PARA GOSTAR DE CINEMA 5 - ANOS 90
Sobram motivos para gostar de cinema!
Depois das mostras “Para Gostar de Cinema” nas versões “Anos 50”, “Anos 60”, “Anos 70” e “Anos 80”, o CINUSP “Paulo Emílio” mantém a tradição dessa instigante série e realiza, neste ano, “Para Gostar de Cinema: Anos 90”!, com uma seleção de filmes que configura uma verdadeira homenagem aos apreciadores da sétima arte.
Foi na década de 90 que repercutiram, com mais intensidade, novas formas de linguagem e cinematografias de diferentes partes do mundo. Essa década ensinou ao público, pela sua pluralidade intrínseca, a qualidade de abrir o olhar a diferentes tipos de cinema, a culturas de várias partes do mundo, às sensibilidades variadas de cada diretor e aos enquadramentos peculiares das câmeras de outras cinematografias.
A começar pelo cinema brasileiro, não podemos esquecer que a década de 90 representou o renascimento da produção cinematográfica nacional, já que, tendo perdido o amparo estatal no governo Collor, a produção havia declinado até quase sua inexistência. O filme Carlota Joaquina - Princesa do Brazil (sic) (1994), de Carla Camurati, representa um marco nessa retomada, contando de maneira cômica e ágil o episódio histórico da vinda da família real portuguesa para o Brasil. Além disso, mesmo sem contar com um grande orçamento, a obra se sustenta pela produção criativa e interpretações seguras de Marieta Severo (Carlota Joaquina) e Marcos Nanini (D. João VI).
O filme Terra Estrangeira (1995), também dirigido por Walter Salles, pinta o revés de um Brasil que, no passado, representava um porto seguro para inúmeros imigrantes que aqui buscavam paz e novas oportunidades. Em 1990, o confisco de Collor leva o personagem Paco a buscar uma , maneira rápida de conseguir dinheiro (não necessariamente ética) para que consiga deixar o Brasil rumo a Portugal. Essa obra expressa o desenraizamento, não apenas de uma nacionalidade brasileira, mas também de valores como ética,dignidade, e cidadania.
Usando elementos estéticos do documentário e do estilo noir, o filme é o retrato de uma década em que imperou a sensação, mais forte do que nunca, do Brasil como um país na periferia do sistema econômico.
Com Carlota Joaquina - Princesa do Brazil retratando o passado em uma comédia leve e interpretativa, quase em forma de fábula, e Terra Estrangeira, retratando o momento presente de nosso país em estrutura dramática e de maneira crítica, vê-se já, na cena nacional, a formação de uma pluralidade de estilos cinematográficos emblemática do fortalecimento da indústria cinematográfica.
Por sua vez, é Central do Brasil (1998), também com direção de Walter Salles, que recolocará a cinematografia brasileira no cenário internacional. Gerando grande sucesso de público e crítica, o filme levaria o Urso de Ouro (Melhor Filme) e o Urso de Prata (Melhor Atriz: Fernanda Montenegro) no Festival de Berlim de 1998 e também duas indicações ao Oscar de 1999, a de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz (Fernanda Montenegro).
Os anos 90 também nos trouxeram ventos de longe! As obras do diretor israelense Amos Gitai e do chinês Wong Kar-Wai ganham grande repercussão nos principais festivais e salas de cinema do mundo todo. Amos Gitai possui uma biografia no mínimo polêmica. Enquanto cursava a faculdade de Arquitetura, Gitai foi convocado em 1973 para servir na Guerra do Yom Kippur. Durante a guerra, no dia de seu aniversário, seu helicóptero foi atingido por um míssel sírio e caiu. Gitai posteriormente diria que foi esse um dos principais motivos que o levaram a dirigir filmes. De fato, o filme de Gitai escolhido para essa mostra, Kadosh - Laços Sagrados (1998), traz-nos o panorama dos diversos conflitos de uma outra cultura; a obra representa uma crítica profunda do papel central que a religião ocupa na sociedade israelense.
As tomadas sensuais de Wong Kar-Wai também arrebatarão o sentimento do público. Seus filmes possuem visual único e estilo inconfundível, cujo traço marcante é o uso de improvisação e experimentação no set de filmagem, tanto com os atores quanto com a equipe. Felizes Juntos (1997) é emblemático do estilo de imagens belas e carregadas que Wong Kar-Wai produz. A obra conta a história de um casal de namorados gays em Buenos Aires que se envolvem numa tempestuosa paixão. Essa obra ainda conta com uma eclética trilha sonora que congrega tangos do maestro argentino Astor Pizzola, canções de Caetano Veloso e instrumentais de Frank Kapp. É em meio à fluidez efêmera do tempo e às fragilidades emocionais do roteiro que Wong Kar-Wai aproveita para casar, com maestria, imagens e sons de maneira inesquecível.
A temática gay também aparece no filme Minha Vida em Cor-de-Rosa, do francês Alain Berliner, que conta as desventuras do garoto Ludovic (o ótimo Georges du Fresne), que cresce imaginando ter nascido no corpo errado: na verdade, acredita ser uma menina. Na década de 90 os festivais de cinema que abordam a diversidade sexual pipocaram pelo mundo todo, como o próprio brasileiro Mix Brasil (surgido em 1992) e o Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa (surgido em 1996). O chamado "Queer Cinema", como ficou conhecido, tem seu início nos círculos acadêmicos com as "Queer Theories", ganhando abrangênia posteriormente, no contexto das conquistas por direitos e espaço dessas minorias. Esse estilo leva em conta a própria noção das "Queer Theories" de que "homossexualidade" e "heterossexualidade" são identidades pré-concebidas, não naturais, mas apenas rótulos gerados no seio da sociedade e que datam do século XIX. Daí, é interessante notar que o próprio rótulo de "Cinema Gay" será questionado nesse tipo de cinema, só fazendo sentido em face aos preconceitos existentes, sendo esperado que no futuro a necessidade de categorização de um cinema como "gay" perca seu vigor.
Bertolucci, Kieslowski são outros dois grandes diretores consagrados que estão nessa mostra. Bertolucci está representado aqui com o filme Assédio (1999), que comprova sua versatilidade enquanto realizador, usando ao mesmo tempo tomadas de câmera inovadoras e imprimindo forte marca autoral. A Liberdade é Azul (1993), do diretor polonês Kieslowski, é o primeiro filme da conhecida "Trilogia das Cores" e uma de suas obras mais importantes.
O filme conta com as famosas metáforas usadas em seus outros filmes, como a frondosa árvore e a mulher extremamente velha que não desiste, mesmo tendo que operar grande esforço em sua já avançada idade, de jogar o lixo na lixeira. Além disso, o filme também conta com interpretação magistral da atriz francesa Juliette Binoche, ganhadora do César e do Prêmio de Melhor Atriz do Festival de Veneza por sua interpretação.
Desejamos, por fim, ótimas sessões a todos os apreciadores da sétima arte e esperamos que, com essa mostra, estejamos cumprindo o papel de divulgação da arte cinematográfica, despertando o interesse do público para obras de marcada importância na história do cinema!
Éder Terrin e André Brunetti Suzuki.