NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO 2014


Chegando em 2014 à sua terceira edição, a mostra NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO novamente busca oferecer ao público do CINUSP Paulo Emílio a chance de se atualizar em relação à produção cinematográfica nacional mais recente, mantendo seus objetivos de fomentar discussões em torno do cinema brasileiro e de suas tendências contemporâneas em primeira mão. A programação oferece um panorama não exaustivo dos filmes nacionais lançados a partir de 2013, com ênfase na produção que mais se afasta dos padrões e gêneros consagrados pelo grande circuito comercial, destacando filmes que podem ter ficado pouco tempo em cartaz, ou mesmo que ainda permanecem inéditos nos cinemas, mas cujas contribuições culturais e estéticas se mostram relevantes no contexto atual. A seleção dos vinte títulos exibidos, ainda que novamente ateste a diversidade da produção cinematográfica brasileira recente, aproximando obras de perfil mais autoral (como O Exercício do CaosExilados do VulcãoEducação SentimentalDoce Amianto Boa Sorte, Meu Amor) de outras mais claramente direcionadas ao “grande público” (como Serra PeladaCine HolliúdyGonzaga: De Pai pra Filho Somos Tão Jovens), de gêneros tão diversos quanto a cinebiografia, a comédia, o documentário (A Alma da GenteOutro SertãoMataram Meu Irmão), o drama (TatuagemDe MenorEntre ValesJardim Europa), a animação (O Menino e o Mundo), o suspense (O Lobo Atrás da Porta) e o terror (Mar Negro, Quando Eu Era Vivo), permite que se aponte alguns elementos, particularmente temáticos, comuns a todos.

Em meio a essa pluralidade de gêneros e abordagens que marcam os filmes selecionados pela curadoria, sobressai na análise do conjunto a preferência de muitos cineastas por situar temporalmente suas narrativas, total ou parcialmente, em um tempo que não é o da realização fílmica. Quase todos os filmes aqui reunidos carregam em suas narrativas uma intrínseca relação com o passado, com um tempo outro que, sem definir-se como novo ou velho, expõe a complexidade da questão contemporânea. Esse recorte revela-se interessante principalmente quando se compara a produção atual com aquela de uma época já muito estudada do cinema brasileiro, a da geração dos anos 1960 e 70. Inspirado pela renovação estética promovida desde o Neorrealismo Italiano, o nosso dito “cinema moderno” teve como característica marcante o registro do presente, a incorporação do artista e do dispositivo cinematográfico ao espaço físico contemporâneo, além do engajamento político que reunia forma e conteúdo como coisas indissociáveis e de necessário impacto sobre a realidade do momento. Sem mais carregar essa forte presença dos ambientes e dos temas tidos como atuais, o “novíssimo cinema brasileiro” apresenta uma posição mais difusa e tensa nas relações entre passado, presente e futuro da realidade nacional.

De maneira geral, todos os filmes exibidos aqui dialogam com acontecimentos passados ou projeções do futuro e, deste modo, distanciam-se da representação do cotidiano atual e alinham-se a uma estratégia de evocar outros tempos visando, implicitamente, a reelaboração de questões do presente. Sem a pretensão de apontar um novo paradigma ou uma tendência temática ou estilística homogênea e unívoca no cinema brasileiro feito hoje, mas justamente admitindo este como um dos múltiplos recortes capazes de descrever uma produção muito diversa, identificam-se em alguns filmes desse conjunto uma real indisposição de estabelecer uma abordagem direta de questões correntes e a opção por situar os filmes, tanto concretamente quanto psicologicamente, em uma época que não a contemporânea. Em outros, percebe-se a tentativa de estabelecer um movimento real de resgate e de incursão no passado, como meio de modificar o presente, do qual A Alma da Gente e Mataram meu Irmão são exemplos bastante ilustrativos. Por sua vez, filmes como TatuagemEducação Sentimental e Cine Holliúdy se apoiam no passado por motivações distintas – respectivamente, pelo resgate da alma libertária, pela nostalgia estética e pela metalinguagem apaixonada. Ao mesmo tempo, Cine Holliúdy, Mar Negro Quando Eu Era Vivo, parecem carregar no cerne de suas propostas a tentativa de resignificação das convenções de gêneros cinematográficos consolidados no passado – respectivamente, a comédia popular “caipira”, o cinema de horror goree o terror psicológico –, além de certo resgate da estética do cinema de autor típico dos anos 1960 e 1970, presente em muitos outros filmes da seleção. Em outras obras selecionadas, como Gonzaga: De Pai pra FilhoSomos Tão Jovens Outro Sertão, o resgate é de figuras de grande relevância da história cultural recente do país. Já Boa Sorte, Meu Amor e O Exercício do Caos sugerem que o colapso emocional dos protagonistas de algum modo surge da convergência entre o passado escravocrata brasileiro e o presente de um Nordeste elitista, relacionando o tempo presente individual ao passado coletivo, enquanto Jardim EuropaQuando Eu Era Vivo Doce Amianto colocam os personagens em contato direto com seu próprio passado familiar e pessoal, impedindo-os de efetivamente “viver o presente”.

À parte o desafio de se analisar o que ainda não está sob as lentes da História, é muito improvável que se identifique um denominador comum para essas obras, tanto no que diz respeito a propostas estéticas quanto no tocante à receptividade desse cinema junto ao público e à crítica. Mas é errôneo – ou ao menos arriscado demais – afirmar que algo de novíssimo está evidente nesses filmes. O próprio recorte escolhido pela curadoria, o trabalho com a alteridade do tempo, atesta esse dilema. “Novíssimo” não é um conceito cunhado pela crítica para designar este ou aquele movimento artístico. Esse termo é antes uma referência a um apanhado de filmes brasileiros que aparecem agora, com relativo espaço para produções independentes, mas não só. É possível considerar essa “fuga do presente” um padrão do nosso “novíssimo cinema”, ou ele é intrínseco à própria elaboração dos personagens e acompanha o cinema desde sua gênese? Teria sido traumática a instabilidade anterior à retomada da produção no início dos anos 1990, de modo que os cineastas contemporâneos sentem a necessidade de exorcizar algumas pendências relativas à História recente? Em tempos em que a própria ruptura parece ser a regra, como romper com o passado? Como identificar e distinguir o tradicional do revolucionário?

Com atenção à complexidade dessas questões e com o intuito de promover o encontro dos artistas com seu público, o CINUSP segue programando nesta mostra encontros com os realizadores de alguns dos filmes em exibição – boa parte deles ainda inéditos no circuito comercial, apresentados aqui na condição de pré-estreias –, onde tais assuntos poderão ser colocados em pauta. Boa parte dessas sessões de pré-estreia seguidas de debate são realizadas no moderno e bem equipado auditório A do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da USP, que se integra, assim, ao circuito de salas do CINUSP que recebem esta programação, que inclui também a sala localizada no Favo 4 das Colmeias da Cidade Universitária e a sala Carlos Reichenbach do Centro Universitário Maria Antônia.

Assim, com mais esta edição da mostra NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO, o CINUSP Paulo Emílio reafirma seu compromisso de oferecer ao público o que de mais relevante vem sendo produzido pelo cinema brasileiro, ano após ano, além de estabelecer um espaço de encontro e troca permanentes entre os nossos realizadores e seus espectadores.

E atenção: devido ao feriado de Carnaval, a programação das salas de exibição do CINUSP será interrompida no dia 28 de fevereiro, sexta-feira, sendo retomada apenas no dia 5 de março, quarta-feira.