ENCONTRO BRASIL-ARGENTINA: CINEMA E IMAGINÁRIO - POLÍTICA CULTURAL PARA INTEGRAÇÃO
O CINEMA DO BRASIL E DA ARGENTINA
Cinema e Imaginário Política Cultural para Integração
Pela primeira vez o CINUSP “Paulo Emílio” se associa ao Espaço Uinibanco de Cinema para a realização de um evento. A intenção é a de abrir a discussão a um público mais amplo, um público que, pela distância, não participa das atividades desenvolvidas na Cidade Universitária.
Desde sempre o cinema mostrou sua importância, tanto do ponto de vista cultural e artístico, como econômico. Inserido num contexto audiovisual, o cinema pertence a uma indústria classificada como uma das mais importantes da atualidade. Isto se levarmos em conta, por um lado, a quantidade de imagens e sons necessárias para alimentar os meios de comunicação (cinema, televisão, video, computador) e, por outro, a disseminação desses meios na sociedade.
É nesse contexto que o CINUSP “Paulo Emílio”, em parceria com a Universidade de Buenos Aires, decidiu realizar o “Encontro Brasil-Argentina: Cinema e Imaginário. Política Cultural para Integração”.
A intenção é de integrar este tema numa discussão que avalie e qualifique uma política cultural na qual as instituições acadêmicas atuem como interlocutoras e veiculadoras de idéias.
A escolha do conceito de imaginário como ponto de partida do debate, nos permite estabelecer, a partir das manifestações culturais e desde uma perspectiva comparativa, os parâmetros que igualam e diferenciam as representações dos temas que expressam os imaginários respectivos de cada país, no que diz respeito ao político social (passado histórico, olhar entre gerações, expressões artísticas, utopias da juventude, a cidade, etc).
No momento em que tanto se fala de integração latino-americana, esperamos que este evento ajude nesta aproximação tão desejada.
Maria Dora Mourão, Coordenadora do CINUSP “Paulo Emílio".
O CINEMA, A HISTÓRIA, A MEMÓRIA
Durante um século o cinema nos falou sobre o mundo. Mostrou as paisagens mais longínquas e deu forma às histórias mais próximas, educou os sentimentos, colocou limites ao olhar. Ainda hoje, quando a cultura se escancara em torrentes de imagens sem origem e sem fim, o cinema recorre com êxito à velha fascinação de colocar limites a esse fluxo infinito através dos blocos definidos de seus relatos. Entre um início e um fim, os filmes ainda nos dizem alguma coisa. O que contam e a maneira como o contam, sua maneira de situar-se perante o público, continuam gerando debates e discussões que têm a ver com a política, com a história, com a filosofia, com a literatura, e com outras tantas disciplinas convidadas por essa linguagem que sintetiza outras linguagens da arte e que mistura de modo clássico ou irreverente as imagens e as palavras.
Assim como em outros países, na Argentina o cinema trouxe suas próprias versões ao mito da pátria: suas histórias armaram em grande parte o quebra-cabeças da identidade de seu povo. Nasceu com imagens que mostravam um panorama da história nacional a partir de suas passagens mais violentas. Por essa razão, seguir a cronologia de dezenas de filmes é como percorrer a memória da nação, é como recuperar os imaginários construídos pelas diferentes etapas de nossa sociedade e suas instituições.
Desde a década passada, o cinema argentino deu ênfase particular a uma interrogação sobre o passado, indagando-se a respeito das causas da violência inusitada que nos anos 70 sacudiu o país, e falando, finalmente, das expulsões da pátria (os exílios, as mortes). Os filmes e autores mais representativos dessa produção formam parte desta Mostra. Sur (1986, Pino Solanas), põe em cena o imaginário do retorno (desde o exílio, a prisão, a ilegalidade, a ditadura) à democracia. Uma multiplicidade de vozes narradoras, tangos de Goyeneche e canções de Fito Paez, repõe no espaço portenho um mosaico dos mitos populares que alimentaram a história política nacional das últimas décadas. Un Muro de Silêncio (1992, Lita Stantic) em troca, gira em torno da impossibilidade de representar a dimensão trágica da repressão e. da morte. Trata-se de uma visão rigorosa do tema dos desaparecidos, contada a partir das interrogações de uma cineasta estrangeira, interpretada por Vanessa Redgrave.
Un Lugar en el Mundo (1992, Adolfo Aristarain) recria um clima de western em um espaço rural com o objetivo de desenvolver uma profunda reflexão sobre a ética de algumas decisões individuais frente à razão comunitária. Isto é, trata a possibilidade de um indivíduo de domar ou distorcer os rumos da política e da história. Este filme foi nomeado para o Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Guerreros y Cautivas (1990, Edgardo Cozarinsky) transcorre também no deserto, desta vez na longínqua Patagônia. O deserto como limite e fronteira extrema da nação, onde as forças da “civilização” decidiram acabar com os “bárbaros” indígenas no fim do século passado, plantando há 100 anos as sementes do conflito que se prolonga até hoje nas tensões do corpo social.
Situada no plano da façanha individual, mas não menos épica em sua proposta, Gatica (1993, Leonardo Favio) traça a biografia do campeão de boxe nacional dos anos 50 como marco alegórico da apaixonada relação do povo com o peronismo. Com Patrón (1993, Jorge Rocca), outra vez as paisagens rurais - neste caso as dos Cerro Colorado no Uruguai -, demarcam o espaço infinito de uma reflexão sobre o poder e seus efeitos em corpos e almas. O corpo feminino, tomado como prolongamento e metáfora do corpo maior da nação, é o lugar e o limite no qual se extinguem as fantasias de possessão e tirania mais extremas por parte de um marido já velho.
As representações tecidas por este conjunto de filmes repõem uma memória. Mas tecem, por sua vez, uma hipótese para ler parte da história da nação.
Ana Maria Amado, Departamento de Artes Universidade de Buenos Aires.
POLÍTICA E IMAGINÁRIO
O movimento de globalização não é (ainda, em todo caso) uma onda avassaladora que cobre e nivela, com seus fluxos e refluxos, todas as praias culturais. Não há, ainda, nem adesão geral e entusiasmada aos modelos culturais globalizados, nem retiradas para um interior impreciso e mítico de onde se pensaria combater a invasão externa.
Como ficou claro na última rodada das negociações do GATT, Acordo Geral de Comércio e Tarifas, em pleno momento da globalização os localismos culturais surgem com vigor e reivindicam um terreno sob os pés, escorados não apenas em argumentos comerciais (a produção cultural é também produção econômica que gera empregos e receitas) mas também numa constatação cultural (ainda) irrefutável: cada local tem um imaginário próprio, um conjunto de imagens específicas organizadas de um determinado modo que refletem de maneira particular uma forma de ser que não se enxerga o tempo todo, e às vezes quase nunca, nos espelhos dos outros. Ninguém, nenhum local é cego para os espelhos dos outros. Mas o espelho do outro, onde de algum modo me identifico e do qual preciso para me ver no meio dos outros, não é neutro, não aceita qualquer imagem, não foi construído para refletir meu modo de ver, meus mitos, meus fantasmas.
Locais singulares com definição concreta, como a França, e locais coletivos ainda abstratos, como a Comunidade Européia, compreenderam isso e defenderam, no fórum do GATT, que os imaginários culturais devem ser considerados uma exceção no cenário do mercado mundial de bens e produtos e, portanto, amparados por medidas concretas que não excluem iniciativas legais. Assim é que, por exemplo, as emissoras de televisão francesas devem exibir por ano um número mínimo de imagens “francesas” ao lado de um número mínimo de imagens “européias”. As aspas aparecem aqui neutralizando os exageros nacionalistas, cada vez menos capazes de veicular o espírito desta época, sem significar um apagamento de traços específicos bem visíveis a que se dá o nome de franceses ou europeus. E que não são artificiais: surgem de baixo para cima e se impõem como necessários primeiro em seus próprios locais de origem, antes de se espalharem. O filme inglês Trainspotting, extraído de romance homônimo de Irving Welsh, é o exemplo mais recente de localismo de imaginário e de produção. Embora abordando um tema global, não caberia no esquema globalizado de produção cinematográfica. É uma peça de um imaginário particular do qual seu local de origem não pretende abrir mão.
Nesse cenário se situa o Encontro Brasil-Argentina de Cinema. Por toda parte os territórios que ainda se chamam países compreendem que não podem participar do banquete global quando e como bem entenderem e que tampouco conseguem sobreviver fechados em si mesmos. Há, agora, um patamar intermediário que devem conquistar: o das associações regionais, como o Mercosul. Nestas, o espaço para a questão econômica é enorme mas não pode (e não consegue) eliminar os nichos da cultura. E aqui há muito por fazer em termos de cooperação para a construção de canais de veiculação, para a formação conjunta de recursos humanos, para a pesquisa das condições gerais de manifestação dos diferentes imaginários próprios da área. Num domínio onde as iniciativas de aproximação e de discussão aberta e decidida, ainda são ralas, para não dizer incompreensivelmente tímidas, e demoradas, este Encontro se propõe como instante de reconhecimento e aproximação nesta área central da cultura contemporânea que é a produção de imagens.
José Teixeira Coelho Neto, Observatório de Políticas Culturais ECA-USP.