O FUTEBOL NO CINEMA


A relação entre o futebol e o cinema, ou mais especificamente a questão da representação desse esporte nas telas, motiva algumas observações intrigantes. Paixão nacional não apenas - como nos esquecemos freqüentemente - da nação brasileira, o futebol é certamente um tema com potencial suficiente para inspirar filmes relevantes e conduzir multidões às salas de cinema. No entanto, o esporte mais popular do planeta não tem um histórico no cinema que lhe faça justiça, seja em termos de relevância ou de bilheteria. Por muitos e muitos anos, foi realmente difícil encontrar um grande filme de futebol ou mesmo um caso de sucesso de bilheteria que tivesse este esporte como tema central ou pano de fundo. E a situação é ainda mais curiosa se lembrarmos que outras modalidades esportivas menos populares já motivaram tanto obras-primas do cinema quanto sucessos estrondosos de bilheteria.
No gênero restrito do cinema sobre esportes, certamente o boxe é a modalidade de maior destaque e a mais explorada pelo cinema: já foi tema de filmes de grandes mestres (Cidade das Ilusões, de John Huston e Touro Indomável, de Martin Scorsese, para ficar em só duas obras-primas) e já rendeu dois Oscars de Melhor Filme a seus realizadores (Menina de Ouro, de Clint Eastwood, e o primeiro da série Rocky). E mesmo outras modalidades, ainda que sem uma presença tão marcante na história do cinema quanto a do boxe, também já tiveram sua cota de bons filmes e de grandes sucessos de bilheteria. O hipismo, o basquete, o baseball, o futebol americano, o atletismo... esportes que mobilizam muito menos gente ao redor do mundo, todos têm um currículo cinematográfico mais relevante que o futebol.
No Brasil, a despeito de paixão pelo esporte ser uma questão de identidade e orgulho nacional, a situação do futebol no cinema não tem sido muito diferente. Contam-se nos dedos os poucos filmes marcantes que tentaram homenagear a maior paixão nacional e os exemplos brasileiros mais evidentes de filmes de futebol bem sucedidos não passam pela bilheteria, mas pela repercussão que obtiveram: o documentário Garrincha, Alegria do Povo, de Joaquim Pedro de Andrade, Mazzaropi em seu O Corinthiano e Boleiros - Era uma Vez o Futebol, de Ugo Giorgetti. Certamente uma produção cinematográfica irrelevante frente à dimensão do futebol no imaginário do brasileiro.
No entanto, independentemente das razões que sustentaram esta situação ao longo de décadas, a indústria do cinema têm se esforçado para revertê-la. Aproveitando-se da efeméride em torno da Copa do Mundo da Alemanha, produtores de cinema voltaram a buscar no futebol um atrativo para conquistar espectadores e encher seus cofres. Uma leva de filmes que têm o futebol como tema ou cenário está em produção ou prestes a ser lançada, e inclui um filme dirigido por Walter Salles (Linha de Passe) e outro produzido por Spike Lee (The Goal), uma ficção e um documentário sobre Maradona (o último dirigido por Emir Kusturica), uma comédia americana com Will Ferrel, um drama inglês sobre os Hooligans com Elijah Wodd... Enfim, talvez estejamos prestes a ver o futebol ganhar nas telas de cinema a mesma relevância de que desfruta fora dela. A maior aposta da indústria nesse sentido está representada pelo projeto da trilogia de filmes Gol!, uma superprodução internacional quê almeja universalidade e conta com a presença dos grandes astros atuais do esporte como chamariz de bilheteria.
Há quatro anos atrás, pouco antes da Copa do Mundo que garantiu ao Brasil o pentacampeonato mundial, o CINUSP "Paulo Emílio" organizou sua primeira mostra de filmes sobre futebol. Naquela ocasião, conseguiu reunir uma seleção de filmes, todos nacionais, que já apontava uma tentativa do cinema de aproveitar-se de forma mais eficaz da popularidade do esporte bretão. Passados quatro anos, o panorama modificou-se consideravelmente e a mostra de filmes que agora se apresenta, Futebol no Cinema, é um bom exemplo de como se deu essa mudança.
A seleção de filmes desta nova mostra reflete, em primeiro lugar, a internacionalização dos filmes sobre o assunto. Agora três longas-metragens estrangeiros dividem a grade de programação com filmes nacionais. Do mesmo modo, se antes não havia ainda um caso de grande sucesso de bilheteria tratando de futebol, a mostra reúne agora um fenômeno internacional de popularidade, Driblando o Destino, e um filme nacional que esteve entre os maiores sucessos de bilheteria do nosso pais, O Casamento de Romeu e Julieta. Além disso, embora o formato em que o futebol tem sido mais explorado pelo cinema recente continue a ser o dos documentários (basta lembrar que nesse período filmes sobre Pelé e sobre Maradona causaram alguma comoção em seus países de origem), a produção cinematográfica sobre o esporte já permite que o foco da programação esteja unicamente em filmes de ficção. Assim, nessa segunda mostra, a seleção dos filmes optou por ressaltar de que forma o futebol pode se prestar a tramas ficcionais, servindo de tema tanto a um drama edificante quanto a uma comédia rasgada. A exceção fica por conta de uma exibição especial do atualíssimo documentário Ginga, produzido por Fernando Meirelles, lembrando-nos de que, evidentemente, o futebol continuará a ser objeto de investigação de nossos documentaristas. Completa a programação da mostra uma seleção de curtas-metragens, que serão exibidos antes de algumas sessões, reunindo uma amostra interessantíssima da produção de cineastas brasileiros sobre o assunto ao longo dos anos 90.
Estamos mais uma vez em ano de Copa do Mundo e mais uma vez o CINUSP "Paulo Emílio" entra em campo para oferecer aos seus freqüentadores um panorama de como o esporte mais querido do mundo vem sendo representado pela sétima arte. Vista a camisa de seu time favorito e venha conferir.