CINEMA BRASILEIRO 2004: GRANDES BILHETERIAS


Cinema Brasileiro 2004: Grandes Bilheterias

Mais uma vez, pelo oitavo ano consecutivo, é chegado o momento de apresentarmos uma retrospectiva da produção cinematográfica nacional mais recente. Consolidada a retomada do cinema nacional, que neste ano completou dez anos, é chegado o momento de celebrarmos a reconciliação do nosso cinema com seus espectadores. Se durante boa parte dos anos 80 e 90 poucos foram os filmes brasileiros a conseguir vencer a resistência do público (ou sua resistência ao público), o cenário atual é marcado por sucessivos casos de verdadeiros blockbusters nacionais. É por essa razão que o CINUSP Paulo Emilio aproveita a oportunidade para centrar esse retrospecto anual do cinema brasileiro nos filmes de maior bilheteria do biênio 2003-2004. Com isso, apresenta-se um verdadeiro panorama do gosto dos espectadores de cinema do país. Move-nos a ânsia por descobrir, enfim, quais os fatores determinantes do sucesso, qual o tipo de filme brasileiro realmente capaz de mobilizar multidões.
A resposta a essa questão, contudo, não é fácil de ser vislumbrada. Por um lado, há os filmes que levam o público ao cinema por contarem com a imagem de uma grande celebridade por trás, o que é apenas a reafirmação de uma tendência presente desde os anos setenta - basta lembrar que seis dos dez filmes de maior bilheteria da história do cinema brasileiro são filmes dos Trapalhões, lançados justamente no período áureo de sua popularidade, quando o programa deles era uma das maiores audiências da Rede Globo. Xuxa e Renato Aragão sempre foram garantia de lucros nas bilheterias e, assim, dado que eles continuam a produzir um filme por ano, não é de se estranhar que também nestes dois últimos anos eles tenham emplacado suas produções entre as maiores bilheterias. A eles junta-se agora o nome de outra celebridade que alcançou projeção nacional nos últimos anos graças à televisão: a figura do Padre Marcelo Rossi. No ano passado, o padre performático lançou-se também à carreira cinematográfica e, a julgar pelo sucesso de conquistado por seu primeiro filme, Maria, Mãe do Filho de Deus, parece ter aberto um novo filão de filmes bíblicos brasileiros. Contudo, é interessante notar que os filmes mais recentes de Xuxa, Renato Aragão e do Padre Marcelo - Xuxa Abracadabra, Didi Quer Ser Criança e Irmãos de Sangue, respectivamente - não conseguiram igualar o êxito de seus antecessores, o que pode ser, talvez, um sinal de que essa tendência esteja a caminho de ser revertida. Uma passada de olhos pelo ranking das bilheterias do periodo parece reafirmar também a predileção brasileira pela comédia. Dos dez filmes brasileiros mais vistos em 2003 e 2004, nada menos do que sete são comédias. Mas vale lembrar que Carandiru, o campeão absoluto com quase cinco milhões de espectadores, é um drama sobre um assunto sério e de cunho social. Outros casos recentes de sucesso estrondoso nas bilheterias, Olga e Cazuza - O Tempo Não Pára também servem como comprovação de que dramas históricos e biográficos sobre figuras nacionais também podem cair no gosto do nosso público.
Se quisermos buscar um fator em comum a todos esses filmes de sucesso aqui reunidos, forçosamente teríamos que reconhecer que suas bem-sucedidas carreiras se devem, ao menos em parte, a um nome: Globo Filmes, braço cinematográfico do maior conglomerado de comunicações do país. A consolidação da posição da Globo neste mercado é, sem dúvida alguma, o episódio mais marcante no panorama do cinema nacional dos últimos anos e o grande responsável por essa reconquista do público. Basta saber que quando a Globo Filme surgiu, o cinema brasileiro representava menos de 5% dos ingressos vendidos nas salas de cinema do país. Hoje, esse percentual já oscila entre 20 e 25%, um salto gigantesco para um período de apenas cinco anos.
Todos os filmes reunidos nesta mostra - todos eles na lista de dez maiores bilheterias do cinema nacional do último biênio - tem, direta ou índiretamente, a marca da Globo Filmes. Explica-se: a atuação da Globo Filmes no mercado cinematográfico não se restringe aos filmes inspirados em seus programas de sucesso, ou àqueles que contem com o talento de seus autores, diretores ou membros de seu elenco. A empresa também se associa a filmes de outras produtoras para investir em sua pós-produção, em seu lançamento ou divulgação. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Carandiru, Cidade de Deus e Deus é Brasileiro. Não é exagero imaginar que esse "empurrãozinho" da empresa contribuiu, e muito, para o ótimo desempenho de bilheteria desses filmes. Afinal, o apoio da Globo para distribuição e divulgação de um filme se traduz no uso de sua poderosa máquina midiática para a veicu- lação de trailers, reportagens e inserções de merchandising que garantam a esse filme o devido destaque junto ao público.
Ainda assim, seria simplista demais dizer que tudo que tem o dedo da Globo Filmes é um grande sucesso. Mas é certo afirmar que praticamente tudo que é um grande sucesso tem o dedo da Globo Filmes. Não podemos deixar de notar que, quando se trata de conquistar o público, não há fórmulas infalíveis, nem mesmo para um gigante de know-how invejável como a Globo. Contrariando previsões, alguns filmes lançados sob seus auspícios e dados como sucesso certeiro, caso de Acquaria e No Caminho das Nuvens, tiveram desempenhos decepcionantes junto ao público. Mas o caso exemplar talvez seja o de A Taça do Mundo É Nossa. Primeira incursão cinematográfica do grupo Casseta e Planeta, que, por sua vez, é responsável por uma das maiores audiências da Globo na TV e pelo sucesso de inúmeros produtos licenciados, o filme tinha tudo para ultrapassar a barreira dos milhões de espectadores. Não foi o que aconteceu, indicando que o caminho para transpor um sucesso da TV para o cinema pode não ser assim tão simples.
Seja como for, outros fizeram o mesmo caminho, levando a fórmula de um programa da TV Globo para o cinema, e se saíram muito bem. Os Normais, por exemplo, não teve problema algum em atrair aos cinemas uma multidão disposta a ver uma versão ampliada daquilo que já vê em casa. E vale lembrar também que Lisbela e o Prisioneiro, um dos maiores sucessos do cinema nacional pós-retomada, é uma readaptação de um programa já exibido e testado junto à audiência televisiva - repetição de forma mais sofisticada daquilo que já fora feito antes, pelo mesmo diretor e também com grande sucesso, quando a minissérie 0 Auto da Compadecida foi remontada e lançada nos cinemas.
Enfim, o que parece inegável é que a Globo Filmes chegou no cenário do cinema nacional para ficar - e para alterá-lo profundamente. Filmes criados e lançados sem a intervenção da empresa representam 80% de nossa produção, mas não mais do que 20% do total das bilheterias. Para entender o gosto do público brasileiro e os rumos atuais do nosso cinema, portanto, é impossível ignorar o resultado da ação da Globo Filmes sobre o mercado. Reflexões desse tipo é o que a presente mostra oferecida pelo CINUSP "Paulo Emílio" procura motivar, oferecendo um retrospecto dos mais recentes casos de filmes que levaram o nosso cinema a se reencontrar com seu público.

Marcos Kurtinaitis.