URBANOAUTOCTONIA


Urbanoautoctonia. Palavra complicada para um conceito que nos é muito familiar. Autóctone exprime a idéia de um ser que é da região onde habita e é nela enraizado social e culturalmente. Seríamos então urbanoautóctones, considerando a vida metropolitana que levamos; nascidos em cidades, temos nossas referências fundamentadas neste tipo de vivência, originando um imaginário que nos é próprio. Natural que nosso modo de lidar com a vida cotidiana se diferencie e, conseqüen- temente, tenhamos um modo particular de produzir e lidar com a arte.
E é exatamente para estas representações artísticas que o CINUSP “Paulo Emílio” dá espaço na mostra Urbanoautoctonia. Manifestações geradas por uma vida intrinsecamente urbana, em que os estímulos visuais mudaram e a sobrecarga de imagens (vista como poluição visual), o ritmo urbano e as diversas possibilidades de convivência social em seus distintos nichos criam um novo imaginário a ser representado.
Os filmes escolhidos, ao invés de simplesmente retratarem as formas artísticas da cidade, vão além, incorporando esse espírito urbano à sua linguagem, tornando-o presente na temática, no roteiro, no ritmo, na fotografia, na arte, na direção e, consequentemente, no olhar lançado sobre a cidade. Não são somente filmes urbanos, e sim urbanoautóctones, que carregam em si uma forte marca desse estilo de vida urbano e catalizam seus diversos estímulos tornando-os elemento essencial.
São Paulo S/A retrata São Paulo no fervor de seu crescimento urbano e industrial, torna a cidade um elemento ativo na crise de valores vivenciada por Carlos. O Verão de Sam lança um olhar sobre Nova York, retratando o perfil de uma metópole já madura, porém paranóica e envolta na ameaça onipresente de um serial killer. Código 46 retrata a vivência futura em uma megacidade, em particular o encontro de personagens solitários em um meio inóspito, onde a segregação rege e limita as relações.
Em O Ódio, vemos a violência desencadeada pelo isolamento étnico vivenciado na periferia de Paris; já em O Invasor temos presente um paralelo com a periferia paulista, invadindo e sendo invadida pela classe média.
Em Clube da Luta a violência, apesar de emergir de um indivíduo, propaga-se cruamente pelo submundo de uma metrópole; enquanto em Trainspotting a violência do mundo das drogas é mascarada pela jovialidade do personagem Mark Renton.
Como em Código 46, o foco principal de Encontros e Desencontros é a união de dois personagens perdidos em uma cidade que lhes é hostil, porém com um enfoque mais intimista, suprimindo a violência urbana e vislumbrando um encantamento pela cidade de Tóquio. O tema de encontros na metrópole também é abordado em Cortina de Fumaça, tendo como ponto centralizador uma pequena tabacaria do Brooklin, em que diversas figuras da cidade se encontram e relacionam.
Em Party Monster, Akira e Cowboy Bebop temos mostras significativas do universo urbano representado e vivenciado pelas artes marginais; em Party Monster a vida noturna e musical da cidade de Nova York, e em Akira e Cowboy Bebop, a visão da metrópole das HQs transpostas para o cinema.
Paralelo à mostra no Cinusp, o Centro Acadêmico Lupe Cotrim da Escola de Comunicações e Artes da USP sedia o evento Urbanoautoctonia, em sua terceira edição, composto por debates e exposições de grafite, música eletrônica e história em quadrinhos, artes consideradas pelo meio acadêmico como marginais.

Ana Luíza Béco e Rafael Mathé.