NIKKEIS NO BRASIL - OLHARES SOBRE 100 ANOS DE IMIGRAÇAO JAPONESA
Neste ano, em que se comemoram os cem anos da presença dos imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil (1908-2008), o projeto O Cinema no Centenário da Imigração Japonesa (Laboratório de Imagem e Som em Antropologia/USP) junto com o Cinusp "Paulo Emílio" e a Universidade de Osaka (Japão) apresentam a mostra de cinema e vídeo Nikkeis no Brasil -Olhares sobre 100 anos de Imigração. A mostra integra a programação do Simpósio Internacional Migrações e Identidades: Conflitos e Novos Horizontes, que ocorrerá na Universidade de São Paulo nos dias 05 a 07 de agosto e na Universidade de Osaka entre os dias 26 e 29 do mesmo mês.
No Cinusp "Paulo Emílio" a mostra de cinema e vídeo acontecerá entre os dias 04 e 15 de agosto. Em 10 diferentes programas, serão exibidos 29 curtas e longa-metragens produzidos nos últimos 80 anos e que abordam a experiência da imigração japonesa no Brasil: filmes caseiros, cine-jornais, filmes ficcionais e documentários realizados pelos imigrantes, seus descendentes e por realizadores não-nikkeis. Além das sessões serão realizados debates com os realizadores dos filmes e pesquisadores.
O projeto O Cinema no Centenário da Imigração Japonesa tem como objetivo pesquisar, desenvolver e tornar público um acervo multimídia de referência relacionado à filmografia japonesa e à história da imigração japonesa nas Américas. Em fase de implementação, este acervo faz parte da videoteca pública do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP e destina-se a pesquisadores, estudantes, educadores e público em geral. As mostras de cinema e vídeo, como a Nikkeis no Brasil, são uma forma de difusão pública das obras do acervo e uma oportunidade de discuti-las coletivamente.
Dentre as ações do projeto, foi realizado um primeiro levantamento das obras audiovisuais relacionadas à imigração japonesa no Brasil: entre curtas e longa-metragens ficcionais, documentários e produções em vídeo foram levantados cerca de 40 títulos produzidos entre 1970 e 2008. A partir do apoio da Pró- Reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo ao projeto, otrabalhode levantamento intensificou-se: a pesquisa em bases de dados especializadas, como a da Cinemateca Brasileira, permitiu o mapeamento de parte da produção audiovisual mais antiga, produzida em película (16 e 35 mm). Nesta segunda etapa foram identificados cerca de 60 títulos de filmes realizados entre 1908 a 1973.
Dessa forma, constatamos que nestes 100 anos da imigração japonesa no país foram produzidos mais de 100 filmes e vídeos que abordam a experiência nikkei no Brasil e mais recentemente, a experiência dos brasileiros no Japão. No entanto, dos filmes mais antigos, uma parte considerável encontra- se inacessível: alguns filmes não existem mais, outros estão desaparecidos e um terceiro grupo se constitui de cópias em película cujo estado de conservação não permite sua circulação.
O primeiro registro fílmico da imigração japonesa no Brasil que se tem notícia data de 1908: japoneses apanhando café nas fazendas paulistas é um curta-metragem silencioso produzido pelo governo do estado de São Paulo. Cabe lembrar que a vinda das famílias japonesas a bordo do Kasato Maru ocorreu a partir de um contrato firmado entre o governo japonês, o governo do estado de São Paulo e os fazendeiros paulistas. Tomoo Handa, no livro "O Imigrante Japonês" (1987), registra que as 168 famílias que chegaram em 1908 foram encaminhadas para a fazenda Dumont (do pai de Santos Dumont) e para as fazendas São Martinho, Canaã, Floresta e Sobrado. O lançamento do filme ocorreu numa exibição ao ar livre, no Jardim da Luz (cidade de São Paulo), em 8 de setembro de 1908, quase 3 meses após a chegada do Kasato Maru. É portanto possível que este filme seja o registro dos primeiros meses de trabalho das famílias japonesas numa destas fazendas de café.
Além deste, foram encontrados registros de outros filmes curtos produzidos na década de 1920: A Sericultura, o Bicho da Seda (1923) refere-se à introdução da cultura do bicho da seda na cidade de Barbacena (MG) com apoio do governo japonês, o cine-jornal Rossi Atualidades no 151 noticia em 1927 o batismo de 141 japoneses na Igreja de São Gonçalo, próxima a rua Conde de Sarzedas (primeira região de concentração dos imigrantes japoneses na capital paulista) e Panorama da Cidade de São Paulo, filme caseiro realizado por Hikoma Udihara em 1927.
Hikoma Udihara (1882-1972) foi um imigrante japonês que a partir da década de 1930 atuou como corretor da Companhia de Terras Norte do Paraná, vendendo lotes para os imigrantes japoneses nesta região de fronteira agrícola. Por um período de 30 anos realizou cerca de 85 filmes curtos, registrando imagens da região, seja como instrumento de persuasão na venda de terras, seja como entretenimento. Udihara filmou cenas como undokais nas cidades de Londrina e Maringá (PR), lutas de sumô, apresentações artísticas, além de documentar a presença dos nikkeis em diferentes regiões do país (Festa do Pêssego em Itaquera em 1954, a Colônia União e a Cooperativa Agrícola de Cotia e os japoneses de Cuiabá, entre outros).
A mostra Nikkeis no Brasil prestará uma homenagem a este pioneiro da imigração japonesa e de seu registro visual: no programa 8 serão exibidos 6 filmes curtos (silenciosos) realizados por Hikoma Udihara, dentre os quais o filme sobre a cidade de São Paulo de 1927. Serão exibidos ainda filmes curtos produzidos por Udihara na década de 1950 e que registram cenas como cafezais e residências de famílias nikkeis na região de Maringá, a comemoração do 50o aniversário da imigração japonesa no Parque do Ibirapuera (São Paulo) e apresentações de grupo de dança e de atletas japoneses no norte do Paraná.
Outro imigrante japonês será homenageado com um programa especial: Yppe Nakashima (1926-1974), um dos pioneiros do cinema de animação no Brasil. Após os estudos na Escola de Belas Artes de Tóquio e o trabalho como cartunista em grandes jornais japoneses, Yppe emigra ao Brasil em 1956 com 30 anos de idade. Aqui, inicia suas pesquisas em animação e produz uma série de curta-metragens com personagens de lendas e do folclore brasileiro.
Em 1966 Yppe inicia a produção do longa-metragem Piconzé, lançado nos cinemas em 1972, num processo de 6 anos de trabalho. A equipe de animação, composta por nikkeis sem experiência na área, foi formada por ele ao longo do processo. O filme conquistou o prêmio do Instituto Nacional de Cinema de Melhor Montagem (Sylvio Renoldi). Junto com Sinfonia Amazônica (1953), de Anélio Lattini Filho, e Presente de Natal (1971) de Álvaro Henrique Gonçalves, Piconzé é um dos 3 primeiros longa-metragens de animação produzidos no Brasil.
O ano de 1973 marca o início das atividades de duas dos mais importantes cineastas nikkeis atuantes no Brasil -Tizuka Yamazaki e Olga Futemma -ambas da segunda geração e cujos filmes apresentam reflexões sobre a trajetória dos antepassados e sobre a identidade de seus descendentes. Naquele ano, Tizuka dirige Bom Odori e Olga realiza o documentário Sob as Pedras do Chão.
Gaijin, Caminhos da Liberdade (1980), longa-metragem de estréia de Tizuka Yamazaki, conquistou o prêmio de Melhor Filme do Festival de Gramado daquele ano. A mostra exibirá o longa-metragem Gaijin 2 (2005), realizado por Tizuka 25 anos depois do primeiro filme, em que retoma a saga de Titoe, personagem central de Gaijin e que representa as lembranças da cineasta de uma de suas avós (homônima da personagem). Neste filme, a trajetória familiar articula os primeiros anos dos isseis (1a geração) na região de Londrina (PR) com a experiência da 3a geração como dekassegui no Japão. Refazendo o feito do primeiro filme, Gaijin 2 ganhou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Gramado de 2005.
Olga Futemma estudou cinema na Escola de Comunicação e Artes (USP), tendo sido aluna de Paulo Emílio Salles Gomes. Junto com Renato Tapajós, atuou na realização de diversos filmes sobre as lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais urbanos, em plena vigência da ditadura militar. Desde 1984 Olga atua como pesquisadora da Cinemateca Brasileira, sendo atualmente coordenadora do Centro de Documentação e Pesquisa da instituição.
Em diferentes programas, a mostra exibirá 3 curta-metragens desta cineasta: Retratos de Hideko (1981), que discute a condição da mulher nikkei e a tensão entre tradição e modernidade que se expressa na dança tradicional e na dança contemporânea, Hia Sá Sá Hai Yah (1985), definido como um manifesto artístico sobre a comunidade okinawana em São Paulo e Chá Verde e Arroz (1988), curta-metragem de ficção em que Olga presta uma homenagem aos pioneiros do cinema japonês* no Brasil: os projecionistas ambulantes, como Masaichi Sato e Kimiyasu Hirata, que levavam o cinema às comunidades de japoneses espalhadas pelo interior do Brasil.
Além de Chá Verde e Arroz, no programa 5 serão exibidos curta-metragens de ficção realizados por cineastas nikkeis das novas gerações: Filha Única (1993) e O Pôr do Sol (1996), filmes realizados pelo sansei (3a geração) Cláudio Yosida, que abordam os relacionamentos interétnicos e as separações causadas com a emigração dos brasileiros ao Japão; Tori (2006) de Andréa Midori e Quelany Vicente, Primavera (2007) de Maurício Osaki, realizadores da 4a geração, e um episódio da série Mina e Lisa (2007), dirigida por Hélio Ishii. No dia 06 de agosto será realizado um debate com a participação de Olga Futemma, Cláudio Yosida, Andréa Midori, Quelany Vicente e Mirian Ou, produtora de Tori.
A questão dos dekasseguis é abordada nos documentários reunidos nos programas 3 e 4: no primeiro, será exibido Dekassegui (2007), curta-metragem de Roberto Maxwell, um exercício de linguagem na fronteira entre ficção e documentário e Permanência (2006), documentário realizado por Hélio Ishii sobre as crianças e jovens brasileiros que cresceram no Japão; no programa 4 a première do documentário Do Brasil ao Japão (2008), de Aaron Litvin e Ana Paula Kojima Hirano, que acompanha por meses e anos a vida de algumas famílias brasileiras no Japão. Um debate com Hélio Ishii, Aaron Litvin e Ana Paula Hirano será realizado dia 13 de agosto.
Como os filmes e vídeos retratam os cem anos de presença dos nikkeis no Brasil? Existe um olhar nikkei que conta a sua própria história? Há continuidades entre os filmes das diferentes gerações de realizadores nikkeis? São questões em aberto. A apreciação destes filmes e o debate com os seus realizadores são oportunidades para conhecer outros olhares, outros discursos sobre a história dos imigrantes japoneses e seus descendentes no país.
Alexandre Kishimoto.