1ª MOSTRA DE CINEMA DA QUEBRADA NO CINUSP


Entre 1º e 5 de outubro, o CINUSP Paulo Emílio promove a 1ª MOSTRA DE CINEMA DA QUEBRADA NO CINUSP, reunindo 22 produções, entre curtas e longas-metragens, que têm como cenário a periferia de grandes cidades brasileiras, protagonizadas e realizadas por pessoas que também vivem nessas áreas. Trata-se de um recorte que busca atestar a diversidade e a qualidade da produção audiovisual independente produzida por artistas e coletivos periféricos, que conquistaram o espaço e os meios para retratar por conta própria a realidade em que vivem e agora caminham a passos largos para inserir esta produção também nos canais de difusão audiovisual tradicionais.

Ao trazer essa produção para a universidade, o CINUSP pretende estimular a colaboração entre realizadores universitários e não-universitários. A mostra dá continuidade a outras aproximações realizadas no âmbito da Escola de Comunicações e Artes e de outras unidades da USP no bojo de projetos de pesquisa. Definido pelo cineasta Renato Candido, mestre pela ECA-USP, em conjunto com a equipe do CINUSP, o recorte desta primeira edição da mostra privilegia, embora não de forma exclusiva, produções que, de uma maneira ou de outra, conquistaram financiamentos em editais e atingiram níveis profissionais de realização. A mostra contempla filmes de diversas partes do país, mas o eixo Rio-São Paulo é preponderante, o que permite um contraste intrigante entre as produções das duas maiores cidades brasileiras. A idéia é de que, no futuro, outras mostras possam contemplar outros recortes.

Dentre os filmes selecionados para esta primeira edição está o ainda inédito 5x Pacificação, sobre a ação do Estado nas favelas e morros do Rio de Janeiro, que ganha uma exibição em pré-estreia no CINUSP no dia 04 de outubro, quinta-feira, às 19h, em sessão seguida de debate com os seus realizadores. O documentário, previsto para estrear no circuito comercial de cinemas em 16 de novembro, é dirigido pelos mesmos responsáveis por 5x Favela – Agora Por Nós Mesmos, filme composto por cinco episódios dirigidos por moradores de favelas do Rio de Janeiro, que retomou a estrutura e ambientação do clássico Cinco Vezes Favela, realizado em 1962 por Miguel Borges, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Marcos Farias e Leon Hirszman. A estrutura se mantém agora neste 5x Pacificação, com episódios dirigidos por Cadu Barcellos (Morro), Rodrigo Felha (Polícia), Luciano Vidigal (Bandidos) e Wagner Novais (Asfalto), todos “revelados” em 5x Favela – Agora Por Nós Mesmos, além de Complexo, episódio que teve direção coletiva dos quatro envolvidos e trata de uma avaliação dos diretores a respeito da ocupação do Complexo do Alemão e da Rocinha, ocorrida durante a produção do filme.

Além da pré-estreia de 5x Pacificação, outras duas sessões da mostra contam com mesas de debate: a primeira, na segunda-feira, dia 1º de outubro, às 19h, discute a questão “Identidade ou Gueto?”; a segunda, na terça-feira, dia 2, também às 19h, tem como tema “Viabilizando Projetos: Editais, Parcerias e Serviços”. Ambos debates acontecem após sessões de curtas-metragens selecionados para a mostra, que foram agrupados em 4 programas: FICÇÕES 1, FICÇÕES 2, DOCUMENTÁRIOS e EXPERIMENTAIS. A programação da mostra se completa com outros dois longas-metragens: o documentário Copa Vidigal, sobre um campeonato de futebol organizado em 1997 como resposta à violência do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, e o drama Bróder, realizado por Jeferson De no Capão Redondo, periferia da Zona Sul de São Paulo, que chegou a estrear em circuito comercial e conta em seu elenco com nomes consagrados como Caio Blat, Cassia Kiss e Jonathan Haagensen (Cidade de Deus).

Audiovisual periférico: construção de um lugar ou de uma identidade?

Desde o ano 2000, foram realizadas diversas produções audiovisuais brasileiras no espaço da periferia e, principalmente, protagonizadas por pessoas que também moram na periferia. Isso já é em si uma mudança, pois o paradigma vigente até então era aquele em que a população periférica sempre precisou ser representada através do “eu falo pelos excluídos”.

Glauber Rocha problematizou isto em uma das passagens do filme Terra em Transe, de 1967. Nela, o personagem Paulo Martins, jornalista idealista e poeta revolucionário oriundo da burguesia, interpretado por Jardel Filho, tampa a boca de Jerônimo, o sindicalista, e diz: “Estão vendo o que é o povo? Um imbecil, um analfabeto, um despolitizado. Já pensaram um Jerônimo no poder?” Em seguida, um personagem popular interpretado pelo ator Flávio Migliaccio levanta-se e diz: “Um momento, minha gente, eu vou falar agora, com licença dos doutores! Seu Jerônimo faz a política da gente, mas seu Jerônimo não é o povo, o povo sou eu, que tenho sete filhos e não tenho onde morar.”

Nós, realizadoras e realizadores audiovisuais de periferia, somos filhas e filhos das diversas pessoas que, em alguma medida, viveram o entendimento de seus protagonismos ao decidirem migrar do nordeste, de Minas Gerais, de Goiás, dentre tantos outros lugares, e se fixar nas grandes capitais, como São Paulo. O povo sou eu! E, de alguma forma, ao vivermos a força de nossos pais e avós, que tornaram possível estarmos aqui nessa grande cidade, entendemos que a nossa voz não é simplesmente aquilo que o Aqui Agora, o Afanásio Jazadi, o Gil Gomes, Cidade de Deus, ou Avenida Brasil disseram e dizem sobre aquilo que somos.

Sérgio Vaz, poeta “da quebrada”, diz que a periferia nos une pela cor, pelo amor e pela dor. E nesta união entendemos as diversas histórias e encontros que nos compõem enquanto pessoa, enquanto coletivo... como num “117Y – Cohab Jardim Antártica” que volta de Pinheiros lotado, mas que dá mais espaço pra quem vem da Barra Funda e que leva todos nós para nossas casas... em nossas histórias, de matizes diferentes e de endereços semelhantes.

Agora é com a gente da quebrada. Nós falamos das dores, das cores e dos amores com os quais enxergamos o mundo... Sem nos restringirmos ao lugar onde estamos e, principalmente, sem a tutela de quem vai falar em nosso lugar. Falamos! Construímos! Trocamos! E, principalmente, nós nos reconhecemos!

Neste reencontro, a cultura periférica protagoniza a sua 1ª MOSTRA DE CINEMA DA QUEBRADA NO CINUSP. Numa USP que sempre foi tão distante da periferia. Durante esta semana, reunimos um panorama diverso das produções audiovisuais ficcionais, documentais e experimentais, em formato de longas, médias e curtas-metragens, vídeo-clipes e vinhetas, realizados por artistas de origem popular e periférica.

Além da mostra de filmes, a programação inclui mesas de trocas de sabedorias sobre a viabilização destas produções audiovisuais e discussão sobre as construções identitárias do protagonismo cultural popular e periférico. Afinal, periferia é lugar ou identidade? Periferia é geográfica ou relação de poder? O objetivo é a troca. De ideias, alegrias, dificuldades ao construir o nosso protagonismo periférico... pela cor, pelo amor e pela dor.

Agora, é por nós mesmos.

Renato Candido de Lima,
cineasta, bacharel em Audiovisual e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, morador da Vila Nova Cachoeirinha (periferia de São Paulo)


Manifesto do Olhar Visceral

Sou viela, ciranda ou morro.

O corpo. As vísceras.

Reivindicando a alma sequestrada há mais de 500 anos.

O vídeo-artesão na linha de montagem feita de organismo vivo; gerado da necessidade de representar o universo que nos circunda.

O nosso vídeo se faz à imagem esculpida do puro caos ordenado no calor da noção de quem não só filma, mas se filma ao narrar sua própria história pela lente fria da câmera.

O olhar em desintoxicação!

Uma ofensa ao pobre cinema-manso, à mediocridade da novela nossa de cada dia.

Nossa estética é a da procura, a do resgate, a do encontro, da experimentação.

Olhar quilombola que ofusca e risca a imagem dos borba-gatos da colonização cultural.

Sabotagem na linha de produção e reprodução de estereótipos.

Celebração do personagem vivo, do personagem-alma, da periferia viva.

O encontro entre personagem, espectador e realizador, um na bolinha do olho do outro.

Em busca da cinemateca perdida criamos nossos cineclubes-avessos em bares, escadões, becos, nossas quebradas...

Periferias como centro. Periferia do universo, do mundo, do país, da cidade, dialogando com nossos sentimentos.

E... nosso nome não é Zé Pequeno!!!!!!!!!!!!!

CineBecos, NCA, Arte na Periferia, MUCCA

(coletivos audiovisuais da periferia da Zona Sul da Cidade de São Paulo)