DOGMA 95



Dogma 95

1 - As filmagens devem ser feitas no local. Não podem ser usados acessórios ou cenografia (se a trama requer um acessório particular, deve-se escolher um ambiente externo onde ele se encontre).

2 - O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. (A música não poderá ser utilizada a menos que ressoe no local onde se filma a cena).

3 - A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos (ou a imobilidade) devidos aos movimentos do corpo. O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada, são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar.

4 - O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há muito pouca luz, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).

5 - São proibidos os truques fotográficos e filtros.

6 - O filme não deve conter nenhuma ação "superficial". (Homicídios, armas, etc. não podem ocorrer).

7 - São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (O filme deve ocorrer na época atual).

8 - São inaceitáveis os filmes de gênero.

9 - O filme final deve ser transferido para cópia em 35 mm, padrão, com formato de tela 4:3. Originalmente, o regulamento exigia que o filme deveria ser filmado em 35 mm, mas a regra foi abrandada para permitir a realização de produções de baixo orçamento.

10- O nome do diretor não deve figurar nos créditos.


Dogma. S.m 1. Ponto fundamental e indiscutível de uma doutrina religiosa e, p. ext., de qualquer doutrina ou sistema.2.Rel.Na Igreja Católica Apostólica Romana, ponto de doutrina já por ele determinado como expressão legítima c necessária de sua fé.
 

Em março do ano que dá nome ao movimento, os cineastas dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vinterberg lançaram um manifesto composto de 10 princípios normatizadores de uma produção cinematográfica que, não por acaso, teve como inspiração o decálogo de Moisés. Também o Dogma 95 conta com expressões imperativas de proibições determinando a conduta de seus filmes.
Quando Von Trier lançou o manifesto já era um cineasta famoso e aclamado, laureado em Cannes com Europa e com passagem recente pelo Oscar com Ondas do Destino. A firma de Vinterberg, entretanto, era desconhecida. O que poderia ter levado Von Trier a unir seu nome ao de um realizador bem menos conhecido e lançar um manifesto com regras draconianas que definiríam uma poética diferenciada? Seis anos se passaram e este distanciamento clarifica um pouco alguns pontos.
Os filmes feitos com esta chancela tem uma indelével e inconfundível apresentação plástica embora caros, parecem baratos. A fotografia aparentemente menos elaborada denuncia constantemente a existência do fotógrafo. Buscam a credibilidade documental para a sua ficção. Também erigiram e consagraram uma estética, criando um público e fomentando nele a demanda por obras filiadas ao modelo citado.
Eliminando recursos "artificiais", os realizadores foram confrontados com um elenco menor de elementos de linguagem que pudessem expressar suas intenções. Foram então obrigados a priorizar determinados recursos - como a interpretação precisa dos atores - e temas que melhor se solucionassem com os recursos disponíveis.
Os méritos do rigor na lealdade aos princípios são conhecidos. Filmes tocantes, intimistas que contaram com extraordinárias interpretações.
Uma outra sombra parecia macular a produção "dogmática". Seria o manifesto uma estratégia de marketing? Provavelmente, também. Mas tentemos ser sinceros. O magnífico filme de Vinterberg, um iniciante de 26 anos teria sido exibido no dominado circuito mundial se não se inserisse no barulhento movimento? Talvez a dupla dinamarquesa tenha concluído que para escapar do rígido controle "invisível" do mercado imposto pelas grandes companhias seria também necessária uma estratégia que combinasse elementos do próprio mercado e nem por isso abandonaram o rigor dramático que possibilitaram a confecção de suas obras.
Para possibilitar uma melhor apreciação dos principais filmes do movimento e de seu percurso, o Cinusp realizou uma mostra abrangente que se inicia com uma provocação: a exibição do monumental Paixão de Joana D´Arc de Carl Dreyer, um dos mais importantes cineastas de todos os tempos que realizou um filme que iria mudar o tratamento dado pelo cinema àdecupagem a à interpretação dos atores. Neste filme, anterior ao referido movimento em quase um século, é possível perceber um gérrnen que, silenciosamente no silêncio dos anos, fornecería seiva que ajudaria a nutrir o rebento: o Dogma 95. Partilham, Dreyer e seus conterrâneos - e, posteriormente, realizadores de outras terras - do mesmo rigor exigido no trabalho dos atores, da mesma força plástica dos enquadramentos contundentemente dolorosos. Enfim, Dreyer deu a seu filme uma chancela de veracidade documental - avant la lettre - que os signatários e os seguidores do manifesto iriam persecutoriamente tentar resgatar.
Na mesma semana exibiremos Europa e Ondas do Destino, os dois de Lars Von Trier, em que podem ser observados - sobretudo neste último - aspectos formais que desaguariam nas normas componentes do decálogo.
Nas semanas seguintes exibiremos os quatro filmes filiados ao movimento que foram lançados comercialmente no Brasil: Os Idiotas, Festa de Família, Mifune e O Rei está Vivo. Enfim uma oportunidade para refletir sobre um dos mais importantes e midosos movimentos cinematográficos da década que passou.
Por fim, exibiremos o último filme de Lars Von Trier, o peculiar Dançando no Escuro, vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano passado. Um musical conceituai, ao mesmo tempo anacrônico e oportuno, que discute estética do cinema dos anos 50/60, sua recepção e filiação ao melodrama - não por acaso, melo de melodia - através da personagem interpretada pela cantora Bjõrk, também laureada melhor atriz no mesmo festival francês.