ETERNO ENQUANTO DUROU


Não se sabe bem quando, nem onde tudo começou, talvez Freud explique, mas fato é que desde os tempos mais remotos uma das grandes preocupações do Homem é a de encontrar um alguém, um par com quem possa dividir suas angústias e seus prazeres, um amor. Sob diferentes olhares esse tema foi retratado infinitas vezes em todas as áreas artísticas. No caso do cinema não seria diferente.
Já no início do período clássico temos centenas de obras cujo tema principal é o amor e sua trajetória até o Happy End, momento em que os amados se casam e vivem “felizes para sempre”. Essa estrutura característica dos romances burgueses do século XIX foi apropriada pelo cinema quase que no mesmo instante em que este se tornou narrativo. Esse modelo consagrou-se, dominando o imaginário popular e os mais diversos gêneros. E interessante notar que assim o cinema acabou por reforçar uma visão idealizada sobre o relacionamento amoroso dentro dos ideais judaico-cristãos.
No entanto, não demorou a que surgissem filmes cuja narrativa iria na direção oposta. O cinema moderno, recusando-se a enxergar o amor por essa ótica, apresentou uma proposta mais crua e complexa desse fenômeno que é a vida a dois. Essa é justamente a proposta da presente mostra do CINUSP Paulo Emílio, trazer à tona obras que problematizam a relação amorosa abrindo espaço para uma gama muito maior de visões a respeito dos relacionamentos amorosos.
Em A Noite (1960), Antonioni analisa a falta de comunicação entre o casal na sociedade moderna, tema presente nos outros filmes da trilogia composta também por A Aventura (1960) e O Eclipse (1962). A relação entre Giovanni (Marcello Mastroiani) e Lídia (Jeanne Moreau) está em crise, mas nenhuma das partes consegue tomar qualquer atitude reconciliadora, pelo contrário, eles se empurram em situações que só aumentam a distância entre os dois. Os olhares das personagens buscam janelas, portas, ruas vazias, distâncias por onde escapar da situação sufocante em que estão imersos.
Em A Estrada da Vida (1954), Fellini aborda a relação de poder entre um casal marginalizado de palhaços viajantes. Gelsomina é uma mulher-menina, uma mulher-palhaço, que se verga à brutalidade e à grosseria de Zampano, o homem-músculo, representando simultaneamente todas as mulheres milenarmente humilhadas e ofendidas. O mestre italiano, evitando o chavão do “eterno feminino”, nos oferece a evidência poética de uma personagem lumpen-proletária em uma obra de gigantesco lirismo.
Uma relação de poder também está presente em Eu Sei que Vou te Amar (1987) de Arnaldo Jabor. A diferença aqui é que em meio a discussões e acusações ambas as partes do casal tentam se impor. Assim as máscaras começam a cair e com elas o diretor derruba toda a estrutura podre de uma sociedade conservadora e hipócrita que oprime as pessoas a serem o que os outros querem.
Em Cenas de um Casamento (1975), exibido aqui na versão original de seriado para a televisão (anos mais tarde seria feita uma versão reduzida para os cinemas), Ingmar Bergman disseca de maneira seca e sutil o doloroso processo de separação de um casal aparentemente perfeito. Em meio a voltas, brigas, intrigas, ciúmes, e carinhos as personagens deixam aflorar os mais ocultos ressentimentos e amarguras e o diretor revela as emoções, os segredos e as crises por trás do banal e do cotidiano. O que estaria solidamente instaurado pode se quebrar sem que, ao final, exista uma resposta, um conforto, um lugar onde se segurar.
Aquele que, depois do eterno Jean-Luc Godard, seria o mais subversivo dos cineastas da Nouvelle Vague francesa, Eric Rohmer, também aparece aqui, mostrando os dilemas morais de um pequeno-burguês em dúvida quanto se manter fiel a sua esposa ou traí-la com a ex-amante de seu amigo, em Amor à Tarde (1972).
Por fim, podemos analisar que os filmes escolhidos para essa mostra procuram ir além da simples transposição da estrutura fílmica do melodrama a diferentes ambientes. Eles desmistificam o ideal romântico, relativizam o caráter das personagens envolvidas e ainda revelam sua profundidade psicológica em situações intrincadas evidenciando assim, desde o lado mais obscuro, triste e complicado até o mais alegre, inconsequente, singelo e infantil da vida amorosa.

André Suzuki e Ricardo A. Monastier.