APOCALIPSCINE: O FIM DO MUNDO NO CINEMA


Enquanto esotéricos de todo o mundo aguardam com ansiedade o dia 21 de dezembro de 2012, suposto início de uma nova era para a humanidade ou data certa do apocalipse que teria sido prevista por antigas profecias dos maias, o CINUSP Paulo Emílio encerra sua programação deste ano com uma mostra reunindo filmes dos mais diversos gêneros e épocas que têm como assunto o fim do mundo e a extinção da humanidade – ou a iminência de uma catástrofe desse porte. Esse tipo de filme teve seu primeiro auge durante os anos mais duros da Guerra Fria, nos quais o evento desencadeador do apocalipse era quase sempre uma guerra nuclear, voltou a florescer com mais ímpeto durante o final dos anos 1990, na esteira das previsões apocalípticas que se renovam a cada fim de século, e chega a novo auge agora, com a proximidade da data do fim do mundo “prevista” pelo Calendário Maia. Nesta mostra que o CINUSP apresenta sobre o tema, há espaço para filmes antigos, já clássicos (como Dr. Fantástico, Limite de Segurança e A Hora Final) e para obras recentes que buscaram capitalizar em torno dessa nova “onda apocalíptica” (como 2012, primeiro a explorar a “profecia maia” sobre a iminência de uma nova era, A Estrada, Melancolia, Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo eO Abrigo, inédito nos cinemas brasileiros). A programação inclui tanto filmes famosos e consagrados (Dr. Fantástico,Wall-E, Filhos da Esperança, Melancolia) quanto curiosidades que alcançaram status decult-movie (O Menino e seu Cachorro, Donnie Darko e Terra Tranquila); obras de fantasia (como Eu Sou a Lenda e Mortos que Matam, ambos adaptados de um mesmo romance de ficção-científica) ou de contornos mais realistas (Filhos da Esperança, O Dia Seguinte). Além da tradicional abordagem de filme-catástrofe, que orienta grande parte do cinema apocalíptico (2012, Fim dos Tempos, O Dia Seguinte), também estão representadas nessa seleção obras apocalípticas de caráter mais experimental (como Melancolia) e até mesmo bem-humorado, como Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo, O Menino e o Cachorro e Wall-E.

La Fin du Monde, dirigido pelo genial Abel Gance em 1931, talvez seja o primeiro exemplo notório de um filme propriamente apocalíptico. Baseado no romance Omega: The Last Days of the World, de Camille Flammarion, o filme retrata a reação dos habitantes de Paris à ameaça de um cometa em rota de colisão com a Terra. Ambicioso, o projeto foi o primeiro longa-metragem sonoro de Gance, que queria ter lançado o filme com mais de três horas de duração. Cortado pelos produtores à revelia do diretor, o longa-metragem acabou sendo lançado na França com 105 minutos de duração e ainda menos nos Estados Unidos, onde foi renomeado para Paris After Dark. De nada adiantou: o filme foi um monumental fracasso de bilheteria e crítica e hoje é considerado raríssimo, apenas uma curiosidade na história do cinema.

Depois desse começo pouco auspicioso, a trajetória dos filmes apocalípticos no cinema atingiu seu primeiro ponto de culminância na década de 1950, particularmente no cinema americano. Sob constante tensão da Guerra Fria então em curso entre Estados Unidos e União Soviética, roteiristas e diretores se lançaram à produção de filmes em que o medo de uma devastação global causada por um conflito armado entre as duas superpotências se traduzia, de forma explícita ou metafórica, em tramas em que toda a humanidade se apresentava em estado de risco iminente de destruição. Durante esse período, tornaram-se muito comuns filmes em que o inimigo exterior representado pelos comunistas se apresentava metaforicamente como invasores do espaço, alienígenas. Vampiros de Almas, dirigido por Don Siegel em 1956 (e depois refilmado nos anos 1970 e 1990), é um exemplo típico do filme de ficção-científica que promove uma catarse em torno do medo da invasão comunista por meio do deslocamento da função de antagonista para seres de outro planeta, assim como O Dia em que a Terra Parou (1951), de Robert Wise, e Guerra dos Mundos (1956), de Byron Haskin, ambos também refilmados posteriormente. Porém, ainda nessa mesma época, surgiram também filmes norte-americanos abordando o Apocalipse propriamente dito como uma catástrofe global de causas naturais, caso de O Fim do Mundo, dirigido por Rudolph Maté em 1951, que voltava a desenvolver o mote de um corpo celeste (um planeta, no caso) em rota de colisão com a Terra – um dos cenários apocalípticos mais explorados pelo cinema até hoje, como comprovam os filmes A Noite do Cometa, de 1984, e os recentes Melancolia e Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo. Naquele mesmo ano de 1951, Five, de Arch Oboler, tornava-se o primeiro filme pós-apocalíptico a tratar o fim do mundo sob um prisma minimalista e íntimo, concentrando-se nos únicos cinco sobreviventes de um cataclismo mundial.

Ao longo dos anos 1960, Hollywood continuou a produzir filmes sobre desastres naturais que adquirem contornos apocalípticos, como Os Pássaros (1963), do mestre Alfred Hitchcock, o filme que instituiu a noção de um terror global de causas desconhecidas, que seria explorada muitas vezes dali em diante (mais recentemente, em filmes como Ensaio Sobre a Cegueira, do brasileiro Fernando Meirelles, e Fim dos Tempos, do especialista em tramas de mistério M. Night Shyamalan). Foi também nessa época que a coprodução italiana de baixo orçamento Mortos que Matam (1964), com Vincent Price no papel de “último homem da Terra”, levou às telas pela primeira vez o romance de ficção-científica de Richard Matheson Eu Sou a Lenda, posteriormente refilmado nos anos 1970 (com Charlton Heston) e nos anos 2000 (com Will Smith). No entanto, nesse período tornaram-se mais comuns os filmes que buscam dar uma visão “realista” das hipóteses de extinção da Humanidade, surgindo suspenses políticos e filmes de guerra dedicados a retratar desdobramentos catastróficos para o conflito entre EUA e URSS, como A Hora Final, de Stanley Kramer, e Limite de Segurança, de Sidney Lumet, dois clássicos que também ganharam refilmagem no ano 2000. O mesmo mote de ambos os filmes (a possibilidade de uma falha técnica ou humana desencadear uma guerra atômica) foi explorado pelo viés do humor e do cinismo na obra-prima de Stanley Kubrick Dr. Fantástico, uma sátira implacável ao belicismo e à tensão da Guerra Fria. Quase simultaneamente, o britânico Peter Watkins realizava The War Game, um pseudodocumentário que retrata de maneira absolutamente realista o que seriam as consequências de um bombardeio nuclear à Grã-Bretanha. O resultado foi tão impactante que a rede BBC decidiu manter o filme “engavetado” por 20 anos, relegando-o a exibições no circuito de arte e em festivais de cinema. Essa mesma proposta de mostrar realisticamente as consequências de uma explosão nuclear em áreas civis daria origem, quase vinte anos depois, a um fenômeno televisivo: O Dia Seguinte, ainda hoje o telefilme mais visto da história, com mais de 100 milhões de telespectadores em sua primeira exibição. Com efeitos especiais realmente impressionantes para a época e uma abordagem melodramática do ponto de vista do “homem comum” para a tragédia, o filme marcou época e fixou no imaginário coletivo mundial imagens de corpos se desintegrando em nuvens de radioatividade.

Ainda nos anos 1960, o mestre do filme de horror de baixo-orçamento George A. Romero seria responsável, graças a um único filme B de fenomenal sucesso de público, por criar todo um novo subgênero do cinema de horror e dos filmes apocalípticos: os filmes de “apocalipse zumbi”. Lançado em 1968, A Noite dos Mortos-Vivos constitui-se num daqueles poucos filmes capazes de definir todo um gênero e deu origem a uma série de continuações e imitações. Sua influência se faz presente ainda hoje, momento em que o mote “apocalipse zumbi” continua a ser explorado, seja de forma reverente ao “cânone” estabelecido pelo mestre (caso da série televisiva The Walking Dead, de grande audiência), seja subvertendo-lhe certas características (caso dos filmes das séries Resident Evil e Extermínio, que acentuam o caráter apocalíptico da trama e se valem de estrutura similar à dos filmes de Romero, sem que suas “criaturas” possam ser propriamente tidas como zumbis), e até mesmo por meio de versões cômicas e paródicas do “apocalipse zumbi” (como em A Volta dos Mortos-Vivos, Todo Mundo Quase Morto, Zumbilândia e o recente Juan de los Muertos, uma versão latino-americana para o tema).

Nos anos 1970, o gênero conhecido como “filme-catástrofe” viveu seu auge. Embora muitas obras sobre o fim do mundo utilizem a fórmula do filme-catástrofe (cenário limitado, grande elenco de personagens, muitas cenas de destruição), o inverso não é verdade: a maior parte dos títulos desse gênero que fizeram sucesso durante o período não se concentrava em uma grande catástrofe planetária, e sim em calamidades menores localizadas em um ambiente específico, como Terremoto, Aeroporto, O Destino do Poseidon, Inferno na Torre e O Enxame. Filmes-catástrofe de caráter verdadeiramente global só se tornariam a regra nos anos 1990 e 2000, graças principalmente ao avanço dos efeitos especiais digitais, responsáveis por facilitar a criação de cenas de destruição em grande escala. Com isso, o filme-catástrofe viveu uma espécie de “renascimento” nos anos 1990, gerando tanto filmes sobre eventos localizados (como Volcano e O Inferno de Dante, ambos sobre erupções vulcânicas) ou verdadeiramente apocalípticos (como Impacto Profundo e Armageddon, ambos sobre asteroides colidindo com a Terra). Mas esse ressurgimento do filme-catástrofe se deu também graças à obsessão do cineasta Roland Emmerich com filmes sobre destruição global. Desde que um filme do tipo lhe assegurou o primeiro blockbuster mundial de sua carreira (Independence Day, de 1996, uma atualização dos filmes de invasões alienígenas dos anos 1950), Emmerich especializou-se em filmes-catástrofe e, já nos anos 2000, dirigiu dois casos emblemáticos da “destruição digital” do mundo: O Dia Depois de Amanhã, de 2004, e 2012, lançado em 2010, já aproveitando a nova onda de teorias apocalípticas vinculada ao fim do Calendário Maia em 2012.

Durante os anos 1980, com a retração do interesse por filmes-catástrofe, tornaram-se cada vez mais comuns os filmes pós-apocalípticos, ambientados em cenários de devastação (quase invariavelmente provocada pela guerra e/ou poluição causadas pelo Homem) em que o fim do mundo “já aconteceu”. Talvez a responsabilidade pela grande quantidade de filmes passados em um mundo devastado lançada ao longo dos anos 1980 seja do road movie australiano Mad Max, lançado em 1979. A rigor, um filme futurista sobre uma sociedade distópica, mas não pós-apocalíptica de fato, Mad Max foi realizado com baixíssimo orçamento e se tornou um fenômeno mundial de bilheteria, revelando Mel Gibson como um dos grandes astros do cinema de ação da década seguinte. Quando a inevitável continuação chegou aos cinemas, em 1981, seus criadores resolveram avançar ainda mais no tempo com a história do patrulheiro Max e o colocaram vivendo suas aventuras em um mundo já devastado pela guerra atômica em Mad Max 2 – A Caçada Continua. Herói de um mundo pré-apocalíptico no primeiro filme, Max vivia agora suas aventuras em um cenário pós-apocalíptico. O resultado foi um sucesso de bilheteria ainda maior que o do primeiro filme, resultando em mais uma continuação (Mad Max – Além da Cúpula do Trovão) e em uma infinidade de outros filmes situados em cenários pós-Apocalipse que tentaram explorar o mesmo filão ao longo das décadas de 1980 e 1990 – tendência que só seria refreada novamente em 1995, graças ao monumental fracasso da superprodução Waterworld – O Segredo das Águas, de Kevin Reynolds e Kevin Costner, quase umremake do roteiro de Mad Max 2 trocando o cenário desértico por um marítimo. Um dos maiores desastres financeiros da história do cinema,Waterworld, contudo, não impediu o seu astro Kevin Costner de se lançar novamente a outro projeto de filme pós-apocalíptico na sequência: O Mensageiro, de 1997, novo fracasso monumental que lançou o ator ao ostracismo pelos anos seguintes. Os dois fracassos protagonizados por Costner também condenaram à “gaveta” os filmes pós-apocalípticos e Hollywood voltou a investir em histórias nas quais o mundo ainda não acabou, mas encontra-se em ameaça iminente (como em grande parte dos sucessos de bilheteria dos anos 1990, caso dos já citados filme-catástrofe desse período e do blockbuster global de 1991, O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final). Filmes ambientados em cenários pós-apocalípticos só voltariam a surgir com certa regularidade no final da primeira década e início da segunda dos anos 2000 (como Wall-E eJuízo Final, ambos de 2008, Vírus, de 2009, A Estrada, de 2010, e o alemão Hell, de 2011), ainda que a série Matrix, um dos grandes sucessos do começo do século XXI, também possa ser considerada pós-apocalíptica, embora apresente uma visão do fim do mundo bastante diferente daquela típica dos anos 1980 e 1990.

Paralelamente, outras tendências em matéria de cinema sobre o fim do mundo estiveram presentes desde sempre. Uma das mais curiosas é aquela que toma o Apocalipse como assunto religioso, abordando questões como profecias e “o arrebatamento” sob um viés bíblico ou espiritual, caso de filmes como A Sétima Profecia (1988), Príncipe das Sombras (1987), The Rapture (1991), Dogma (1999), A Colheita do Mal (2006) e Legião (2010). De modo geral, contudo, esses filmes se assemelham bastante àqueles em que a ameaça à civilização não tem caráter religioso. De fato, pode-se mesmo pensar em uma divisão dos filmes sobre o fim do mundo não só entre os pré e pós-apocalípticos, mas também de acordo com as causas mais comuns de perigo à humanidade: sejam elas doenças, vírus ou outros agentes endógenos (que deram origem a filmes como Epidemia e os recentes Filhos da Esperança e Contágio, além das séries Extermínio e Resident Evil), a conquista da humanidade por máquinas (sendo as séries O Exterminador do Futuro e Matrix os exemplos mais ilustres de obras com esse mote) ou por animais (como na série O Planeta dos Macacos), catástrofes naturais, colisões com corpos celestes, ou guerras nucleares e invasões extraterrestres (certamente as causas mais frequentes de ameaça à humanidade no cinema).

Pode ser mais interessante notar, portanto, que, segundo tendência bem diversa, o tema do fim do mundo também tem se prestado, desde sempre, a abordagens menos típicas e talvez até mais experimentais. Mesmo cineastas de perfil mais intelectual e autoral já se lançaram ao desafio de conduzir filmes com tramas apocalípticas, como Andrei Tarkóvski (O Sacrifício, de 1983), Wim Wenders (Até o Fim do Mundo, de 1991), Jean-Luc Godard (O Novo Mundo, curta-metragem dirigido por ele para o filme coletivo RoGoPaG – Relações Humanas, de 1963, que conta com outros segmentos, não ligados ao assunto, assinados por Roberto Rossellini, Pier Paolo Pasolini e Ugo Gregoretti) e Chris Marker (La Jetée, inovador curta-metragem de 1962 feito apenas com fotografias e narração, que deu origem ao não menos brilhante longa-metragem Os Doze Macacos, dirigido em 1995 por Terry Gilliam). No final dos anos 1990 e ao longo dos anos 2000, esses filmes atípicos sobre o fim do mundo, que se debruçam sobre o assunto com um olhar mais alegórico e autoral, muitas vezes abordando o apocalipse como um evento de caráter particular e não um desastre de proporções globais, tornaram-se mais comuns, provavelmente como reflexo do aumento de teorias sobre o fim da civilização. É assim que o assunto passou a aparecer em dramas ou comédias de caráter intimista, sem explosões, acidentes ou calamidades, dirigidos por nomes normalmente alheios a gêneros como a ficção-científica, o filme de ação ou o filme-catástrofe, caso de O Livro da Vida (1998), de Hal Hartley, A Última Noite (1998), de Don McKellar, Donnie Darko (2001) e Southland Tales – O Fim do Mundo (2006), ambos de Richard Kelly, e O Tempo do Lobo (2003), de Michael Haneke. Nos últimos anos, esses filmes apocalípticos mais “sutis” e autorais passaram a se constituir em uma verdadeira tendência, que já deu origem a filmes absolutamente únicos em sua abordagem do fim do mundo, como Kaboom (2010), de Gregg Araki, Os Últimos Dias do Mundo (2009) de Arnaud e Jean-Marie Larrieu, 4:44 – O Último Dia na Terra (2011), de Abel Ferrara, Melancolia (2011), de Lars Von Trier, O Abrigo (2011), de Jeff Nichols e Young Dudes (2012), de Chen Yin-Jung.

Psicólogos podem dizer que o sucesso e a perenidade dos filmes sobre o fim do mundo são expressão do nosso medo da morte, uma maneira de lidar com a ideia de nossa própria finitude; outros podem acreditar que derivam de nosso fascínio com a ideia de um final para a História da Humanidade; outros ainda podem crer que isso é apenas reflexo de uma paranoia coletiva provocada pelas guerras e catástrofes sociais e naturais que vêm se agravando, ou pelo ainda presente medo de uma tragédia nuclear. Mas o fato é que o apocalipse sempre foi um assunto muito popular no cinema, na literatura e nas artes em geral, motivando uma quantidade imensurável de filmes que lidam com o tema. Deste imenso universo, o CINUSP selecionou algumas pérolas, das mais diversas épocas e gêneros, que dão uma boa amostra de como o cinema imaginou ao longo das décadas o fim da raça humana.

Boas sessões!