3º FESTIVAL DO FILME DOCUMENTÁRIO ETNOGRÁFICO DE BELO HORIZONTE
No final de 1997, um grupo de jovens realizadores e estudiosos do cinema organizou a primeira edição do Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte. Nascia então um projeto que buscava unir produção, crítica e divulgação da experiência de realização desse gênero cinematográfico e videográfico. Diluir as fronteiras entre ficção e documentário foi, desde o início, um dos nossos propósitos, pois, para colocar os pontos sobre os “i” e falar como Jean-Luc Godard, “todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário, como todos os grandes documentários tendem à ficção... E quem escolher, para valer, um deles achará necessariamente o outro no final do caminho.”
O caminho estava aberto. A ordem era romper fronteiras no tempo e no espaço; resgatar os documentários clássicos; organizar retrospectivas de autores e épocas; promover debates entre realizadores e teóricos de diferentes matizes, provenientes das artes e humanidades; trazer para a tela os movimentos, os gestos e as falas dos esquimós, dos pescadores de diferentes rios e mares, do índio da Amazônia, dos nômades no Oriente, dos africanos, dos imigrantes, das minorias sociais e étnicas das grandes cidades.
A antropologia, esta aliada particular, nos guiaria nesse processo de conhecimento do outro, aproximando-o, focando-o, relativizando-o e, ao mesmo tempo, possibilitando o conhecimento de nós mesmos: distanciando-nos, desfocando-nos, mostrando-nos a nossa cara. A ordem era romper de uma só vez com a imagem a serviço de um projeto meramente acadêmico, com a linguagem televisual e com o espetacular. Dizíamos o que não queríamos: relatos de viagem ou pesquisa tendo a câmera como caderno de campo e, muito menos, reportagem jornalística na qual o sensacionalismo e o exotismo se prestam ao contemplar passivo de um telespectador ordinário - esta reportagem que, na impossibilidade de uma pesquisa mais aprofundada e de um diálogo com as pessoas filmadas, nos quer convencer de que a imagem informa e ilustra a voz em ojfàa. verdade sobre o outro.
O que queríamos? Apostar que a imagem captada pela câmera de Flaherty, Vertov, Jean Rouch, Orson Welles, Luiz Bunuel, Glauber Rocha, Arthur Omar, Eduardo Coutinho, Licínio Azevedo, Yves Billon, Jem Cohen, César Paes, Divino Xavante, Vincent Carelli e outros grandes realizadores revelam aquilo que tantas sociedades indígenas concretizaram em suas “obras de arte”: vida cotidiana e sonhos, sociedade e cosmologia, rito e mito, objeto e sujeito, coisas e signos, homo sapiens e homo demern não existem e não são fabricados separadamente. Les Maitres Fous, de Jean Rouch, já nos revelou isso há muito tempo.
O Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte não tem compromisso com a imagem limpa, purificada, territorializada, conformista, unificada, globalizada. O sujo nos é bem vindo, desde que esteja a serviço de uma investigação e de uma nova estrutura estética e narrativa. Novos olhares não nos assustam. Nosso cinema quer ser um lugar de agenciamento das diferentes experiências humanas, onde sujeito e objeto se confundam, até o ponto em que a câmera passe literalmente para as mãos daqueles que antes figuravam na frente dela. Queremos antropologia, cinema e vídeo para provocar um deslocamento no olhar e revelar a alteridade por completo.
Na sua terceira edição, dezembro de 1999, o CINUSP também pretende ser um lugar de abrigo destas diferentes perspectivas e portador desta alteridade. Ele acolherá uma parte significativa dos filmes programados para o Festival de Belo Horizonte e, assim, alargaremos nossos horizontes com outros olhares. O CINUSP certamente nos ajudará a veicular a idéia de que o cinema não se presta somente a vender pipocas, roupas e CDs, não se limita à sua função de diversão, mas, sim, se constitui num lugar privilegiado para o agenciamento de idéias, práticas sociais, políticas e estéticas.
Ruben Caixeta de Queiroz - Coordenador do III Festival do Filme Documentário e Etnográfico