FAMÍLIAS EXCÊNTRICAS


Aprimeira mostra do Cinusp “Paulo Emílio” de 2011 começa abordando a instituição mais antiga da história da humanidade. Talvez a mais famosa e, nem por isso, inquestionável. Diversos campos do conhecimento analisaram a família - psicologia, sociologia, estatística, etc - apontando-lhe (quando não questionando) modelos normativos a fim de potencializar os seus benefícios para a sociedade moderna. Afinal, todos conhecem a velha máxima de que aqueles que “dão certo na vida” geralmente nascem em uma “família saudável”, “cuidadosa”, evitando, assim, os “desvios”.
No entanto, é no interior deste ambiente familiar que se produz os lugares de maior privacidade e singularidade, o que diminui o surgimento de relações mais normativas entre os indivíduos, já que o papel vigilante do Estado é menor no âmbito das portas fechadas - ainda que ele, de algum modo, opere nelas. Trata-se, portanto, de um espaço de tensões, paixões, invejas, ciúmes, onde o imponderável está à flor da pele e o desvio pode ocorrer a qualquer momento.
Deixando a reflexão teórica um pouco de lado, os filmes a serem exibidos parecem se tratar disto mesmo, ao abordarem o interior das famílias nos seus diversos estilos e proporções. Desde a família pequeno-burguesa em decadência, como Pasolini retrata no filme Teorema e Lucrecia Martel ilustra em O Pântano, filme argentino onde também é possível enxergar a família como um grupo de pessoas reunido em um mesmo espaço e cujo efeito imediato é o dos corpos se roçando, se tocando; até as consequências destes toques, destas relações estreitas de pele, como em Festa de Família, espécie de acerto de contas entre pais e filhos, mas que, talvez mais importante seja a abordagem estética de um dos filmes mais importantes do movimento Dogma 95.
Lavoura Arcaica, baseado no livro de Raduan Nassar, também retrata esta aproximação excessiva e a tradição da instituição familiar, a ponto de fabular sobre o grande tabu da humanidade: o incesto. Outro brasileiro, Casa de Alice, foi um dos filmes nacionais da década de 2000 mais comentados pela crítica, seu rigor na direção dos atores e sua envolvente história da mulher que enfrenta os problemas da casa dominada pelo machismo do marido e dos filhos, retrato raro da classe média brasileira no cinema nacional.
Existem ainda aquelas situações vividas, mas pouco contadas - histórias de famílias que ficam escondidos no contar de suas memórias. Uma Mulher Sob Influência, de John Cassavetes, traz a vivência de uma família e as relações no interior de uma casa cuja mãe, tida como louca, esforça-se por se parecer uma boa e correta matriarca, ainda que tropece mais a cada passo. Com uma atuação excepcional, Gena Rowlands trabalha ao gosto do marido/diretor, que usa o limiar do realismo dramático para recriar relações sociais bastante singulares com seus personagens. Filmes japoneses como o clássico Pai e Filha, do diretor Yasujiro Ozu (este um autêntico cineasta do cotidiano familiar), ou Ninguém Pode Saber, de Hirokazu Kore-eda, também revelam formas diversas de viver a família - dois filmes com perspectivas diferentes vindas do oriente.
Assim, a mostra Famílias Excêntricas exibe filmes que retratam modos de vida no interiordas famílias. Sua excentricidade está na ausência de padrão e na forma como o cinema consegue fugir dos clichês em suas representações. Eis um convite. Um caminho ao cinema, sem fantasias ou famílias “normais”.
Boas sessões!

Breno Benedykt e Daniel Ifanger.