JEAN ROUCH


Foi provavelmente da paixão pela etnologia que nasceu o ímpeto documentarista de Jean Rouch. Com uma câmera - instrumento seu de investigação e registro, porém sempre voltado à experimentação - partiu para a África em expedição, descendo o Niger da nascente até o mar. E dessa sua primeira experiência cinematográfica (em 1946), levaria influências que marcariam o seu cinema. Uma delas, e talvez a mais evidente, é a sua paixão pelo continente africano. Outras, certamente mais conceituais, o levariam a delinear um dos grandes movimentos cinematográficos: o Cinema Verdade.
Encampando o esforço de uma revolução técnica -a invenção do som direto e de câmeras mais ágeis; renovando a linguagem do documentário - antes sedimentada na forma de exposição didática; Jean Rouch projeta sua câmera - e por vezes a si mesmo - para dentro da cena. Negando a participação silenciosa, tida como regra para documentaristas, Rouch ilustra em seus filmes que a presença da câmera e da equipe podem trabalhar como estimuladores das verdades de seus personagens, criando situações e propondo espaços que a princípio as personagens não teriam acesso.
Claro exemplo desta tese é o filme Crônica de um Verão que, com a 'simples' questão: "Você é feliz?", promove uma experiência única. Tanto em um nível pessoal, na medida em que obriga as personagens a pensarem sobre sua própria vida no momento de sua fala e a repensarem em um momento posterior à visualização do filme (também documentado); quanto em um nível cinematográfico, quando seu filme difunde um novo conjunto de propostas que iriam influenciar a Nouvelle Vague francesa. Ainda hoje a influência de Jean Rouch e de seu "cinema verdade" têm caráter fundamental na cultura documental brasileira - exemplo máximo se transfigura na obra de Eduardo Coutinho (Cabra Marcado para Morrer, Edifício Máster e Peões, entre outros).
Assim, o CINUSP "Paulo Emílio" convida para uma mostra que, condensando algumas das melhores obras de Jean Rouch, propõe não só uma revisitação a um dos pais do Cinema Verdade, mas também oferece uma oportunidade singular de contato com um mestre que soube unir um raro registro sócio-cultural às possibilidades poéticas da linguagem cinematográfica.

Ana Luiza Béco.