CINEMA ORIENTAL CONTEMPORÂNEO
No ano de 2001, o CINUSP “Paulo Emílio” fez uma breve retrospectiva das obras dos diretores Wong Kar-Wai e Tsai Ming-Liang, dois dos maiores expoentes do novo cinema produzido no extremo oriente e sudeste asiático, que se consolidava a partir dos anos 90. Com o sugestivo título de “Oriente-se”, esta mostra apontava, já naquele ano, a atenção crescente que o cinema oriental despertava no público ocidental, com suas narrativas envolventes e de grande sofisticação visual. Cinco anos depois, é chegado o momento de retomar esta cinematografia que se coloca hoje, definitivamente, no primeiro plano do cinema mundial, com filmes vindos de países como Japão, China, Coréia do Sul, além de Taiwan e Hong Kong.
Esta seleção tem por objetivo fazer um panorama plural da produção oriental contemporânea, apresentando os filmes mais recentes dos dois diretores já citados além de representantes desta nova geração de autores que têm conquistado com seus filmes prêmios de relevância nos maiores festivais de cinema do mundo. Não obstante, estes filmes também são responsáveis por um significativo êxito de público em seus respectivos países, fazendo frente à ocupação da produção norte-americana e até superando-a em alguns casos particulares, como na Coréia, onde os filmes nacionais ocupam até 60% do mercado.
O cinema contemporâneo já tem com as produções orientais um diálogo constante; não são poucos os cineastas do ocidente que tomam estes seus colegas distantes como mestres. No Brasil, os olhares forjados no oriente influenciam de curta-metragistas a nomes que já conhecidos, como Karim Aïnouz (“Madame Satã”), cujo próximo filme tem cenas inspiradas na obra de Hou Hsiao-Usien. Por outro lado, é necessário ainda ressaltar que esta relação Ocidente-Oriente se configura como uma via de mão dupla. Em Old Boy, por exemplo, do sul-coreano Park Chan-Wook, a narrativa é extremamente marcada por uma das tragédias fundadoras da psique ocidental, a tragédia de Édipo; já filmes como Zatoichi e Nuvens Carregadas fazem da apropriação e da transformação de um gênero do cinema clássico, o musical, num recurso extremamente moderno e sofisticado dentro da construção narrativa de seus filmes.
Nesse sentido, o cinema expressa uma confluência de linguagens e mitos que são compartilhados através da imagem. Em culturas marcadas por uma formação histórica, línguas e símbolos tão estranhos à tradição ocidental, a imagem exerce seu poder de significação promovendo um profundo diálogo entre tradições tão díspares. Tal importância da imagem é facilmente notada nestas obras que selecionamos, fazendo do cinema a linguagem comum cuja expressão mais singular não poderia ser outra que não um trem chegando à estação, visto em “Café Lumière”.
Zhang Yimou, diretor chinês formado na primeira classe da Academia de Cinema Chinesa, após sua reabertura nos anos 70, e revelado nessa onda de realizadores conhecida como Quinta Geração, tornou-se célebre com a realização de trabalhos em que se notavam influências neo-realistas e foi um precursor do cinema chinês no Ocidente. Entretanto, enfrentando o movimento oposto com a abertura do mercado cinematográfico chinês para Hollywood, em razão da entrada do país na OMC, Yimou buscou novas formas de realizar o filme de arte chinês, voltando-se para uma abordagem mais estilizada dos filmes de artes marciais, gênero de narrativas do qual foi amante desde a infância. Esse jogo de forças colocado pela abertura chinesa expõe estratégias no combate ao cinema estrangeiro que nos remetem a lutas travadas por diversos outros cinemas nacionais. Afinal, dialogar com um público ávido pelas imagens hollywoodianas leva os realizadores a tentar novas combinações estéticas e temáticas, muitas vezes contraditórias devido à própria incorporação das formas que se almeja combater. Não é a toa que muitos destes cineastas acabam por realizar filmes também em Hollywood, como Ang Lee, cujo retorno à China com O Tigre e o Dragão foi um marco dessa assimilação de recursos técnicos à estética dos filmes orientais.
No entanto, vêm de Taiwan - considerado ainda um território rebelde pelos chineses - aquela que talvez seja a safra mais interessante e ousada de filmes do oriente, como apontada por Régis Michel, curador-chefe de artes gráficas do Museu do Louvre, em sua recente passagem pelo Brasil. Destacando nomes como Chen Chien-Jen, Tsai Ming-Liang, Edward Yang e especialmente Hou Hsiao-Hsien, o pesquisador francês afirmou que grande parte dos méritos destes diretores está exatamente na maneira como eles reatualizam as obras de Carl Dreyer e Robert Bresson, e trabalham sobre eles novos elementos estéticos a partir de tramas extremamente atuais, nas quais a condição humana é pautada de maneira profunda, em contraste com a aparente superficialidade do mundo moderno. Talvez, as personagens que melhor definam esta condição sejam as da família de As Coisas Simples da Vida, que vivem um momento particular de descoberta e auto-reflexão, em especial o jovem Yang-Yang, que fotografa a nuca dos adultos, uma parte do corpo que lhes pertence, mas que estão impossibilitadas de enxergar.
Buscar esses novos olhares que pouco chegam aqui e descobrir as razões pelas quais eles fascinam tanto hoje no mundo, nos ajuda a melhor entender as direções que o cinema está tomando e o que ainda se pode fazer com ele. Procurando retomar uma tradição cineclubista, o CINUSP propõe semanalmente durante esta mostra, às quartas-feiras, exibições especiais de filmes de diretores ainda muito ausentes no Brasil ou que tiveram seus lançamentos restritos ao mercado de DVDs, proporcionando ao público o conhecimento destas obras dentro de uma sala de cinema. E na primeira semana de férias, nas exibições de O Castelo Animado, apresentamos pela primeira vez um mesmo filme em cópia dublada (às 16h) e legendada (às 19h), para que tanto crianças quanto adultos interessados na obra em sua língua original possam aproveitar o filme. Ainda assim, pelas próximas seis semanas, o japonês, o coreano e o mandariam são as línguas dominantes no CINUSP “Paulo Emílio”.
Lucas Keese e Victor A. Biagioni.