1968 NO CINEMA


CINUSP “Paulo Emílio”, juntamente com a Cinemateca Brasileira e a Galeria Olído, apresentam a mostra “1968 no Cinema”. A retrospectiva de filmes* integra o projeto “1968: Utópicos e Rebeldes - A Geração que Disse Não", uma iniciativa da Representação Regional do Ministério da Cultura em São Paulo e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que inclui ainda uma grande exposição iconográfica e audiovisual, apresentações teatrais, debates e lançamentos de livros.

Quando começaram as manifestações estudantis nas universidades de Sorbonne e Nanterre, em Maio de 1968, o que se via não era um evento isolado, visando simplesmente questionar as condições rígidas da educação francesa, mas também a expressão de um movimento de massas, com significado social muito mais abrangente, que já começava a tomar proporções internacionais. Pode-se dizer, então, que o que se formava ali não era apenas um evento histórico com data e local estritamente demarcados, mas sim o espírito de uma época que ganhava contornos mais definidos em torno de valores como liberdade e igualdade.
No entanto, mais cedo naquele ano, já nascia em diferentes partes do mundo uma insatisfação que entoava o mesmo espírito de engajamento e mudança de “Maio de 68". São exemplos desses eventos os conflitos raciais, em reação ao assassinato de Martin Luther King, em diversas cidades dos Estados Unidos; as desapropriações, em Cuba, dos últimos estabelecimentos privados; o lançamento, na Tchecoslováquia, do programa de reformas politicas que ficou conhecido como “Primavera de Praga" e, por fim, em 28 de Abril, a manifestação pelo fim da Guerra do Vietnã, que reunira 60 mil pessoas no Central Park em Nova Iorque.
Nessa altura é que eclodem as manifestações estudantis francesas, sendo que a disseminação desse espírito de revolta se inicia na própria França, quando estouram as greves dos trabalhadores, atingindo proporção nacional e internacional, atingindo a Itália e no Reino Unido, contando respectivamente com a adesão de 1 e 3 milhões de trabalhadores. Assiste-se, então, às ocupações de universidades na Alemanha, Bélgica e Espanha. Na Tchecoslováquia (atual República Tcheca), em reação à repressão soviética ao socialismo “humano" de Alexander Dubcek, os estudantes queimam bandeiras da URSS nas ruas de Bratislava. Na Polônia, estudantes também protestam contra o regime socialista. No México, Argentina, Colômbia e Venezuela vêem-se confrontos nas ruas e nas universidades. No Uruguai, os conflitos levam o governo a decretar estado de sítio. No Brasil, em 26 de Junho, ocorre a “Passeata dos Cem Mil", a maior passeata de contestação do regime militar, com a participação de estudantes, artistas, intelectuais e um grande um número de mães.
Fica explícita, com a enumeração acima, a densidade que a expressão “Maio de 68” ganhou com todos esses eventos históricos. Mais do que as geralmente referidas agitações francesas, o que ficou conhecido como “Maio de 68” carrega, para além dos míseros 31 dias do próprio mês de maio, inúmeras situações, inúmeras realidades e, por consegüinte, inúmeros significados! É por isso que, mesmo tendo uma noção inicial do panorama histórico do ano de 1968, pode-se ir além e questionar o que de fato caracterizaria o espírito dessa época, o que daria unidade a eventos tão múltiplos e geograficamente tão distantes. Por que, em última instância, enxerga-se conexões em uma gama tão grande de acontecimentos?
As inúmeras linhas de sentido que perpassam “Maio de 68” não permitem uma resposta consensual. Há historiadores que levantam o contexto da Guerra Fria como um pano de fundo geral e sistêmico que balizaria todas as distensões, há também sociólogos que levantam a questão de as insurreições dessa época terem quebrado as barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe, o que permitiria unir os diversos ideais. Mas longe de querer reconstituir essa discussão com detalhes ou pretender dar uma resposta no impossível espaço de poucas linhas, deve-se pensar que é quando a falta de consenso se instala que o recurso às artes se torna mais pertinente. É nesse espaço, então, que o CINUSP “Paulo Emílio” vê sentido em promover a mostra “1968 no Cinema”, exibindo tanto filmes que tratam diretamente dos acontecimentos de “Maio de 68" quanto filmes que tratam dos temas candentes a esse momento. A tentativa desta mostra está calcada justamente na reconstituição do espírito que imperou naquela época, revivendo suas contradições, impasses e complexidade.
Dessa forma, em Os Sonhadores (2003), temos o diretor Bernardo Bertolucci revisitando o tema de “Maio de 68”, já tratado em seu Beleza Roubada (1996), em que o personagem interpretado por Jeremy Irons representa os ideais de 68, mas que está morrendo de câncer. O próprio Bertolucci dirá que um dos motivos para a realização de Os Sonhadores está na criação de um contraponto à impressão criada de que “Maio de 68” foi um extremo fracasso. Para Bertolucci, dizer que “Maio de 68" não instaurou a revolução que todos queriam não significa dizer que “Maio de 68" não mudou nada. Seu filme, então, mergulha nas intrincadas teias do espírito cultural da época, representado pelos jogos cinematográficos disputados pelos três personagens principais, pois se há, de fato, um legado de 68, para Bertolucci ele está no campo da cultura. Já em Amantes Constantes (2005), de Philippe Garrel, temos acesso principalmente aos momentos posteriores às rebeliões de 68. Grande parte do filme se verte em haxixe, trocas de casais e questionamentos sobre o futuro, criando tensões que questionam o posicionamento político, o romantismo e a falta de rumo dos que participaram das barricadas durante as agitações.
Partner (1968), também de Bertolucci, e Memórias do Movimento Estudantil (2007), de Sílvio Tendler, ajudam a configurar a tensa relação entre a vida de estudante e engajamento político, aquele por meio de questionamentos subjetivos e esse último, em forma de documentário, tentando reconstituir a história do movimento estudantil no Brasil. Terra em Transe (1967), obra-prima de Glauber Rocha, mostra-nos principalmente a dinâmica dos meandros do poder, mas é em sua inovação estética que reside sua maior ruptura, tal obra é o pontapé inicial que culminará no Tropicalismo. Blá Blá Blá (1968), de Andréa Tonacci, assim como Terra em Transe, revive o calor do momento de 1968 no Brasil, lançando o olhar sobre o fenômeno do populismo. Ato de Fé (2004), de Alexandre Rampazzo, Hércules 56 (2006), de Silvio Da-Rin, Caparaó (2006), de Flavio Frederico, e Batismo de Sangue (2007), de Helvécio Ratton, tratam das várias tentativas de insurreição contra a ditadura militar brasileira. Enfim, um rol de obras que nos fornece uma fotografia rica de “Maio de 1968" e seus diversos temas, complementada pelas demais obras exibidas na Cinemateca Brasileira e Galeria Olido.
Ao que parece, as agitações de “Maio de 68" se iniciaram de desentendimentos no cinema! Quando Henri Langlois, presidente do Conselho Nacional da Cinémathèque Française, fora removido de seu posto por André Malraux, o Ministro da Cultura de Charles de Gaulle, isso teria gerado, em diversos artistas, insatisfações que logo se transformariam em insatisfações políticas de porte estrutural. Neste mês de maio de 2008, não nos interessa mais delimitar até que ponto essas insatisfações no cinema realmente foram a causa ou apenas parte desse processo histórico, mas sim ter a certeza de que essa discussão, em algum momento, deve mergulhar no âmbito da sétima arte. A mostra “1968 NO CINEMA", promovida pelo CINUSP “Paulo Emílio”, é o fruto desta convicção.
Boas sessões a todos!

Éder Terrin.