ENTRE IRMÃOS


A relação com irmãos propicia o aprendizado e a experiência de sentimentos e vivências múltiplas. Repletas de sentimentos opostos como amor e ódio, solidariedade e rivalidade, hostilidade e carinho, apoio e inveja, são nessas relações que aprendemos a desenvolver as bases de nossas futuras relações. Trata-se de uma experiência diferenciada e única que envolve uma diversidade complexa de sentimentos. A idéia da presente mostra é reunir filmes cujo mote central seja o subsistema fraternal e este intrincado jogo de sentimentos, sejam eles psicologizantes ou não.
Dada a dimensão profunda do tema, o mais sensato talvez seja estabelecer comparações somente a partir das situações em que se encontram os irmãos, sem entrar diretamente no intrincado jogo de emoções das personagens.
Em Irmãos, filme do francês Patrice Chereau, uma doença terminal misteriosa faz com que Thomas procure não seu pai ou sua mãe para ajudá-lo no tratamento, mas seu irmão gay Luc, que há anos não via e com quem nunca teve um bom relacionamento.
O tom é radicalmente realista e nos expõem cruamente a procedimentos médicos. Chereau filma de perto a degradação do corpo, mas fica claro que o principal interesse do diretor não é a doença em si, mas o que ela altera nas relações entre os irmãos. A aproximação não é capaz de romper as velhas barreiras que os separam e o ciclo de ressentimento exposto não termina.
Por um caminho que também toma a doença e a proximidade da morte como razão para uma aproximação segue Dois Destinos, do diretor italiano Valério Zurlini. Logo na primeira cena Enrico é informado por telefone da morte de seu irmão mais novo que fora tomado por uma estranha e misteriosa doença, a seguir abre-se um enorme flashback com todos os momentos que antecederam essa triste notícia. Os irmãos são separados na infância quando a mãe morre após dar a luz a Lorenzo que, recém-nascido, é entregue a uma família abastada. O mais velho Enrico segue sob os cuidados da avó.
Depois de muitos anos de separação os dois reencontram-se adultos e o convívio entre os irmãos traz o contraste de suas criações. Enrico, seco e dissimulado com o irmão, tornou- se um marxista radical. Lorenzo acabou de completar dezoito anos, frequentou os melhores colégios e viveu sob todas as regalias da aristocracia. O aparecimento da doença aproxima-os de vez, quebrando toda e qualquer barreira que ainda poderia haver entre os dois.
Em Zoo, de Peter Greenaway é a morte das esposas em um mesmo acidente de carro que une os irmãos, neste caso, em torno de uma obsessão pela busca de uma explicação para a dor do luto. Oswald e Olivier metaforizam a dor da perda através de experiências com a decomposição de animais ou através de uma inútil procura pela compreensão da evolução das espécies. Em Ninguém Pode Saber, a aproximação advêm também de uma perda, a da figura materna. Depois de abandonados pela mãe, quatro irmãos se veem confinados em um apartamento à margem da sociedade, sem poderem contar com a ajuda dos outros. Eles tem de aprender a viver como uma família o mais rápido possível, mesmo que as experiências de vida e o dinheiro sejam extremamente escassos. Nada é comentado, e o entendimento mútuo é mantido em um nível superficial por boa parte do filme.
Outra situação comum, mas com igual potencial para estressar irmãos é a disputa por um mesmo amor.
Na “sophisticated comedy” Sabrina, de Billy Wilder, uma sátira a sociedade industrial dos arredores de Nova York no formato de conto de fadas, dois irmãos milionários disputam o coração da jovem interpretada por Audrey Hebum, filha do chofer que acabara de voltar super sofisticada de Paris. Em Rocco e Seus Irmãos, muito embora a família, em questão, seja constituída de uma viúva e de seus cinco filhos, o coração da trama foca os relacionamentos entre os irmãos Rocco e Simone, e a prostituta Nadia, por quem eles se apaixonam.
O sexo fácil da prostituição, a fama instantânea e o dinheiro sujo dos negociantes interesseiros seduzem Simone. Seu desvirtuamento pessoal e a luta fratricida pela posse da prostituta iniciam a degradação de uma família corrompida pelos valores e costumes de uma sociedade hostil. Rocco se esforça para salvar o que resta nos escombros e manter a união entre os irmãos, mas o filme caminha para a tragédia.
Certamente o método comparativo entre os filmes escolhidos não dá conta da profundidade de nossas personagens construídas em cima de belas atuações. Certamente o próprio cinema não dá conta de abarcar a complexidade da relação fraternal, algo tão particular e subjetivo, mas ao menos consegue de alguma forma revelar sua profundidade em situações intrincadas que evidenciam desde o lado mais obscuro, triste e complicado até o mais alegre, inconsequente, e singelo dessa relação.

Ricardo Monastier.