50 ANOS DO GOLPE: O REGIME MILITAR NO CINEMA BRASILEIRO


Marcando o cinquentenário do golpe civil-militar que deu início aos vinte e um anos de ditadura no Brasil, a mostra e seminário 50 ANOS DO GOLPE: O REGIME MILITAR NO CINEMA BRASILEIRO busca apresentar os eventos e personagens marcantes desta história, reunindo filmes brasileiros sobre o assunto de diversos períodos e estilos, documentais e ficcionais, incluindo os recentes HojeRepare BemO Dia que Durou 21 Anos Dossiê Jango, além do ainda inédito Em Busca de Iara, em sessão de pré-estreia no dia 26 de março, às 19h. A programação, que ocupa a tradicional sala do CINUSP no Favo 4 da Colmeia, a sala Carlos Reichenbach do Centro Universitário Maria Antônia e também o auditório do edifício da Procuradoria Regional da República da 3ª Região do Ministério Público Federal, inclui ainda sessões seguidas de debates com realizadores e personagens dos filmes, pesquisadores, historiadores e ativistas, como Lúcio de Castro, Plínio de Arruda Sampaio, Ivan Seixas, Igor Fuser e Carlos Gianazzi, dentre muitos outros. Promovida pelo CINUSP Paulo Emílio em parceria com o grupo de pesquisa Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na Era Contemporânea, da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo, com a Comissão da Verdade Marcos Lindenberg e com a Procuradoria Regional da República da 3ª Região, do Ministério Público Federal, o evento conta com a curadoria do professor Rodrigo Medina Zagni, doutor em Práticas Políticas e Relações Internacionais pelo PROLAM/USP e coordenador do grupo de pesquisa Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na Era Contemporânea, e de Marlon Alberto Weichert, Procurador Regional da República e coordenador do grupo de trabalho Memória e Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal.

O golpe civil-militar desfechado em 1º de abril de 1964 inaugurou um dos períodos mais violentos da história do Brasil. Longos vinte e um anos se passariam até que as instituições políticas brasileiras fossem redemocratizadas, ainda assim tendo que amargar a derrota do movimento pelas diretas e o dissabor da anistia dada aos responsáveis pelo fenômeno do terrorismo de Estado contra o qual se mobilizaram intelectuais, artistas, ligas camponesas, o movimento operário, o movimento estudantil, a guerrilha urbana e tantos outros atores sociais.

Advindas desse período, permanências históricas desvelam-se incrustadas nas mentalidades, na cultura, nas instituições e práticas políticas brasileiras, feridas ainda abertas como a inconclusão da luta pelo direito à memória, à verdade e à justiça, a reivindicação pela abertura dos arquivos da ditadura militar, a busca pelos desaparecidos, os traumas no corpo e na alma daqueles que sobreviveram, as perdas irreparáveis dos que tombaram, a violência policial, a vigência ainda hoje de práticas de tortura levadas a cabo por agentes do Estado, a reinvenção dos esquadrões da morte, a criminalização de movimentos sociais, dentre tantos outros malefícios petrificados em forma de tradição.

A mostra 50 ANOS DO GOLPE: O REGIME MILITAR NO CINEMA BRASILEIRO se propõe a mapear esses processos a partir de produções fílmicas realizadas entre o início dos anos 1970 e o presente, de linguagem dramatizada ou documental, passando em revista temas fulcrais como: os antecedentes do golpe; os movimentos de luta armada na forma das ligas camponesas e da guerrilha urbana; os movimentos organizados de luta política, como o movimento operário, o movimento estudantil e a oposição crítica de artistas e intelectuais; a montagem e atuação do aparelho de censura e a reação da imprensa; a Operação Condor, que inscreveu a ditadura militar brasileira no complexo jogo da política externa dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria e na vigência de estratégias de contenção ao avanço do comunismo soviético; as práticas de tortura; a atuação dos esquadrões da morte; o exílio e a saudade de casa; e, por fim, as biografias marcadas por todos esses processos concatenados, como aquelas de João Goulart, Carlos Lamarca, Carlos Marighella e Vladimir Herzog, dentre outros.

Tal esforço se mostra importante não só por inserir as instituições envolvidas nesse projeto no cenário dos eventos que marcam a rememoração dessa data, mas também por fazer coro a setores da sociedade brasileira que têm intensificado os clamores para revisitarmos os vinte e um anos de governo autoritário no país com um olhar crítico. Enquanto a Comissão da Verdade instalada pelo Governo Federal vem caminhando para encerrar os seus trabalhos, após dois anos de pesquisas e investigações que buscam elucidar alguns aspectos obscuros da ditadura, movimentos sociais e grupos organizados fazem intervenções artísticas em diversas cidades, renomeando praças, ruas, avenidas e pontes com os nomes de desaparecidos e mortos pela repressão no lugar dos nomes de militares, policiais e civis apoiadores do aparato sociopolítico que cerceou a liberdade e a democracia no Brasil.

Um dos objetivos deste evento é destacar que, muito embora os presidentes do período entre 1964 e 1985 tenham sido militares, o movimento político que derrubou João Goulart em 1º de abril de 1964 não foi gestado apenas na caserna: contou também com o apoio amplo de diversos setores da sociedade civil, bem como teve início em uma ação parlamentar. Longe de criar uma dicotomia entre o “bem”, civil, e o “mal”, militar, lembrar que o período autoritário contou com o suporte das elites nacionais, assim como de setores das classes médias e populares, é alertar para o fato de que a ruptura da democracia é causada, muitas vezes, por aqueles que alegam lutar em sua defesa. Não por acaso, alguns setores das Forças Armadas e da sociedade ainda denominam o golpe de 1964 como “revolução democrática”, que teria impedido a tomada do Estado pelo comunismo e o alinhamento do país com o bloco socialista.

Essa ressalva é importante, pois é esse entendimento que orienta a mostra de filmes e o ciclo de debates que agora se apresentam: pensar o Golpe para além de maniqueísmos e clichês reproduzidos à exaustão. As produções fílmicas aqui selecionadas têm como fio condutor a tarefa de expor a complexidade desse acontecimento histórico, mostrando suas variadas facetas e, por fim, ressaltando que a fronteira entre “perpetradores”, “vítimas” e “espectadores” em casos de atentados contra os Direitos Humanos não é tão sólida quanto acreditamos. Em suma, espera-se que esse evento permita ao público olhar para o período de governo autoritário vivido pelo Brasil entre 1964 e 1985, sobretudo em um ano de rememoração de suas causas e consequências, como um exercício de fundamental importância para a manutenção da democracia que reerguemos após estes vinte e um anos, à custa de centenas de vidas perdidas, destruídas e findadas.

 

Rodrigo Medina Zagni

 

CRÉDITOS

realização

CINUSP Paulo Emílio

Grupo de Pesquisa “Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na Era Contemporânea”

Universidade Federal de São Paulo

Comissão da Verdade Marcos Lindenberg

Ministério Público Federal – Procuradoria Regional da República – 3ª Região

curadoria

Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni

Dr. Marlon Alberto Weichert

comissão organizadora

Ana Nemi

André Lopes Loula

Elson Mattos

Flávio de Leão Bastos Pereira

Heitor de Andrade Carvalho Loureiro

Inês Soares

Maurício Orestes Parisi