ORIENTE-SE: MOSTRA DE CINEMA ORIENTAL - TSAI MING-LIANG E WONG KAR-WAI


A mostra Oriente-se na verdade trai o nome a partir de uma de suas assepsias. Embora o charme do trocadilho - inevitável - a intenção da mostra encontra melhor vocação pelo seu avesso: desoriente-se. Os cineastas chineses - formosos, pois de pequenas ilhas resistentes ao comunismo que, uma delas, distraidamente, lhes empresta tão acertado adjetivo - Wong Kar-Wai e Tsai Ming-Liang, embora tangenciem seus temas, de um modo geral, despertam sensações antagônicas. A uni-los, talvez, a reflexão incessante sobre a globalização e os efeitos desta sobre sua cultura.
Oriundos de uma sociedade milenar, em que todas as imbricações relacionais já estão bastante codificadas, ambos se debruçam sobre os efeitos avassaladores do capitalismo urgente imposto à sua cultura. Sem pretensões analíticas, já que os meus parcos conhecimentos sociológicos não dão para tanto, é interessante notar que, aparentemente, foram exatamente aspectos culturais arraigados que contribuíram para o muito bem sucedido - em termos econômicos - desenvolvimento do capitalismo nas duas ilhas - Hong Kong e Taiwan. Fatores como a rigorosa disciplina, a incrível capacidade de poupança e uma nítida definição dos papéis sociais, se antes serviram de base à sustentação de sua cultura, com a globalização se tornaram importantes ferramentas da nova ordem imposta. Se, por um lado, os indicadores econômicos das Forbes da vida tendem a corroborar a idéia do êxito das políticas implantadas, por outro, artistas como os dois cineastas citados parecem ter mais a dizer a respeito.
Wong Kar-Wai trata do tema através das relações humanas, notadamente amorosas. Entretanto, embora concentre-se sobre os conflitos culturais decorrentes da globalização focalizando temas inter-relacionais - como casamentos, traições, homossexualismo, trabalho feminino dentre outros -, a sua abordagem parece ser mais doce e otimista. Ao deixar uma sala de exibição onde acabou de assistir a uma obra do diretor, o espectador leva junto uma felicidade pueril e, se o clima permitir, vontade de tomar sorvete.
Tsai Ming-Liang, singra em águas distintas. O seu olhar recai sempre sobre pouquíssimas personagens que, normalmente dividindo os mesmos espaços físicos, unidas muitas vezes por desejos comuns ou por relações familiares, confrontam-se com dificuldades abissais e intransponíveis ao tentarem se aproximar umas das outras. Ainda que os temas abordados sejam os mesmos de seu "conterrâneo", o olhar de Ming-Liang é muito mais pessimista e dolorido, sempre sombreado, levemente, pela companhia da morte. Suas personagens parecem buscar desesperadamente a aproximação entre si apenas para constatarem o fracasso de suas tentativas. A inserção na sociedade capitalista se dá através de conflitos silenciosos porém profundos e mutilantes.
Para permitir um olhar menos direcionado, o Cinusp optou por exibir filmes de Kar-Wai e Ming-Liang sem obedecer o rigor cronológico mas de forma mais livre, tenta tornar acessíveis filmes de reconhecimento crítico mas de passagem fugaz pelas salas comerciais. Acessar a obra dos dois cineastas - que deve ser vista também como componente da vastíssima e díspar cinematografia oriental, não como seu emblema - é, além da chance de preencher uma lacuna de repertório, uma oportunidade de reflexão sobre o lugar do afeto e do humano na sociedade contemporânea oferecida pelas mãos do cinema. Desoriente-se.

Júlio Maria Pessoa.