ROBERT BRESSON
A pureza que se esvai no contato com o mundo. Um mundo duro, árduo para suas criaturas, mas no qual não há maldade intrínseca, apenas enganos, preconceitos, e em última instância, corpos viciados pela tolice. Robert Bresson tem um norte, e para lá segue com uma radicalidade impressionante. Busca descobrir a dinâmica das relações humanas, tirando o véu das pré-concepções do ver e ouvir. Sua rigidez se deve à disciplina que ele se obrigou a seguir ao longo dos anos como uma espécie de dieta estética necessária para não se desviar nas mesmas tolices e enganos artísticos a que se opunha. E talvez seja esta a maior lição que tenha deixado enquanto exemplo de criação artística: buscar incessantemente a maneira precisa de expressar o que se quer. Nem que seja preciso caminhar sobre brasas. Seu cinematógrafo - como preferia chamar o aparato original do cinema - é radical não pela via do escândalo, mas pelo que silencia no espectador, que se depara com algo estranhamente único.
Bresson é pouco conhecido, ainda que seja muitas vezes citado como um dos “grandes”. Grandes no quê? Foi pouco visto para além do público cavador, cinéfilo. Impopular, fracasso comercial. Mas o que seria do cinema sem esses “fracassados” incumpridores orçamentários, hereges mercantis? Ele expandiu os limites do cinema, não apenas teorizando criticamente quanto suas possibilidades estéticas, mas afirmando tais descobertas com seus próprios filmes, que atingem uma potência raramente experienciada. São filmes os quais nos embaraçam, dão um nó nas convenções que temos estabelecidas. Saímos de seus filmes (pois certamente que entramos neles) como se nos mostrassem um aspecto da realidade que desconsiderávamos, nos deslocando para uma interpretação das coisas (visão, audição, pensamento) completamente diversa.
São dele alguns dos mais belos filmes como, para citar um exemplo, Ao Azar, Balthazar no qual Bresson coloca toda a moral humana sob a experiência animal, deslocando a base daquilo que aprendemos ser “cinema”, nos desprogramando. Pois, então, ao que parece os “grandes” são aqueles que nos fazem esquecer algumas fronteiras, algumas definições, remapeando as importâncias. Para Bresson o que chamamos de cinema é outra coisa, e quando vemos seus filmes não é de se espantar que possa passar pela cabeça do espectador mais avoado: isto aqui é mesmo um filme?
Boas sessões!