brasileira estã repleta de encontros, desencontros e descontinuidades. A criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) em 1937, foi a primeira ação para a melhoria do processo de ensino/aprendizagem através da linguagem cinematográfica e do resgate de elementos da cultura brasileira. A isso seguiram-se inúmeras tentativas institucionais de modernização da educação através de ações tecnicistas - materializadas em tecnologias avançadas, mas infelizmente quase sempre destituídas de uma reflexão pedagógica transformadora.
Se por um lado havia qualidade e criatividade na construção do produto audiovisual produzido pelo INCE, por outro foram precárias a distribuição e a possibilidade de acesso e até mesmo as condições técnicas da escola para trabalhar com esse material, no Brasil dos anos 30 a 60. Tampouco foram desenvolvidos programas de capacitação de educadores. Na década de 70, os projetos de audiovisual educativo ganharam uma ênfase na tecnologia, com um viés de abordagem que acabou consolidando alguns preconceitos, sobretudo o medo de que os filmes pudessem substituir o professor.
De um modo geral, até o início dos anos 80, os projetos de uso do audiovisual na escola mais sedimentaram preconceitos históricos e epistemológicos sobre a técnica, principalmente por confundi-la com a linguagem. Isso levou os professores a preocupar-se mais com a prática no uso do suporte do que com os sistemas simbólicos. Aliado a isso consolidou-se uma concepção perniciosa da televisão como veiculo de transmissão de hábitos não muito "educativos”.
É nesse universo que surge o Projeto Vídeo Escola, em 1985, numa iniciativa da Globo Vídeo. Após um período experimental como projeto comercial voltado para o ambiente educacional, o VE é transferido para a Fundação Roberto Marinho. Em parceria com a Fundação Banco do Brasil é implantado, a partir de 1989, nas escolas públicas de 17 estados brasileiros.
Escolhemos três aspectos do VE, para construir uma visão de suas especificidades: sua origem teórica, suas características básicas e por fim, seu acervo.

ORIGEM E SINGULARIDADES
A singularidade do Projeto Vídeo Escola está principalmente na oposição entre os fundamentos que lhe deram origem e o espaço institucional onde essas idéias desabrocharam e floresceram.
Pensado e criado pelas professores Maria Helena Silveira, Sônia Freire e Letícia Parente, a proposta que deu origem ao VE compreendia a imagem como:
Registro ou representação de desejo;
Representação do irrepresentável;
Representação de idéias, de figuras;
Representação do real a ser apreendido simulacro.

Acusava que "(...)a falta de análise e de reflexão sobre as virtualidades da imagem no mundo moderno, no Brasil, tem levado a sucumbir às piores soluções, tornando a imagem uma forma redundante de comunicação”, e propunha o uso da imagem na escola através do vídeo, como uma prática interdisciplinar.
A filosofia do Projeto, caracterizada pelas próprias autoras como "não convencional” está direcionada para permitir"(...) a expansão do currículo, alargamento de sua abrangência num processo não linear, onde o conhecimento vai sendo construído através de uma trama de relações capazes de gerar tecido vivo”. Preocupava-se fundamentalmente com a construção interdisciplinar, o acesso as novas tecnologias e com a abertura do espaço escolar para novas fontes de conhecimento. A sala de aula, através da imagem, ganha o mundo. Estas são, resumidamente, as bases que em que se constituiu o Projeto Video Escola.
O solo onde essas bases foram fincadas foram as Organizações Globo. Numa primeira fase na Globo Vídeo, que coordenou o Projeto desde sua criação em 1985 até 1989. Transferido para a Fundação Roberto Marinho, aí é coordenada em sua fase pública, chegando a 12.000 escolas de 17 estados brasileiros.
Sabemos que o nome das Empresas Roberto Marinho está ligado a uma fase da historia deste país ainda não assimilada com clareza pelo povo. A relação ideológica contida na participação direta das Organizações Globo na história política do país e a adoção de concepções funcionalistas e frankfurtianas na análise do papel dos meios de comunicação na sociedade, reforçaram as desconfianças, nem sempre conscientes, sobre os chamados "produtos globais". Apesar de assisti-los, como sempre confirmaram as pesquisas de audiência, não estávamos desarmados para suas estratégias de dominação ideológica e com isso desenvolvemos anticorpos "críticos", as vezes pouco substanciais, desses produtos.
Essa postura, fortemente estimulada durante as décadas de 70/80 foi o ambiente que o Projeto Vídeo Escola encontrou ao ser implantado nas escolas brasileiras. De antemào não se tinha conhecimento de nenhum projeto ou ação diretamente voltada para a escola pública promovido pela Fundaçáo Roberto Marinho, muito menos foi considerado o domínio técnico no campo do audiovisual e da produção de imagens que as Organizações Globo tinham. As críticas iniciais estavam atreladas diretamente à história do Grupo.
No primeiro encontro de lançamento do PVE o que se questionava era o que ideologicamente estava por traz dessa atitude da Fundação. Já não era suficiente tomar de assalto as consciências com sua programação comercial? Por que queriam também tomar de assalto a escola? O clima era de desconfiança.
É preciso salientar que tudo isso não condizia também com os fundamentos e as idéias que sustentavam o Projeto.

O PROJETO VÍDEO ESCOLA
O Projeto Vídeo Escola, ainda em atividade nas escolas brasileiras, foi criado para ser um projeto de uso do audiovisual para a educação. É importante esta inferência, pois não é um programa de vídeos educativos, ou seja , nào tem por objetivo produzir audiovisuais especificamente para a sala de aula, que tenham como objetivo reproduzir conteúdos programáticos escolares. Sua identidade foi construída a partir da frase "Vídeo Escola: a sala de aula ganha o mundo".
Parte portanto de duas constatações: primeiro considera a hipótese de que "todo filme educativo é chato", segundo parte do pressuposto que todo filme, toda imagem, educa. Essas constatações permearam todo o processo de seleção das imagens, que mais tarde constituíram o acervo do VE, preocupados com a estética, com a pluralidade cultural e principalmente com sua organização em blocos temáticos que pudessem contribuir para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar na escola. Essa opção é visível tanto em sua estrutura teórica , como no acervo e organização do material de apoio, catálogos, revistas, informativos e outros.
O Projeto Vídeo Escola chegou efetivamente às escolas estaduais em 1990. Cem escolas de 17 Estados foram selecionadas pelas Secretarias Estaduais de Educaçào que ficaram responsáveis pelo gerenciamento regional do Projeto. Em sua maioria estavam nas regiões centro-oeste, nordeste e parcialmente nas regiões norte e sudeste. Foram doados para cada escola um Videocassete e um Televisor e para cada Estado um pacote de vídeos selecionados entre os mais diversos gêneros e nacionalidades.
Esses vídeos, cuja seleção estava orientada pelas bases conceituais do Projeto, foram distribuídos e organizados num sistema de locação em pólos centrais, os Vídeo Postos, e após serem escolhidos e solicitados por professores, seriam usados em sala de aula no processo de ensino-aprendizagem. Propunha-se então a modernizar e a dinamizar as relações de aprendizagem nessas escolas, através do uso da imagem como forma de comunicação escolar.
Havia também a preocupação com o conhecimento das possibilidades de uso da linguagem audiovisual em sala de aula. Com aquilo que ela tem de peculiar e próprio. Os vídeos demonstram pssa nrpnmnaràn nn tocante as escolha de imagens que provocassem nos alunos a emocào e um estado de fruição que contribuísse no processo individual de
apreensao da realidade e na produção do conhecimento em sala de aula..
É fundamental salientar que a disponibilizaçào desse acervo e desse aparato administrativo estava acompanhado de um programa de capacitação dos professores, desenvolvido em parceria entre a gerência do Projeto na FRM e nas SEE.

ACERVO
O acervo do VE é, sem dúvida, uma comprovação da singularidade do Projeto. Ao mesmo tempo que é a materialização das idéias proposta em seus fundamentos, utiliza-se do aparato tecnológico e da competência das Organizações Globo tanto para o resgate, produção e edição de material de seus acervos, como para a descoberta e compra de material audiovisual brasileiro de outras origens e de produções de outros países.
A seleção e a construção do primeiro grupo de videos, que constitui o maior acervo do Projeto, pautou-se na tentativa de unir, da melhor forma possível, a beleza estética, a emoção, o lúdico, o plural e o conteúdo pedagógico. Desfigurou a falsa separação entre imagem e palavra, colocando a importância do exercício de ver, classificando-o como um ato comprometido, não inocente, atrelado a interpretação cultural,"(...) impondo-se numa ação educativa a "consciência possível" da imagem representada".
A partir do acervo do VE foi possível à escola pública ter acesso a filmes brasileiros e estrangeiros, participar de outras culturas, repensar seu espaço a partir do conhecimento e identificação do espaço do outro, repensar a diferença como fator positivo de socialização. Foi possível refletir sobre a imagem, refazê-la, desconstruí-la e reconstruí-la utilizando os mecanismos possíveis de sua própria cultura, de sua própria experiência de vida.
O acervo tem 470 filmes, distribuídos em 176 fitas, reunindo produções de diversos países tais como: França, Inglaterra, Alemanha, URSS, Checoslováquia, Canadá, EUA. Hungria e outros. São curtas (documentário e de ficção), animações e programas da Rede Globo como: Globo Ciências, Globo Repórter, reportagens, adaptações, produções especiais.
Como podemos observar, a seleção coloca na sala de aula um conjunto de imagens que possibilita a reflexão, o conhecimento plural do mundo, a ação pedagógica interdisci- plinar, apoiando-se nos elementos constitutivos da linguagem audiovisual como fator preponderante no apoio aos professores e na melhoria das relações comunicacionais em sala de aula.
O Projeto contribui para que a escola, dependendo da utilização, possa compreender que:
"quer as imagens tenham um efeito de alívio ou venham a provocar selvageria, maravilhem ou enfeitiçem, sejam manuais ou mecânicas, fixas, animadas, em preto e branco, em cores, mudas, falantes - é fato comprovado, desde algumas dezenas de milhares de anos, que elas fazem agir e reagir,
E que... "nenhuma imagem é inocente. Mas nenhuma imagem, é claro, é culpada já que somos nós que, através dela, criamos nossos próprios constrangimentos. Além disso como nenhuma representação visual é eficaz nela e por si mesma, o princípio de eficácia não deve ser procurado no olho humano, simples captador de raios luminosos, mas no cérebro que está pôr detrás. O olhar não é a retina".
Entendemos que diferentes imagens disponibilizadas para a escola, contribuem para um "hábitus" de ver reflexivamente o real através da imagem, construindo um novo "sem- sorium”, uma nova forma de perceber o real e transformá-lo. Essa ação deve ter na escola seu espaço fundamental de construção e desenvolvimento,
O Projeto Vídeo Escola foi, sem dúvida, o primeiro projeto estruturado e administrado de modo a inserir no processo de educação formal as condições de construção de um espectador cidadão.