CINEMA BRASILEIRO 2003
Retomamos. Aos que anseiam por marcar logo um ponto final para o período da dita "Retomada do Cinema Brasileiro" difícil imaginar que o futuro nos reserva um momento ainda mais propício para declarar concluída esta etapa histórica do cinema nacional. É bem provável que a produção cinematográfica brasileira do biênio 2002-2003 passe mesmo à História como aquela que conclui o período de reconquista de prestígio, de credibilidade, de competência técnica, de investimento, de tudo aquilo que o cinema nacional foi gradualmente perdendo ao longo das décadas de 80 e 90. Depois do espaço na mídia, do interesse intelectual, do respeito crítico e até da admiração estrangeira (e do Oscar, mais especificamente), o cinema brasileiro retoma agora o território mais árduo de ser reconquistado: o público. E essa definitiva vitória da retomada do cinema brasileiro aconteceu exatamente durante o período de produção enfocado pela presente mostra do CINUSP Paulo Emílio, a sétima edição de sua retrospectiva anual da produção cinematográfica nacional.
A derradeira reconquista do público iniciou-se em meados de 2002, com a estréia nacional de Cidade de Deus, fenômeno pop como o cinema brasileiro poucas vezes viu, e foi vencida no segundo semestre de 2003, quando Carandiru saiu de cartaz dos cinemas deixando consolidada a carreira de maior sucesso de bilheteria do cinema nacional em mais de vinte anos. A retomada se concluira. O público brasileiro voltara a fazer filas na porta dos cinemas para ver cinema brasileiro - o que só prova que não foi o público quem renunciou ao cinema nacional, mas antes o contrário. Carandiru e Cidade de Deus redefiniram o cenário da produção cinematográfica brasileira em sua relação com o público e marcaram definitivamente a posição da Globo Filmes - coprodutora de ambos os filmes - como líder também no mercado cinematográfico. O braço cinematográfico da maior empresa de telecomunicações da América Latina repete agora o sucesso de que há décadas desfruta no meio televisivo - e isso é um dado importante para analisarmos o presente reencontro do nosso cinema com seu público.
Mas esses não foram os únicos eventos marcantes do período que o CINUSP agora apresenta em retrospecto. A produção nacional dos últimos doze meses mostra que o Cinema Brasileiro 2003 apontam para uma diversificação da produção que é sintomática de um mercado cinematográfico saudável, em que mesmo produtos segmentados encontram seu público.
Exemplo disso é a repercussão que têm alcançado os documentários nacionais nos últimos anos. Esse gênero, por muito tempo restrito à comercialização para vídeo e televisão, consolidou-se como um produto para a tela grande e tem atraído aos cinemas um público disposto a assistir tanto à nova obra de um documentarista mais do que consagrado (caso do Edifício Master de Eduardo Coutinho) quanto um documentário forte e contundente como Ônibus 174, de Felipe Lacerda e José Padilha, ambos estreantes na direção de longa-metragem.
Outro sinal de "saúde" da atual produção cinematográfica brasileira diz respeito à presença cada vez maior no mercado dos chamados "filmes médios" e de verdadeiros filmes de gênero. Esse tipo de filme, geralmente tramas cômicas, românticas ou de suspense dirigidas a um público adulto de classe média, dificilmente chegará a ser um blockbuster como Cidade de Deus, mas é vital para a manutenção de uma produção cinematográfica em contato constante com seu público. Nesse contexto, merece louvor a chegada de Jorge Furtado ao dito "grande cinema". Os dois primeiros longas-metragens do diretor estão presentes nessa retrospectiva e são representantes de um cinema nacional jovem - e para jovens - que finalmente consegue falar a linguagem de seu público.Também é motivo de otimismo perceber que mesmo produções nacionais mais sofisticadas encontraram seu público, responsável por manter em cartaz em São Paulo por mais de um mês títulos como Desmundo e Madame Satã. Dois filmes de inegável qualidade, que certamente merecem ser descobertos - ou revistos - durante essa mostra.
E também há espaço na produção recentíssima para filmes de diretores que vêm fazendo cinema no Brasil há muitas décadas, mantendo intactos seus estilos particulares ao longo de crises e retomadas. É o caso do paulistano Ugo Giorgetti e do carioca Domingos de Oliveira, que comparecem a essa retrospectiva do CINUSP com seus últimos filmes, O Príncipe e Separações, respectivamente.
Todos esses filmes são exemplos de que o cinema nacional tem conseguido finalmente unir a tão propagada diversidade da produção à qualidade técnica e ao diálogo com o público. Com orgulho, apresentamos: o cinema brasileiro retomado.
Marcos Kurtinaitis.