DIVERSIDADE EM CENA


Compreender as diversidades sociais demandadas pela riqueza humana; transportar-se em realidades distintas por meio do olhar do outro; romper com binarismos totalitários e reducionistas presos à lógica do bem e do mal; entre outras coisas, esses são os desafios da Ia Mostra Diversidade em Cena. Para tanto, essa mostra visa a exposição à comunidade uspiana de filmes que abordem a temática LGBT. A escolha dessa abordagem deve-se às diversas violências resultadas da intolerância social, cujos valores morais heteronormativos contra a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais - LGBT - ainda ditam nossas práticas afetivas. Compreender a afetividade entre pessoas do mesmo sexo e a construção identitária forjada no seio social é um importante meio para combater as manifestações homofóbicas em nossa sociedade.
A realidade homofóbica tem sido uma constante em nosso país, o que prova os últimos ataques ocorridos na região da Avenida Paulista desde novembro do ano passado e muitos outros não notificados pela grande mídia. Conforme relatório sub notificado do Grupo Gay da Bahia, em 2010, foram 253 mortes resultadas de crimes de ódio no Brasil, significando um aumento de 28% em relação ao ano anterior. Além desses casos extremos, são inúmeros os casos de agressões físicas e verbais a que essa população tem sido sujeitada por conta da intolerância e da incapacidade social de se aceitar a diferença. Diversos casos de homofobia ocorridos na USP até 2010 mostram que a intolerância também ocorre dentro dos muros da Universidade e, portanto, faz-se necessário que haja ações políticas e culturais como forma de combate e de incentivo ao respeito e à tolerância à diversidade.
O cinema é a arte do discurso em movimento, com significativos efeitos para sensibilizar e educar as pessoas. Este movimento que caracteriza o material cinematográfico não se deve apenas a seu elemento estético, mas também como efeitos de sentido. Em outras palavras, para além da imagem em movimento que determina esta arte, há também a possibilidade de deslocamento cultural provocada no espectador, realocando-o em pontos de vista que lhe permite sair de si mesmo e se perceber no outro. E no contato com suas diversas manifestações, que uma pessoa pode experimentar o potencial de prazer de sua cultura, explorá-la para além das convenções da comunicação rápida e utilitária e dos preconceitos que a linguagem usada no cotidiano perpetua. A pensadora argentina Beatriz Sarlo contrapõe discurso autoritário e discurso literário argumentando que o primeiro está ancorado em verdades que se pretendem pré-discursivas, enquanto que o segundo seria aquele deliberadamente polifônico, aberto para ser engendrado com diferentes pontos de vista sem conclusão, ou seja, um discurso de diálogo com o outro.
Por admitir a alteridade e, com isso, apresentar-se como não totalitário, o discurso cinematográfico, assim como as outras diversas manifestações artísticas, permite repensar também a nossa sexualidade. Michel Foucault escreveu que a história da sexualidade deve ser feita, antes de mais nada, do ponto de vista de uma história dos discursos. Tal afirmação chama a nossa atenção para o caráter de construto da sexualidade que, longe de ser algo natural do ser humano, se inscreve socialmente nas nossas relações, nossos atos e corpos através de um investimento discursivo contínuo. Trocando em miúdos, isso quer dizer que o modo como vivemos a nossa sexualidade é intrínseco ao modo como dizemos a nossa sexualidade. Nesse sentido, a importância de se relacionar cinema e sexualidade está tanto no contato erótico que se pode estabelecer entre leitor(a) e texto, quanto na força que o discurso cinematográfico possui para se contrapor a preconceitos e estereótipos arraigados na nossa sociedade e que servem de pretexto para a intolerância e a violência contra as chamadas "minorias”.
O papel das manifestações artísticas é central na nossa atual compreensão do que seja cultura - e, dentre elas, há que se considerar o lugar de destaque que ocupa o Cinema como modalidade artística estratégica para a fomentação de imaginários e sentimentos de pertença a determinadas coletividades. A Mostra tem por objetivo fomentar, por meio de filmes que tratam das questões LGBT, a reflexão e a discussão sobre a violência homofóbica, bem como a educação ao respeito à diversidade sexual. Por meio de filmes que tratem desse tema, pretende-se promover o conhecimento às outras formas de relações afetivas, assim como possibilitar a conscientização da grave realidade da homofobia no Brasil e no mundo. Diversas e ricas tem sido as iniciativas de cineastas em abordar essa temática sem, obviamente, perder a qualidade técnica desta arte, como forma de contribuir para uma maior reflexão e desconstrução da cultura heteronormativa. Apresentar a I Mostra a Diversidade em Cena no CINUSP para expor essa produção ricamente elaborada em diversos países do mundo contribui não apenas para uma abordagem perspectivista do olhar do outro, mas principalmente para luta em defesa dos Direitos Humanos.

Dário Ferreira Sousa Neto, doutorando em Literatura Brasileira - FFLCH/USP e Membro do Conselho do CINUSP.