CINEMA SUL-COREANO
Dentre as cinematografias nacionais que ganharam projeção internacional ao longo da última década, poucas conquistaram o prestígio, a audiência, a diversidade e a constância da produção sul-coreana. A discreta cinematografia do sul da península da Coreia vem conquistando espaço no mapa do cinema mundial, ampliando sua influência para além das fronteiras geográficas e culturais dentro das quais esteve circunscrita ao longo de anos de estagnação. A reestruturação do mercado cinematográfico interno a partir dos anos 1990 proporcionou a infraestrutura e o vigor necessários para a consolidação de uma indústria com força econômica e diversidade artística, capaz de fazer frente às produções estrangeiras dentro do país. Assim, a Coreia do Sul apresenta hoje um cinema com a capacidade de atrair para as salas de exibição mais da metade de sua população, que prefere o produto nacional às produções hollywoodianas e estrangeiras. Além dos investimentos e esforços nos âmbitos público e privado, esse cenário se tornou possível graças à sua consolidação em terreno fértil de criação e inventividade, que gera produções marcadas pela apropriação e reinvenção estética do cinema de gênero.
Com o intuito de difundir a diversidade dessa produção e oferecer ao espectador uma oportunidade única de contato com algumas obras dessa cinematografia ainda inéditas no circuito exibidor brasileiro, o CINUSP Paulo Emílio, em parceria com o Consulado Geral da República da Coreia e com o Centro Cultural Coreano, apresenta, entre os dias 11 e 22 de novembro, exclusivamente na sala da Cidade Universitária, a mostra CINEMA SUL-COREANO, que reúne oito longas-metragens inéditos no Brasil, tanto nos cinemas quanto em home video, exibidos em cópias em película de 35mm, oferecendo uma boa amostra da produção cinematográfica recente da Coreia do Sul, além de uma produção dos anos 1970 já considerada clássica no contexto daquela cinematografia. A seleção dos títulos dessa programação busca privilegiar autores e obras ainda desconhecidos no Brasil, motivo pelo qual exclui por princípio aqueles cineastas sul-coreanos já consagrados e conhecidos pelo público cinéfilo brasileiro, como Park Chan-wook (Oldboy, Lady Vingança, Sede de Sangue), Bong Joon-ho (O Hospedeiro, Mother A Busca Pela Verdade), Kim Jee-woon (Medo, Os Invencíveis), Kim Ki-duk (Casa Vazia, O Arco,Pietà) e Sang-soo Hong (Hahaha, A Visitante Francesa). Uma vez que os filmes desses autores já têm seu lançamento quase sempre assegurado pelo circuito exibidor comercial brasileiro, a mostra CINEMA SUL-COREANO busca abrir espaço justamente para aquela parcela da produção cinematográfica da Coreia do Sul que ainda não se tornou conhecida internacionalmente. E essa seleção, aparentemente restritiva, não implica em uma mostra com filmes menos acessíveis ou compreensíveis para as plateias ocidentais, tampouco de menos apelo comercial, pelo contrário. As obras reunidas nesta mostra são marcadas pela coexistência harmoniosa entre experimentação estética e apego às fórmulas de gênero, resultando em obras de ficção de grande apelo popular e sucesso comercial.
O filme Cinderella, por exemplo, apresenta uma nova abordagem para uma história mundialmente conhecida, constituindo-se não como um conto de fadas romântico, mas como um k-horror, vertente local do filme de terror que enfatiza os efeitos visuais e sonoros em enredo adolescente, buscando originalidade ao subverter o famoso conto ocidental homônimo, alterando-lhe o gênero. Movimento semelhante pode ser observado na animação Oseam, adaptação de um famoso conto de fadas do imaginário popular adulto, premiada nos principais festivais de cinema de animação do mundo. Tal reconhecimento internacional indica que a Coreia do Sul tem se destacado também em termos técnicos no campo do cinema de animação, conquistando agora um espaço para a animação oriental que tradicionalmente foi exclusivo do Japão e sua vigorosa produção de animes. Já no drama histórico Hwang Jin Yi, inspirado na lendária cortesã coreana do século XVI que batiza o filme, o cinema sul-coreano demonstra sua habilidade de apresentar as repercussões na esfera individual de um contexto histórico e coletivo adverso. Ainda na chave dos gêneros, Late Blossom arrisca-se no campo da comédia dramática com personagens idosos. Apesar de seu lançamento discreto, o filme obteve grande sucesso de crítica e de público dentro do país.
Além do seu sucesso no território nacional, o cinema da Coreia do Sul tem encontrado êxito também em países asiáticos vizinhos, atingidos por um movimento de disseminação da cultura popular sul-coreana. Filmes como Hwang Jin Yi, 200 Pounds of Beauty e Like a Virgin carregam um conjunto de signos culturais que dialogam de forma especialmente eficaz com a juventude e vêm se espalhando da Coreia do Sul para quase todo o leste asiático. Além disso, o fomento a festivais de cinema como o Festival Internacional de Cinema de Pusan, hoje um dos principais da Ásia, vem conquistando o público jovem da região e promovendo a aparição de novos talentos. Foi nesta situação que o diretor Shin Dong-il exibiu pela primeira vez seu segundo longa-metragem, My Friend and His Wife, em 2006, também selecionado para esta mostra.
Complementando o panorama do cinema sul-coreano da última década, a programação inclui ainda o épico históricoWildflowers on the Battlefield, filme de rara circulação realizado em 1974, que representa bem a cinematografia sul-coreana do período em que o governo do país encomendava e financiava as poucas produções cinematográficas nacionais, quase sempre de caráter propagandista. Dessa forma, é possível mapear com maior clareza os aspectos em questão nesta mostra a partir do embate entre os filmes da cinematografia atual e um exemplo da produção que a precedeu.
A diversidade de estilos e gêneros apresentada na seleção de filmes da mostra CINEMA SUL-COREANO dá ao espectador uma pequena amostra desta cinematografia que vem conquistando posição privilegiada na historiografia do cinema mundial contemporâneo, destacando autores e obras que ainda não se tornaram amplamente difundidos no resto do mundo. Uma excelente oportunidade para que o público brasileiro possa apreciar a variedade e qualidade dos resultados obtidos pelo cinema de um país cuja relevância e presença no cenário internacional vêm caminhando a passos largos ao longo dos últimos anos.
Boas sessões!