II MOSTRA DE CINEMA DA QUEBRADA NO CINUSP
Pela segunda vez, o CINUSP Paulo Emílio oferece ao seu público uma mostra do audiovisual que tem sido produzido “nas quebradas”, fora do centro das grandes capitais brasileiras. Desta vez, compõem a programação da mostra filmes de diversas partes do Brasil, desde a periferia paulistana até aldeias indígenas em Pernambuco, num panorama visivelmente plural. Os realizadores desses filmes não têm (ou não tiveram, a princípio) uma formação profissional. Muitos filmes são fruto de oficinas ministradas em comunidades, feitos pelos moradores e exibidos em seu próprio contexto, em cineclubes a céu aberto por exemplo. Alguns foram feitos visando ao circuito de festivais, outros encontraram circuitos alternativos para sua difusão. Estaria surgindo uma Nollywood brasileira?
Os filmes exibidos nessa segunda edição da MOSTRA DE CINEMA DA QUEBRADA NO CINUSP são contemporâneos (quase todos foram feitos a partir de 2010) e compartilham a utilização das plataformas digitais para sua realização e difusão. Com a crescente acessibilidade aos meios de produção (câmeras e outros equipamentos de baixo custo), a experiência audiovisual está cada vez menos restrita ao uso profissional. Não só a produção, mas também a distribuição, tem se beneficiado desse fenômeno: a internet é ferramenta fundamental para o compartilhamento dos vídeos e foi responsável pela intensa circulação de alguns deles pelo Brasil, como é o caso do longa-metragem Ai Que Vida, de Cícero Filho.
Para fazer a curadoria desta mostra, o CINUSP convidou Thais Scabio, cineasta, educadora e cineclubista, coordenadora do projeto “Cinema Digital” do JAMAC – Jardim Miriam Arte Clube. O que fica evidente em sua seleção de títulos é a heterogeneidade. Não é nada simples pensar uma curadoria que dê conta do termo “da quebrada”. Alguns dos filmes têm patrocínio, outros são totalmente independentes. A rigor, não se trata de uma seleção de filmes feitos na periferia, pois eles refletem realidades materiais diversas. Mas, em boa parte dos casos, sabe-se que o custeio da produção acaba sendo em grande parte feito pela doação do trabalho dos envolvidos: colaboradores não profissionais, gente que não tira seu sustento do cinema. Alguns dos filmes selecionados receberam prêmios em festivais, mas ainda pertencem a um circuito distinto, preservam uma relação íntima com a sua comunidade de origem. Integram a mostra filmes dos mais variados gêneros. As ficções vão do horror psicológico à comédia de tipos soc4iais. É notável também a grande ocorrência de documentários, sejam eles longas-metragens, como O Mestre e o Divino, realizado por indígenas do projeto Vídeo nas Aldeias e premiado como melhor filme documentário no 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, sejam pequenos vídeos de registro ou protesto, como 3 Marias, Cordel de Lá pra Cá, Loas aos Reis do Congo, Quilombo de Queimadas e 8 Mil. Muitos deles buscam a experimentação das linguagens da música e da poesia, como Quero Ser Beyoncé, Rumpi Mondé, Da Paz e Manual de Literatura (En)Cantada, entre outros.
A II MOSTRA DE CINEMA DA QUEBRADA NO CINUSP convida à reflexão. Qual é a pertinência de se falar em “cinema da quebrada”? Existe uma estética resultante desse conjunto? É possível transportar para a tela do CINUSP um material cuja exibição talvez seja parte intrínseca da vivência comunitária, da relação entre realizadores e o seu meio? É possível até mesmo que essa discussão já esteja um tanto ultrapassada, que as linhas do tempo presente sejam mais difusas e que esta mostra seja um exemplo da intersecção dos dois, ou mais, universos. Seja como for, esta é uma chance de vislumbrar a intimidade de quem faz filmes sem pretensão de se expor ao olhar oficial do “estrangeiro”. Quase como encontrar uma caixa de películas de família, feitas por indivíduos que nutrem laços anteriores aos que surgem no fazer fílmico, e que sujeitam essas relações ao sabor dos efeitos da luz projetada em uma tela.
Boas sessões!