CINEMA PALESTINO: UMA NAÇÃO NA TELA
Cinema Palestino: Uma Nação na Tela
O povo palestino não tem Estado e já teve sua existência negada, não reconhecida. Do silêncio de sua retirada imposta das terras onde foi estabelecido o Estado de Israel, passando ao combate das guerrilhas militares dos anos 70, aos atos de terrorismo e finalmente à diplomacia e à revolta popular do fim dos anos 80, os palestinos forjaram uma resistência para a afirmação, não só de seus direitos, mas de sua identidade.
O cinema foi uma das armas utilizadas e é hoje responsável pela criação de um Estado virtual, com vozes e ecos vindos de diferentes partes do mundo, onde apareçam traços de identidade e as contradições que elas carregam. Até hoje, mesmo com a recente tomada de alguma autonomia palestina nos Territórios Ocupados, a maioria dos filmes são feitos do exílio, o que marca a produção com temas recorrentes como a ausência, a espera, a memória e a identidade.
No final dos anos 60 e nos anos 70, surgiram os filmes de propaganda e panfletários financiados pela OLP no exílio. Diretores árabes de diversos países, além dos próprios palestinos, divulgavam em película os feitos, as metas e a ideologia da resistência armada palestina. O mérito da produção desse período foi a preservação de documentos históricos e a recuperação de arquivos, já que umas das estratégias da ocupação sionista foi a de apagar a memória e os registros históricos palestinos.
A ficção ficou relegada até a metade dos anos 80. Além da orientação ideológica, havia inibidores como técnica e custos. A primeira tentativa de ficção - de cunho político, mas ficção - foi bancada ainda pela OLP e dirigida por Qassim Hawai, diretor iraquiano. O filme era sobre um retomo à Haifa. Cidade na costa mediterrânea tomada pelos sionistas, e foi apreendido e destruído durante a invasão do Líbano por Israel em 1982. Desvinculado da OLP, em 1980 um rapaz exilado em Bruxelas resolve voltar aos Territórios para fazer um documentário longa-metragem. Michel Khleifi, representado nesta mostra com dois trabalhos, filma Memória Fértil, mesclando documentário e ficção.
É de Michel Khleifi a ficção que marca o advento do “novo cinema palestino” que viria a se afirmar pela liberdade temática e formal, pela independência, pelo pluralismo. Casamento na Galiléia saiu de um trabalho paciente envolvendo financiamento internacional, locação na Palestina e envolvimento da população local. Foi concebido em 1983 e realizado em 1987.
É nessa época que começa a Intifada, revolta popular que mudaria para sempre a história da produção audiovisual dentro dos Territórios. A guerra de pedras atiradas por garotos palestinos contra os armadíssimos soldados israelenses logo se transformou em filão da mídia internacional. Equipes de TV começaram a querer imagens “de dentro” da revolta, vários palestinos foram treinados, equipamentos foram comprados. Documentários amorais passaram a expressar a pressão interna dos campos de refugiados e a cotidiana violação dos direitos humanos por parte de Israel.
Até hoje, o cinema palestino sofre dos problemas comuns a todos os pólos produtores do sul do mundo. Basta observar que, no mundo árabe, a única indústria cinematográfica consolidada é a egípcia. Mas, além dos problemas técnicos-financeiros, o ambiente de ocupação militar dos Territórios Ocupados, que um dia podem vir a ser um Estado palestino, não é o mais propício para nenhum tipo de indústria, ainda mais indústria de idéias e de repertório de aspirações humanas. Não custa lembrar que as salas de cinema na Cisjordânia e na Faixa de Gaza foram fechadas depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, e que, na estrutura que começa a ser recuperada, o sistema de distribuição praticamente inexistente priva o público local das produções que falam de si.
A mostra organizada pelo Cinusp apresenta seis filmes que falam muito do impasse político e humano do povo palestino. Ela permite a reflexão sobre a prática cinematográfica em condições adversas e sobre seu valor como instrumento na construção, revelação, afirmação e desconstrução de identidade. Frente à reiterada negação do direito a um território físico, o cinema se configurou para os palestinos como um território virtual do processo de constituição nacional.
Tânia Caliari, curadora.