1ª MOSTRA DE DOCUMENTÁRIOS MUSICAIS DA AMÉRICA LATINA


Talvez pelo fato de ter-me iniciado no mundo dos sentidos pela música, ao entrar na sala escura de um cinema sinto a mesma sensação de estar entrando na mata escura para caçar com os índios: meus ouvidos ficam logo atentos, garimpando os primeiros pios ou farfalhos de sons, e só depois tenho os olhos preparados para ver a vida do cinema discorrer diante de mim. Antes de enxergar com os olhos, escuto as imagens. E por saber que um caçador não deve entrar sozinho na mata escura, imaginei um jeito de reunir outros caçadores de sons para melhor compreendermos o canto dos pássaros e também seus gestos, suas estórias, suas imagens em movimento registradas em películas ou vídeos.
Assim nasceu a I Mostra de Documentários Musicais da América Latina, que deseja, através dos filmes e vídeos apresentados, criar um espaço de discussão e convívio entre os diferentes olhares e escutas que vêm se produzindo sobre a cultura musical contemporânea nestas terras mestiças do hemisfério ocidental.
Acreditamos que cada produção realizada é parte de um processo mais amplo de convívio e descobertas que envolvem tanto diretores quanto técnicos, roteiristas, pesquisadores, músicos, compositores, grupos, comunidades, público em geral, curioso de conhecer outros mundos sonoros através destes documentários.
Durante uma semana teremos a oportunidade de assistir a trabalhos de realizadores, amadores e profissionais, que buscam construir narrativas cinematográficas a partir da música. Se pensarmos em gêneros musicais, o panorama é amplo, indo da música indígena ao jongo, do funk ao bolero, passando pelo samba e a música caipira.
Não privilegiamos artistas, mas sim a música como reveladora e transformadora das realidades onde se manifesta. Nessa perspectiva, gostaria de que durante esta primeira semana de outubro pudéssemos compartilhar um espaço e um tempo aberto ao diálogo entre "realizadores" e "realizados", como gosto de chamar, carinhosamente, aqueles que atuam em nossos filmes. Dar voz e ouvidos a eles, fora da tela, parece ser um caminho propício para refletirmos juntos sobre o fazer dos documentários - a construção do outro na tela, compartilhando visões e audições múltiplas do ver-se e do ser visto, do ouvir a própria voz e do escutar a voz do outro, seus cantos, falas e silêncios.
A música na tela nos transporta para uma situação muito diferente da música que sai de um rádio ou cd. Vários são os discursos que se interpenetram num filme e seria ingenuidade pensar que os documentários musicais são da mesma natureza dos outros documentários. Buscar esta singularidade e as peculiaridades das narrativas destas produções será o foco da nossa conversa, dia 3 de outubro, à tarde. Assim, gostaria de agradecer o interesse e a disponibilidade de Alberto Ikeda, Carlos Cortez, Emilio Domingos, Maria Dora Mourão, Paulo Dias e Tata Amaral em estarem conosco em torno dessa sonora mesa redonda de palavras, imagens e músicas.
Acreditamos que cada produção realizada é parte de um processo mais amplo de convívio e descobertas que envolvem tanto diretores quanto técnicos, roteiristas, pesquisadores, artistas e comunidades. Compartilhar o saber e o fazer - com todos os seus acertos e erros - é pois um privilégio que esperamos poder estender para além do mundo acadêmico, contando com a audiência dos nossos queridos "realizados" e também de outros realizadores, colegas, professores, alunos, músicos, pesquisadores e público em geral, a quem também agradeço a presença. Um filme quando se movimenta na tela só ganha sua real beleza nos olhos e ouvidos que o percebem e dele se alimentam. Apesar de serem poucos os documentários que nos chegaram de nossos colegas latino-americanos, insistimos em colocá-los na Mostra, pois sabemos dos raros intercâmbios entre nossas produções, apesar da impressionante proximidade sonora que nos une em intermináveis e criativos improvisos musicais. Que estes documentários sejam uma espécie de primeiros mensageiros a percorrer florestas, planaltos, cordilheiras, desertos e cidades desse nosso continente, construindo um tecido sonoro dos contrapontos que marcam as diferentes culturas musicais em que estamos inseridos.
E por fim gostaria de agradecer a todos os realizadores que responderam à este sonoro convite enviando seus trabalhos, e em especial aos que trabalharam conosco abrindo espaço e tempo para que pudéssemos compor a partitura dessa Mostra, que esperamos seja a primeira parte de um sinfonia de muitos movimentos: Sylvia Caiuby Novaes (coordenadora do LISA), ao CINUSP, e a nossa equipe, Paula Morgado, André Oliveira e Ana Cristina Venâncio.

Priscilla Barrak Ermel, curadora.