MAESTRI DELLA PAURA: CLÁSSICOS DO TERROR ITALIANO


Para além de Fellini, Rossellini, Visconti, De Sica e Antonioni, o cinema italiano também deixou sua marca no imaginário cultural do século XX com grandes doses de sanguinolência, psicopatia e monstruosidade, embaladas numa estética de apelo pop que não se refuta em mostrar aquilo que o “bom gosto” (na conotação mais elitista e restritiva do termo) deixaria fora de quadro. Trata-se do substrato dos filmes de terror e suspense de diretores como Mario Bava, Dario Argento e Lucio Fulci, produzidos principalmente entre os anos 1960 e 1980 e largamente revisitados pelo cinema norte-americano desde então, cujos maiores expoentes são agora apresentados pelo CINUSP Paulo Emílio na mostra MAESTRI DELLA PAURA: CLÁSSICOS DO TERROR ITALIANO, em cartaz nas salas de exibição da Cidade Universitária e do Centro Universitário Maria Antônia de 29 de agosto a 15 de setembro. A programação privilegia filmes dos já citados grandes mestres do gênero, ao lado daquelas dirigidas por outros de seus expoentes, como Lamberto Bava, Pupi Avati e Ruggero Deodato, e inclui uma série de sessões extras na noite de sexta-feira, 13 de setembro, durante a qual a tradicional grade de sessões do CINUSP se amplia para apresentar filmes também às 22h00 (na Cidade Universitária e na Maria Antônia) e à meia-noite (apenas na sala Maria Antônia).

A tradição do cinema de horror italiano remonta ao ano de 1929, quando começaram a ser publicadas na Itália revistas com histórias de suspense policial sobre assassinos em série violentos, que geralmente tinham suas identidades reveladas ao final. Conhecidos como giallos (“amarelos”, em italiano) devido às páginas amarelas que os compunham, esses romances começaram, cerca de trinta anos depois, a ser adaptados para o cinema, dando origem ao subgênero cinematográfico giallo, de histórias sobre serial killers marcadas por violência e suspense, que teve em La Ragazza che Sapeva Troppo, dirigido por Mario Bava em 1963, seu primeiro exemplo. Tomando emprestados elementos visuais do cinema expressionista alemão e do cinema de horror norte-americano dos anos 1930, os primeiros filmes giallo foram os responsáveis por inaugurar um filão que depois também viria a abrir espaço para outras obras com foco deliberado na violência gráfica – o chamado terror gore –, geralmente centradas em um vilão de natureza não humana, ampliando a temática dos filmes de terror e suspense italianos para abarcar também bruxas, vampiros, assombrações e zumbis.

Além de “pai” do giallo no cinema, Mario Bava foi o grande nome da era dourada do terror italiano nos anos 1960. Filho de um escultor que também trabalhou com câmera e efeitos especiais no cinema mudo italiano, Mario Bava começou sua carreira como diretor de fotografia e nunca mais abandonou a profissão, chegando a trabalhar em dois curtas-metragens de Roberto Rossellini e também assinando a função em todos os filmes que dirigiu. Entre suas obras de terror mais famosas presentes nesta mostra, estão o clássico A Maldição do Demônio, de 1960, eAs Três Máscaras do Terror, de 1963. O sucesso de público desses dois filmes foi tão grande que o segundo, conhecido internacionalmente pelo título Black Sabbath, acabou batizando a primeira autêntica banda de heavy metal de que se tem notícia.

Apesar do pioneirismo de Mario Bava, Dario Argento talvez seja o primeiro nome que vem à mente quando se fala de cinema de terror italiano, em parte porque seu estilo talvez seja o mais reproduzido e revisitado o pelo cinema norte-americano – o diretor John Carpenter, por exemplo, o cita como referência fundamental para a sérieHalloween. Antes de dirigir seu primeiro filme, Argento colaborou com Bernardo Bertolucci no roteiro de Era Uma Vez no Oeste (1968), clássico do western spaghetti do mestre Sergio Leone. Em seguida, fez sua estreia na direção com o primeiro filme daquela que ficaria conhecida como sua “Trilogia Animal”: o giallo O Pássaro das Plumas de Cristal, de 1970. Além deste, outras quatro das mais emblemáticas obras do diretor estão incluídas na programação desta mostra: Prelúdio para Matar, outro giallo, além dos sobrenaturais SuspiriaA Mansão do Inferno e Phenomena, que representam o auge criativo e de popularidade do realizador. Uma característica interessante desses três últimos filmes é que todos apresentam como protagonista uma garota adolescente incumbida de desvendar uma trama misteriosa e violenta.

Já o terceiro grande mestre do terror italiano, Lucio Fulci, começou sua carreira nos anos 1960, dirigindo algumas comédias e, posteriormente, alguns filmes giallo e alguns westerns spaghetti. Contudo, sua fama internacional se deve aos seus filmes de zumbis, na tradição inaugurada por George A. Romero em 1968 com seu clássico A Noite dos Mortos-Vivos, que voltou a gozar de grande popularidade nos dias atuais, graças a filmes como Extermínio eGuerra Mundial Z e a séries de TV como The Walking Dead. O primeiro grande sucesso de Fulci, Zumbi 2 – A Volta dos Mortos, de 1979, chegou a ser comercializado – indevidamente – na Europa como uma continuação deDespertar dos Mortos, filme de Romero de 1978. Depois desse grande sucesso, Fulci realizou Pavor na Cidade dos Zumbis e Terror nas Trevas, também selecionados para esta mostra.

A programação inclui também os dois filmes mais populares de Lamberto Bava, filho de Mario: Demons – Filhos das Trevas e Demons 2 – Eles Voltaram, ambos roteirizados e produzidos em parceria com Dario Argento, além do clássico A Casa com Janelas Sorridentes, dirigido por Pupi Avati em 1976, que acrescenta doses maciças de erotismo à fórmula de mistério e violência dos filmes de terror italianos. Finalizando a seleção de filmes, a mostra exibe também o polêmico Cannibal Holocaust, controverso pseudodocumentário de Ruggero Deodato lançado em 1980 e imediatamente censurado e/ou banido em dezenas de países. Rodado em locações autênticas na Amazônia, o filme foi o primeiro a empregar o formato de uma edição de imagens pretensamente documentais encontradas posteriormente – mesmo recurso para agregar realismo à narrativa adotado por filmes de terror contemporâneos, como A Bruxa de BlairCloverfield – Monstro e a série Atividade Paranormal. Unanimamente considerado um dos filmes mais chocantes e violentos já feitos, Cannibal Holocaust é alvo frequente de críticas por sua superexposição de violência gráfica e sexual e pelo fato de animais silvestres terem sido mortos durante sua realização. Deodato chegou a ser preso na Itália, sob a acusação de obscenidade e sob o peso de rumores (nunca comprovados) de que pessoas foram mortas durante as filmagens.

Com essa seleção irretocável de autênticos clássicos do horror universal, a mostra MAESTRI DELLA PAURA oferece ao espectador uma chance imperdível de conhecer, maravilhar-se e apavorar-se com o talento de alguns dos maiores mestres do cinema de terror.