II MOSTRA AUDIOVISUAL INTERNACIONAL EM ARQUEOLOGIA


A MOSTRA AUDIOVISUAL INTERNACIONAL EM ARQUEOLOGIA (MAIA) volta em 2012 ao CINUSP, em sua segunda edição. O evento é ainda novo na agenda cultural de São Paulo, a grande cidade, metrópole autofágica, destruidora e renovadora de paisagens e memórias. Poucos vestígios remanescem dos primeiros habitantes desse lugar, vestígios suprimidos dia-a-dia por demandas condicionadas por valores que pouco respeitam essas frágeis presenças de tempos remotos. Ou mesmo, nem tão distantes assim, na medida em que partes da cidade que se via ontem, já não existem mais hoje: onde havia casas, há altos prédios. Sentimos, então, o peso dessa ausência na paisagem de nossas lembranças, a perda de lugares significativos, quando redescobrimos, tarde demais, a importância dos remanescentes de outros tempos para a própria identidade, história e memória social.

Em outros lugares com uma tradição mais arraigada quanto ao patrimônio histórico, a presença de cidades anteriores sobrevive na paisagem urbana contemporânea. Todavia, ainda assim, também enfrenta as forças da transformação, por fim, inevitáveis. Esta imagem volta com força ao vermos Roma de Fellini, filme que abre a II MAIA. Como esquecer das cenas que resumem esta mensagem, quando o progredir das obras do metrô na Cidade Eterna revela e destrói a antiga presença humana, então sentida ali por uma equipe de filmagem diante do instante iminente da perda? Impossível: ela nos toca profundamente, sobremodo as pessoas que habitam os grandes centros urbanos.

No curso das transformações e seus impactos sobre o patrimônio cultural humano, teremos a oportunidade de assistir à projeção de um vídeo especialmente editado por Brent Huffman, arqueólogo estadunidense, para ser exibido na II MAIA: Os Budas de Mes Aynak. A partir da próxima semana, já em dezembro de 2012, tragicamente o mundo poderá então ver, desta vez pelas telas da TV, a provável perda já anunciada: a destruição total do que restou de uma próspera cidade de outrora, importante urbe na rota da seda, um grande sítio arqueológico do atual Afeganistão – a antiga Mes Aynak e seus budas poderão, simplesmente, sumir do mapa na abertura de uma mina por uma empresa chinesa lá instalada, com apoio do governo afegão.

No programa deste ano exibiremos também um documentário essencial, em tempos de Belo Monte: O Vale, vídeo de João Moreira Salles e Marcos Sá Corrêa que desvela a história de uma paisagem devassada para a expansão dos cafezais, com suas cidades mortas. Teremos também a projeção do filme 500 Almas, um dos mais premiados documentários brasileiros dos últimos anos, obra sensível de Joel Pizzini que, em sua arqueologia audiovisual, restitui certos vínculos de memória – a exemplo dos artefatos e lugares – para a história do povo indígena Guató, que habita as terras baixas do Pantanal, um povo decretado como extinto nos anos de 1960. Exibiremos ainda A Poeira e o Vento, recente curta premiado de Marcos Pimentel: na poética das imagens, sons e silêncio, entre o mar de morros no interior de Minas Gerais, encontra-se uma pequena vila e seus habitantes, em seu tempo próprio, em seu lugar.

Do Brasil ao Mali, veremos Inagina. Entre mestres ferreiros Dogon, este vídeo do arqueólogo suíço Eric Huysecom junto ao cinegrafista Bernard Augustoni constitui-se em um documento audiovisual sobre o antigo saber da produção de objetos de ferro e seus ritos: o papel da memória para reviver antigas práticas. Da África à América do Sul, assistiremos a 5 curtas selecionados do Projeto Atlas Vivo de Chile, gentilmente cedidos pela Fundación Imagen de Chile. Cinco breves vídeos que fazem parte de um mosaico audiovisual de experiências contemporâneas difundidas pela internet em torno do patrimônio histórico e cultural do país – por exemplo, dos geoglifos e vestígios arqueológicos preservados na paisagem desértica do norte chileno; das lembranças dos tempos da dura exploração econômica do salitre, rememoradas num programa de rádio; das técnicas ancestrais de cultivo ainda em uso aos cuidados técnicos de um projeto de restauro. Tais vídeos animam o uso da rede para o exercício de narrativas arqueológicas, difundindo saberes muitas vezes desconhecidos do grande publico.

De volta à Itália, na primeira noite da II MAIA prestamos uma homenagem especial a Marcellino de Baggis, jovem diretor italiano falecido em 2011, autor de Herculaneum: Diários de Trevas e Luz, sobre o trabalho do arqueólogo Amedeo Maiuri na cidade romana que, assim como Pompéia, foi soterrada pelas cinzas do Vesúvio. Obra sensível de um artista que nos deixou cedo.

Alem destas obras, todas convidadas, teremos duas sessões de exibição de obras inscritas este ano, selecionadas por um júri especialmente constituído para a II MAIA.

Reafirmamos nesta segunda edição o objetivo da MAIA como nova tela, aberta a todos aqueles que, por suas obras audiovisuais, tratam de estudos próprios da arqueologia, mas que também vão além, por compreenderem a arqueologia em seu potencial narrativo, como via para se chegar à compreensão de nossa condição humana, seja pelo seu poder conceitual ou como metáfora – a arqueologia, tão bem-vinda para muitas áreas do saber e da arte.

A MAIA, a cada ano, procura se constituir então como um lugar de encontro entre ciência e arte, narrativas e representações que transitam pelo amplo universo da arqueologia, seja ela como conceito, seja ela como ciência humana, a redescobrir lugares e objetos, a desvelar parte de nossa longa trajetória no mundo, a transformá-lo continuamente, desde tempos profundos, como nos revelam certos vestígios – ditos arqueológicos. Vestígios que abrigam memórias ancestrais e nos contam como transformamos a Terra, este belo e pequeno planeta, no grande habitat humano, nossa morada no universo.
 

Silvio Luiz Cordeiro

Diretor MAIA