DOCUDRAMA


Há quem diga que as origens do Docudrama se confundem com as do próprio cinema estando nos antigos filmes que reconstituíam crimes notórios. Certo é que ele só se desenvolve com força na segunda metade do século passado. Buscando novos formatos televisivos, emissoras inglesas e americanas reavivaram as reconstituições criminais que, com seu poderoso efeito imaginativo, logo ganharam a simpatia e a audiência do público encorajando produções de longas metragens. Hoje os docudramas são inúmeros, mas classificá-los como tal ainda é uma tarefa complicada.
A ambiguidade que o próprio nome carrega já é um indício da dificuldade da definição do gênero Docudrama, se é que podemos considerá-lo como tal. O que podemos afirmar é que esse formato híbrido, controverso e ainda pouco estudado abrange uma vasta gama de formas dramáticas dialogando tanto com a linguagem documental, como com a ficcional. Ao que tudo indica os filmes devem inspirar-se na realidade, em vidas ou em fatos reais estabelecendo conexões entre o real e o drama, entre o sabido e o especulativo. Um Docudrama nunca será igual à realidade que busca representar e certamente irá além do mero "baseado em fatos reais". Ele virá acompanhado da interpretação e da visão de mundo de quem o propõe.
Antes de tudo, talvez fosse interessante entendermos melhor o que vem a ser as técnicas de documentário citadas. Algumas delas ficam mais claras quando assistimos O Filho, obra ficcional dos irmãos Dardenne. O filme foi escolhido aqui não por ser um docudrama, mas justamente por usar técnicas documentais em sua construção. Alguns podem considerar que a melhor opção talvez tivesse sido um documentário de fato, mas considero que essas técnicas ficam mais evidentes estando deslocadas para a ficção.
De maneira geral devemos reparar que a câmera nunca está "à espera da personagem", ao invés disso, ela o
segue. Essa característica, associada à imagem granulada e sem tratamento aparente, nos remete não só à linguagem dos documentários em geral, mas também à linguagem das reportagens de programas policiais em que a câmera segue o repórter e a dramatização gira em torno do flagrante dos fatos e não da dramatização deles.
Um bom exemplo para entendermos melhor esse gênero é Boa Noite e Boa Sorte. O filme de George Clooney reconta o embate político da década de 50 entre o senador McCarthy e o apresentador de televisão R. Morrow. O diretor recria o terror desse período da história americana e destrincha as táticas de acusação do senador. O caráter docudramático evidencia-se não só pela reconstituição fiel dos acontecimentos, mas também pela inserção de trechos de programas de TV da época em meio à narrativa, dando maior autenticidade para o drama.
Esse mesmo recurso se repete em Na Natureza Selvagem, filme de Sean Penn, que reconta a história da viagem de Chris McCandless, garoto que abandou sua vida estável para buscar a essência da humanidade fora da estrutura e da burocracia social. Para tanto o filme se apóia em passagens escritas pelo garoto em um caderno que ele levava consigo, passagens que, inclusive, permeiam toda a história com narrações em off.
Outro bom exemplo do gênero é O Caso dos Irmãos Naves, de Luís Sérgio Person. O filme traz a verdadeira história dos irmãos que, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, foram obrigados a confessar e a pagar por um crime que não cometeram. O diretor denuncia não só a injustiça e a tortura praticada, mas traça um panorama da situação política da época. O interessante é que o filme foi lançado no Brasil em 1967, em pleno regime militar. Mesmo sendo o fato relatado algo distante na época, a obra ganhou força por possibilitar um paralelo entre dois períodos históricos semelhantes.
Nessa mesma linha, segue o engajado filme do diretor Gillo Pontecorvo, A Batalha de Argel, que encena o processo de independência argelino. A ação concentra-se entre 1954 e 1957 (a guerra só terminaria
em 1962), mostrando como agiam os dois lados do conflito: enquanto o exército francês recorria à política de eliminação e à tortura, a Frente de Libertação Nacional (FLN) desenvolvia técnicas não convencionais de combate baseadas na guerrilha e no terrorismo. Misturando técnicas de documentário e de ficção o diretor deixa clara a leitura que faz da história bem como suas posições políticas diante dos fatos.
Por fim, vale frisar que a importância do Docudrama, negligenciada por muitos, está justamente na possibilidade de discutirmos fatos do passado e da realidade que nos cerca através de um formato bem recebido pelo público. Esclarecer melhor o que vem a ser esse gênero é uma maneira de entendermos sua força.

Ricardo Afonso Monastier.