À FRANCESA


Na semana de despedida do Ano da França no Brasil,o Cinusp Paulo Emílio exibe quatro filmes franceses de importância estética, política e temática dos últimos anos, mas que entre o enorme fluxo de lançamentos comerciais no Brasil ou não conseguiram se manter por tempo razoável nas salas de cinema ou nem mesmo chegaram a ser lançados por aqui. Filmes incomuns e provocadores que, à francesa, passaram por nós discretos ou invisíveis. Se a ironia do termo remete a idéia de fracasso, a experiência ao apreciar tais filmes dissolve qualquer chacota quanto a sua qualidade e potência. Com os quatro filmes selecionados buscamos problematizar a agressividade crescente do mundo imagético que nos cerca e o elogio a obras mais escandalosas do que provocadoras.
A Questão Humana mostra de maneira impressionante a redução da linguagem humana à frieza instrumental, usando a falsa neutralidade do policiamento em nome da produtividade. Fazendo paralelo entre o nazismo e as democracias-liberais, consegue não se perder em polêmicas, pois o interesse é discutir a continuidade do racionalismo técnico que transita entre ambos os regimes. Não se detém à crítica ao nazismo e seus horrores, mas sim aos princípios capitalistas, de onde nasce tal linguagem que Simon, o exemplar funcionário e protagonista, irá compreender aos poucos. O que se vê em A Questão Humana é o embate entre o homem e o sistema, entre a linguagem corporal e a corporativa. Cinema e História.
Se Simon está na fronteira de linguagens, as personagens de A Esquiva também estão: a agressividade das falas desses jovens suburbanos encontra rival e complemento na expressão teatral da peça que encenam na escola. Se a peça de Marivaux distancia o jovem Krimo de seu habitat pelas roupas ridículas, por outro é através dela que encontra refúgio para expressar seu amor por Lydia. As vozes do filme quase nunca silenciam, e é a partir de seus códigos e tonalidades que reside a problemática da expressão destes jovens: os gritos de Lydia variarão entre agressões e deixas de Marivaux, mostrando que a linguagem é também uma máscara que oscila, despistando-os, para então, permitir que encontrem a si mesmos. Cinema e Teatro.
Em Jacquot de Nantes a "catadora de imagens" Agnès Varda se debruça sobre a obra e vida do então falecido marido Jacques Demy. Nesse movimento amoroso de saudade e preservação da memória, o filme mostra de maneira esteticamente instigante o nascimento de um cineasta.
Usando do próprio cinema para mediar seu amor, Varda usa fragmentos de filmes do artista Demy para encenar a infância do garoto Jacquot, compondo uma cinebiografia que resignifica as imagens do marido para, então, recriá-lo, mostrando que suas vidas se uniram pela linguagem comum do cinema desde os idos 1958 quando se conheceram em um festival de curtas-metragens. E se se trata mais uma vez da temática da linguagem como em A Esquiva e A Questão Humana, Jacquot de Nantes também versa sobre a História na medida em que sua matéria fundamental é a rememoração, a qual permite ao passado se reinventar continuamente. Cinema e Amor.
Em Van Gogh podemos apreciar o raro diálogo plástico entre narrativa e cor. A transposição da composição caudalosa dos quadros de Van Gogh para o desenho de cena dos atores e ambientes se dá à maneira da pintura observacional, na qual agora é Van Gogh quem posa e Maurice Pialat quem traça figuras temporais. Tais figuras surgem em situações que se desdramatizam inversamente à pulsação plástica que emerge, dirigindo-se à sensação do sublime, da loucura e da convicção incorruptível do artista. E assim como Varda, Pialat presta sua homenagem ao "homem-filme" de maneira que essa homenagem se transforme em posicionamento artístico e reinvenção de seu próprio tempo. Cinema e Pintura.
Eis o que nos resta nessa discreta semana de despedida: conhecê-los.
Boas sessões!

Rafael Nantes, curador.