AUTORES E ATRIZES: NOVO CINEMA ALEMÃO


O CINUSP “Paulo Emílio” exibe, através de treze longas-metragens e uma coletânea de curtas, algumas das principais linhas de força que delinearam no plano temático e estético as produções do Novo Cinema Alemão.
Cravado literalmente no “anno zero" de suas capacidades, o cinema alemão do pós-1945 voltou-se à guerra para compreendê-la em forma de denúncia do presente, o que se mesclava a um apelo de autoconhecimento. Comparando-o ao cinema francês e italiano do período, no texto "O Que Querem os de Oberhausen?" (1962) Alexander Kluge ressaltava que o cinema na Alemanha Ocidental deveria “tomar consciência de sua responsabilidade pública”, ou seja, alcançado o patamar da literatura por exemplo, ele poderia ater-se a problemáticas de ordem social e política. O sentido que tais proposições dos defensores de um “cinema livre” - pois não comercial - tomava era, portanto, o do comprometimento, o que se daria por uma via formal inovadora. Uma certa ânsia não apenas por referir e revelar a nefasta história recente do país, mas, antes, a de buscar um modo de narrá-la: o próprio cinema do poeta e sociólogo Alexander Kluge será o exemplo radical, entendendo a realidade como “construção sintética de relações de poder da faculdade da imaginação”, ao passo que as alegorias de Herzog se confudirão com a documentação numa maneira de suscitar o absurdo e o questionamento.
Nessa perspectiva, o uso da matéria literária ou documental propiciou em boa medida um ponto de partida à busca por uma representação possível (e assim verdadeiramente autêntica) da experiência histórica alemã; com tal método, o grande leitor e adaptador Scholöndorff (O Tambor) será talvez o mais prolífico e exitoso. Porém, tal experiência já não poderia conceber-se sem romper seus vínculos com a dramatização clássica do Heimatfilm - típico filme de traços nacionalistas que, por sua evasividade, começava a reconquistar uma nação sem esperanças. Em detrimento deste cinema e de outras produções comerciais, o Novo Cinema Alemão perscrutará uma ética que irrevogavelmente se fragmentou, com personagens que manifestam esse estado por meio de uma complexidade psicológica patenteada não raro pela perseguição de alguma moral própria - sendo Wenders exemplar nisso. A coletividade da nação alemã se perde em favor de um indivíduo à deriva que a representa.
Tendo em vista esses elementos, a figura repreendida simbolizada pela mulher no período, elaborada por diversas obras da literatura contemporânea dentro e fora do país, levará inúmeros diretores (inclusive aqueles que assinam o Manifesto de Oberhausen, propulsor do novo cinema na Alemanha Ocidental) a se debruçarem sobre o particularmente feminino como forma de atingir e representar uma sociedade à procura de uma ética. Adaptando tanto suas produções teatrais quanto textos alheios, Fassbinder, como principal exemplo, concentrará em suas protagonistas inquietações que concernem ao papel desempenhado pela mulher em circunstâncias de um contexto preciso mas indeterminado em seus valores.
A participação feminina no cinema, seja em qualquer instância, não poderia pois se omitir. Basta recordar o nome de Jutta Brückner (Anos de Fome num País Rico), que assina para Schlöndorff, ao lado de Geneviève Dormann e Magarethe von Trotta, o roteiro de Tiro de Misericórdia, com base em romance homônimode Marguerite Yourcenar. São delas alguns dos nomes que, por sua vez, criaram seu próprio grito, o Manifesto das Mulheres Trabalhadoras do Cinema, exigindo seu espaço também fora das telas.
Como pequena amostra de uma produção intensa em cinematografias individuais, a reunião destes filmes cria oportunidades temáticas e formais significativas para se pensar poéticas de autor desenvolvidas sob a égide de um cinema livre e novo.

Juliano Gouveia.