RETROSPECTIVA DO CINEMA PERNAMBUCANO


A presente retrospectiva foi motivada por um artigo de Luciana Veras sobre a atual produção do cinema pernambucano, publicado em junho de 2006 na Revista de Cinema. O artigo ressalta o vigor dessa produção, que culminava no momento em que, pela primeira vez, dois longas-metragens eram produzidos simultaneamente: Baixio das Bestas de Cláudio Assis, e Deserto Feliz de Paulo Caldas. E ainda fazia um rico panorama dos diversos diretores e curtas-metragens produzidos nas últimas duas décadas no estado.
O cinema pernambucano surgiu durante o cinema mudo, na década de 1920, quando se tornou um importante pólo produtor de filmes, período que ficou conhecido como Ciclo do Recife. Pertencem a esse ciclo alguns clássicos da cinematografia brasileira, como Aitaré da Praia e A Filha do Advogado, nos quais destacou-se o nome de Ari Severo, que foi ator e diretor de muitos dos filmes. No entanto, esse ciclo de produção foi encerrado com o advento do cinema sonoro, e durante anos o cinema pernambucano esteve no ostracismo.
O atual momento vivido pelo cinema de Pernambuco, ao qual essa retrospectiva se dedica, teve início nos primeiros anos da década de 80. Foi quando alunos do curso de comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) começaram a realizar curtas em Super-8, numa época em que Recife era carente de recursos cinematográficos profissionais e estava totalmente marginalizada do eixo Rio-São Paulo de produção.
Foi por volta destes tempos que a professora do Departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP, Vânia Debs - apontada por Lírio Ferreira como uma das "responsáveis" pelo cinema pernambucano - foi convidada para dar um workshop de montagem em Recife. Ali, ela conheceu a futura geração de cineastas locais e montou em seguida os primeiros curtas em bitolas 16 e 35mm de Paulo Caldas. Em seguida, ela trabalho nos curtas de Lírio Ferreira, Cláudio Assis e Marcelo Gomes, passando a ser urna das principais montadores do cinema pernambucano, montando posteriormente os longas de ficção de Paulo e Lírio.
Paralelamente, já nos anos 90, Recife viveu uma espécie de boom cultural, do qual fazia parte essa geração de cinema, mas em especial na cena musical, que viu surgir o movimento do manguebeat nos instrumentos e vozes de Chico Science, Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Fred 04. Foi quando finalmente estourou o primeiro longa pernambucano desse ciclo, Baile Perfumado, dirigido por Paulo Caldas e Lírio Ferreira. O filme, sobre o mascate Abraão que registrou em cinema as únicas imagens em movimento de Lampião e Maria Bonita, teve sua trilha musical composta por Science, sintetizando passado histórico com o então presente cultural. A obra tomou de assalto o Festival de Brasília de 1997 de onde saiu como principal vencedor, impressionando o público e o júri com seu vigor.
Depois de Baile Perfumado, outros cinco longas produzidos em Pernambuco foram lançados até hoje, e todos alcançaram grande sucesso em festivais, junto ao público e à crítica. Amarelo Manga, de Cláudio Assis e Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes são os filmes que acumularam o maior público nos cinemas brasileiros e ainda foram premiados em festivais no Brasil e no exterior.
Entretanto, entendemos que para fazer uma retrospectiva completa do cinema pernambucano contemporâneo é essencial que, além dos longas, também sejam exibidos uma parcela dos curtas mais significativos produzidos no mesmo período, para dar um panorama da base de formação desse cinema e desses cineastas. E ainda expandir essa percepção, exibindo curtas dirigidos por outros importantes colaboradores, como Adelina Pontual e Hilton Lacerda, este roteirista de quatro dos cinco longas de ficção aqui exibidos. Além de uma amostra dos que há de mais recente na produção do estado, que revelaram nomes de uma nova geração, como Eric Laurence, Kleber Mendonça Filho e Cláudio Cavalcante, que em breve irá dirigir seu primeiro longa.
A possibilidade de assistir a esses filmes em conjunto pode ser muito enriquecedora, pois, apesar da pluralidade de gêneros, estilos e temáticas, parecem existir qualidades comuns a todos eles. A que mais chama a atenção, sem dúvida, é a vontade de formação de uma cinematografia própria, de seu estado e país, em que o resgate cultural, histórico e às tradições populares são buscados como elementos de construção de uma identidade.
É possível ainda que se revelem semelhanças temáticas e estéticas. Em o Baixio das Bestas as imagens do maracatu rural lembras as vistas no curta de Marcelo Gomes Maracatu, Maracatus e a abordagem realista da violência contra a mulher se coloca próxima à alegoria criada sobre o mesma tema no premiado curta, Entre Paredes, de Eric Laurence. Percebemos ainda nos filmes a recorrência da cinebiografia, e o retrato do sertão, do agreste e da zona da mata, em contraste com a realidade excludente da metrópole recifense.
Esperamos assim oferecer ao público do CINUSP Paulo Emílio uma mostra relevante e diversificada, estimulando a difusão e a percepção da relevância do curta-metragem como bem cultural e de expressão, e do cinema como uma arte popular.

Victor A. Biagioni.