GAMES


Há um choque de linguagem entre um game e um filme. Uma criança saberia explicar mil vezes melhor que qualquer adulto: um eu controlo, o outro eu assisto. Simples. Se controlamos determinado personagem, temos certa liberdade de movimentação, de probabilidades, um mundo aberto se revela, ainda que essa abertura dependa das possibilidades do jogo. Se assistimos determinado personagem (considerando o cinema do sujeito), percebemos de outra forma os eventos que se dispõem diante de nossos olhos, um mundo circunscrito se revela (essa concentração dependerá da habilidade de seus responsáveis).
Há uma tendência cada vez maior dos games de maior sucesso e abertura terem uma narrativa cada vez mais diluída, quanto menos interferência do deus ex-machina, melhor. Paradoxalmente, em 2009, o crítico de cinema Peter Travers da revista Rolling Stone, elegeu como o melhor filme do verão o jogo Grand Theft Auto IV. Pois então há algo de curioso neste caso, pois o melhor filme agora seria aquele que menos narrativa teria? Quanto mais aberto, ou interativo, melhor? É seguindo as questões que a Mostra Machinima trouxe que o Cinusp Paulo Emílio apresenta a Mostra Games, saindo dos games para retornar ao cinema, buscando reconhecer como se dá esse movimento de enclausuramento das narrativas mais ou menos abertas dos games, do que o cinema destrói, mas também do que se transforma neste contato. Dividimos essa investigação em três semanas, cada uma com um tema. Adaptações, Narrativa e Forma.


Na primeira semana, começamos com filmes que tentaram adaptar o imaginário dos vídeo games às grandes telas. Resident Evil - o Hóspede Maldito e Street Fighter nos mostram as dificuldades de se transpor bits em atores, em manter o “clima” que levou os games ao sucesso: que tipo de problemas eles enfrentam ao tomar para si o controle de Chun-Li e Alice? Seguimos com Final Fantasy e seu imaginário envolvente, um dos primeiros filmes a emular com tamanho realismo seres humanos em computação gráfica, uma espécie de pré-Avatar. Já Scott Pilgrim Contra o Mundo - originalmente uma história em quadrinhos - faz da cidade de Toronto um verdadeiro cenário de seu próprio jogo surreal e carismático, entregando a “vida real” aos princípios do mundo virtual. Mistura de estilos. Na segunda semana, a narrativa dos games influencia o mecanismo dramático dos filmes. Distrito 9 faz sua personagem mergulhar na alienação de sua transformação corporal, uma mudança repentina de espécie que se dá em meio a armas e naves colocadas como conquistas de habilidade. Corra Lola, Corra cria o maior de todos os obstáculos, o tempo, tecendo o futuro da protagonista em um ritmo frenético de possibilidades. O Feitiço do Tempo encerra o repórter Phil Connors em um único dia, fazendo-o realizar o impossível aos mortais: viver todas as alternativas de um dia, como se a vida fosse estruturada em fases sob um eterno play again.


Na terceira e última semana os filmes têm sua forma contaminada por tradições virtuais. Elefante acompanha vários personagens com sua atenciosa câmera em primeira pessoa, fazendo-nos encaixar as peças da história ao longo de um dia numa escola. Tron emoldura seu herói Kevin Flynn em seu programa de computador, alimentando o delírio do que seria entrar num vídeo game. Levei Five também coloca sua protagonista dentro de um jogo, mas desta vez é o jogo da História e da memória. Reconhecer e perseguir investiga a dimensão política da criação de imagens virtuais na indústria da guerra do Iraque de 1991, e daquilo que torna imagens virtuais tangíveis, reais.
Esperamos que espectadores e jogadores fiquem atentos às próximas fases de hibridização das telas. Só desliguem os celulares, por favor.


Boas sessões!