BREVES E INÉDITOS


Todos os anos, centenas e centenas de filmes de longa-metragem, tanto nacionais quanto estrangeiros, deixam de ser lançados nos cinemas do Brasil. Isso ocorre por muitos motivos. O primeiro deles, evidentemente, é o próprio volume da produção cinematográfica mundial, da qual o mercado jamais consegue dar conta. O tamanho do parque exibidor brasileiro também explica a ausência de muitos lançamentos: não há no Brasil, mesmo nas capitais, salas de cinema suficientes para permitir um aporte maior de títulos. Nesse cenário, há pouca chance para riscos ou apostas ousadas. Por essa razão, muitos filmes perdem a chance de chegar ao público brasileiro por não trazerem em si nenhuma garantia de retorno financeiro. Afinal, os distribuidores relutam em lançar nos cinemas filmes que não foram bem de bilheteria em seus mercados de origem. E também não costumam investir em filmes de sucesso incerto, mesmo quando prestigiados pela crítica ou quando alcançaram repercussão em determinado nicho de mercados mais adaptados a essa super oferta de produções audiovisuais. Nesse processo, muitos filmes interessantes e premiados, incluindo alguns dirigidos por cineastas consagrados ou estrelados por atores bastante conhecidos, acabam sendo condenados ao ostracismo. Alguns dos filmes mais comentados em festivais de cinema ao redor do mundo jamais chegam a ser exibidos por aqui. Grandes surpresas, exemplos de cinematografias ascendentes, novos autores e astros: muito do que o cinema produz de melhor atualmente permanece inacessível ao espectador brasileiro que não se disponha a procurar por essas obras no exterior ou a “baixá-las”, ilegalmente, pela internet.

Tendo isso em vista, o Centro Cultural São Paulo e o CINUSP Paulo Emílio apresentam a mostra BREVES E INÉDITOS, um panorama retrospectivo de alguns dos melhores filmes realizados nos últimos anos que não tiveram a devida chance de chegar ao público cinéfilo brasileiro. Extremamente diversificada quanto aos países e gêneros contemplados, a programação reúne dezenas de filmes que permanecem inéditos no Brasil, ou que foram lançados aqui apenas em DVD ou Blu-ray, ou que tiveram um lançamento comercial nos cinemas extremamente restrito, em poucas salas ou por pouquíssimo tempo. São filmes cujo lançamento – ou cujo não lançamento – no Brasil não foi compatível com suas qualidades.

Organizada sem as amarras da complicada matemática que regula o mercado exibidor e distribuidor, orientando a dinâmica de funcionamento da crítica e do público em relação aos valores agregados a cada filme no momento de seu lançamento, a mostra é uma chance para o espectador entrar em contato com obras que podem ter-lhe passado despercebidas quando de sua exibição nos cinemas, ou que nem mesmo chegaram a ser exibidas na tela grande. Compilada a partir de uma pesquisa que buscou mapear importantes lançamentos comerciais que ficaram pouquíssimo tempo em cartaz, filmes relevantes que foram lançados diretamente em home video ou video on demand e, finalmente, filmes engavetados pelas distribuidoras, ainda inéditos no país, a seleção de títulos da mostra revela o descaso de nosso mercado mesmo com filmes que teriam motivos de sobra para encontrar um público interessado.

De que fontes o distribuidor se apropria para escolher os filmes que farão parte de sua cartela em um ano? Como são pensadas as estratégias de lançamento de um filme? Como o distribuidor vê as janelas de exibição disponíveis para pensar na pulverização de suas cópias ao acesso do consumidor? Quais os elementos que fazem com que um filme seja eleito para um lançamento nos cinemas, ou diretamente em vídeo ou na televisão, ou para que não seja lançado em formato algum? Essas questões e as várias nuances que regulam o mercado audiovisual abrem caminho para uma perspectiva com muito mais respostas possíveis além da simples ideia de que o potencial de retorno financeiro é o único regulador desse processo.

Dentre os filmes que chegaram a estrear nos cinemas paulistanos, mas ficaram em cartaz por muito pouco tempo, a mostra oferece ao espectador uma segunda chance para conferir na tela grande filmes de carreira breve e incompatível com sua repercussão em festivais internacionais de cinema, como o poético e inclassificável italiano As Quatro Voltas, o alemão Barbara, que apresenta prodigioso trabalho da atriz Nina Hoss, o peculiar A Vida Útil, uma declaração de amor à cinefilia vinda do Uruguai, o vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes de 2011, Polissia, e as duas últimas obras da diretora francesa Mia Hansen-Løve: O Pai dos Meus Filhos e Adeus, Primeiro Amor – filmes que parecem ter sido subestimados mais pelo público do que pela distribuidora, que lhes garantiu ao menos uma rápida passagem pelo circuito das salas “de arte”. Nessa categoria dos filmes que chegaram a estrear, há, portanto, espaço também para filmes nos quais as distribuidoras nacionais apostaram, mas o público não correspondeu. São filmes como os hollywoodianos O Homem que Mudou o Jogo, Marcados para Morrer, Apenas uma Noite e A Escolha Perfeita, cujas qualidades transcendem a simples ideia comercial de gênero e definem uma linhagem de cinema de qualidade dentro de limites comerciais que abre margem para uma leitura superficial do potencial destes filmes se o olhar não for atualizado. Ao não se enquadrarem imediatamente nos padrões de típicos blockbusters e tampouco naqueles tidos como definidores dos filmes “de arte”, destinados ao circuito alternativo de salas, filmes como esses – e também como o norueguês Headhunters, o alemão Triângulo Amoroso, ou o australiano Beleza Adormecida – acabam não tendo seu potencial comercial devidamente explorado, sendo relegados àquelas inglórias duas semanas em cartaz, ou a salas menos nobres das grandes cadeias exibidoras. Um erro de público-alvo? Talvez. Justamente por serem surpreendentes, esses filmes tendem a frustrar a expectativa imediata do público para o qual são vendidos. Resta saber se outra roupagem e uma distribuição mais pulverizada em cinemas frequentados por um público mais exigente teria dado uma sobrevida maior no circuito a esses títulos.

Essa parte da programação da mostra inclui ainda uma pequena seleção de filmes nacionais: Girimunho, O Céu Sobre os Ombros e Mãe e Filha. São apenas três exemplos de uma extensa cinematografia brasileira independente que é totalmente marginalizada no circuito exibidor em seu conjunto, ganhando “lançamentos” quase sempre limitados a uma ou duas salas, durante uma ou duas semanas. Lembranças de que a “cota de tela” não garante variedade na oferta de filmes nacionais disponibilizados para o público dos cinemas.

Além desses filmes de passagem meteórica pelas salas paulistanas, a mostra reúne também inúmeras pérolas lançadas diretamente em vídeo no Brasil. Nessa categoria, há casos realmente incompreensíveis de filmes que nos quais os distribuidores não apostaram o suficiente para bancar-lhes um grande lançamento na tela grande, como os de 50% e Paul – O Alien Fugitivo – que contam com grandes astros em seus elencos e que, ignorados pelos exibidores brasileiros, ganham agora sua primeira chance de serem assistidos na tela grande. Essa seleção de obras às quais foi negada uma chance nas salas de cinema também inclui filmes de menor potencial comercial, que, ainda assim, surpreendentemente conquistaram fãs ao redor do mundo. É o caso, por exemplo, do pequeno filme independente norte-americano Sem Segurança Nenhuma, pleno de frescor em sua abordagem dos clichês da comédia romântica e da ficção-científica sobre viagem no tempo. Ou do eletrizante Operação Invasão, uma produção vinda da Indonésia que conquistou espaço em diversos mercados exibidores ao redor do mundo ao provar que filmes de ação espetaculares não são uma exclusividade de Hollywood.

A repercussão positiva e a grande expectativa gerada em festivais de cinema ao redor do mundo também já não garante aos destaques desses eventos uma chance certa de exibição nos cinemas brasileiros. Por conta disso, a mostra reúne também alguns filmes que causaram sensação no circuito internacional de festivais, mas ainda assim não foram comprados pelos distribuidores brasileiros para serem lançados nos cinemas. Filmes como A Outra Terra e O Som da Minha Voz, que disputaram as expectativas de melhor venda no Festival de Sundance de 2011, ambos com a mesma atriz, Brit Marling, que também assina os dois roteiros. A Outra Terra acabou vencendo a disputa, mas O Som da Minha Voz saiu do festival aclamado pela voz dos críticos e alçando o seu diretor Zal Batmanglij à condição de grande aposta para uma nova geração de realizadores. No Brasil, A Outra Terra foi direto para o DVD, enquanto O Som da Minha Voz permanece inédito até agora – assim como o chinês Uma Vida Simples, que colecionou prêmios em importantes festivais de cinema ao longo de 2011 e 2012. O Abrigo é outro caso de um filme com carreira generosa de prêmios em festivais de alto calibre, considerado um dos grandes títulos a correr os festivais em 2011, ganhando prêmios em Sundance e Cannes e aclamado em quase todos os eventos onde foi exibido. Depois de passar um tempo “na gaveta” do distribuidor, O Abrigo acabou indo direto para as prateleiras das videolocadoras, onde permanece esperando ser descoberto. O mesmo acontece com Loucamente Apaixonados, ganhador do Prêmio do Júri em Sundance em 2011, agora finalmente lançado no Brasil, mas exclusivamente em DVD.

Completam a programação da mostra BREVES E INÉDITOS dois filmes já prometidos para lançamento em 2012 no circuito exibidor brasileiro, mas que permanecem inéditos: o documentário O Sushi dos Sonhos de Jiro e o dinamarquês Oslo, 31 de Agosto, que revisita o mesmo romance já adaptado para o cinema em 1963 por Louis Malle em Trinta Anos Esta Noite.

Com uma seleção tão variada, interessante e potente de filmes ignorados ou menosprezados pelos distribuidores brasileiros, essa mostra propõe a todos uma questão: como responder à ideia de um circuito cultural abrangente, que nos coloque em contato com o que de fato está acontecendo no país e no mundo afora, quando os elementos que regulam este mercado são desconhecidos para quem os consome?

A mostra BREVES E INÉDITOS está em cartaz também no Centro Cultural São Paulo, de 9 de abril a 1º de maio, com alguns desses filmes exibidos no CINUSP e também outros títulos. A programação da mostra para o CCSP pode ser consultada no site: http://www.centrocultural.sp.gov.br/programacao_cinema_2.html

Célio Franceschet e Marcos Kurtinaitis