ŽELIMIR ŽILNIK E A BLACK WAVE


“Onda Negra Iugoslava”, ou simplesmente Black Wave (no original, Crni Talas), é a denominação mais comumente utilizada para o movimento cinematográfico que eclodiu na Iugoslávia na segunda metade da década de 1960, responsável pela modernização do cinema daquele país e pela emergência ali de uma notável geração de cineastas independentes. Permanecendo ativo até meados dos anos 1970, o movimento revelou diretores consagrados como Aleksandar “Saša” Petrovi? (Three, I Even Met Happy Gypsies) e Dušan Makavejev (W.R. – Mysteries of the Organism, Sweet Movie). Foi no contexto dessa produção – e para além dela – que Želimir Žilnik começou sua carreira de diretor, sempre imprimindo um olhar singular e questionador. Com uma extensa filmografia realizada ao longo de mais de quatro décadas, composta por mais de quarenta títulos de curta, longa e média-metragem, para o cinema e para a televisão, Žilnik se firmou como um dos grandes nomes do cinema iugoslavo, um realizador referencial e um dos precursores do gênero docudrama (mescla das dimensões ficcional e documental). Realizador prolífico e longevo, Žilnik cruzou com sua obra fronteiras nacionais e de gênero, implementou um método heterodoxo de realização cinematográfica, lecionou na Universidade de Novi Sad e segue realizando filmes originais instigantes, prestes a completar 72 anos de idade.

Com o objetivo de fomentar discussões em torno dessa “onda” tão importante para o cinema moderno mundial quanto desconhecida do grande público, bem como de oferecer um panorama da carreira de um cineasta cujo trabalho raramente pode ser visto pelo espectador brasileiro, o CINUSP Paulo Emílio apresenta a mostra ŽELIMIR ŽILNIK E A BLACK WAVE, primeira retrospectiva da obra do diretor realizada no país. Também pela primeira vez no Brasil, o próprio Žilnik prestigia o evento, participando de um debate com o público durante a mostra e também ministrando um workshop de realização cinematográfica no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da USP entre os dias 28 e 30 de maio. O evento motiva, ainda, a publicação de um livro, o 5º volume da Coleção CINUSP, dedicado à obra de Žilnik e à Black Wave, no qual estão incluídos textos críticos sobreseus filmes e sobre o movimento, além de uma filmografia ilustrada e entrevistas com o cineasta.

Želimir Žilnik nasceu na Sérvia em 1942 e teve sua primeira experiência de trabalho em 1960 em sua terra natal, Novi Sad, como editor-chefe de uma publicação local chamada Fórum da Juventude. Ali, escreveu críticas de cinema e se tornou membro ativo do cineclube da cidade, onde produziu curtas-metragens experimentais a partir de meados dos anos 1960. Mais tarde, ganhou experiência na produção de longas-metragens trabalhando como assistente de direção para Dušan Makavejev, com quem realizou Um Caso de Amor, ou o Drama de uma Empregada da Companhia Telefônica, incluído nesta retrospectiva apresentada agora pelo CINUSP. Fez sua estreia como diretor de longa-metragem em 1969, com Early Works, considerado um dos filmes mais representativos da Onda Negra Iugoslava e premiado naquele ano com o Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim, um feito admirável para um cineasta em início de carreira. Esse prêmio de prestígio, entretanto, não ajudou o diretor a preservar sua independência criativa na Iugoslávia, já que Early Works foi banido pelo regime socialista e levou Žilnik à uma emigração forçada que o impossibilitou de continuar a fazer filmes em seu país nativo. Ele partiu então para a Alemanha Ocidental, onde realizou alguns documentários de forma independente. Um desses filmes foi considerado controverso, o que levou ao seu retorno à Iugoslávia em meados dos anos 1970, para trabalhar tanto em televisão quanto como documentarista.

No início dos anos 1990, Žilnik testemunhou e registrou a dissolução de seu país em alguns documentários aclamados e continuou sua carreira como diretor sérvio sob um novo regime político e artístico: o capitalismo pós-comunista ou neoliberal. Como único diretor da Black Wave original ainda em atividade e com uma experiência considerável em diferentes regimes cinematográficos – ocidental e oriental, capitalista e socialista –, Žilnik pode servir como um perfeito estudo de caso para investigar os vários tipos possíveis de independência artística, bem como a complexa ligação entre independência e transnacionalidade. Sua carreira atesta que cineastas podem conquistar liberdade política se eles tiverem a oportunidade de viajar e trabalhar no exterior, mas o preço desta oportunidade é ter que se ajustar a diferentes modelos de produção, de distribuição e de exibição, bem como ao gosto do público.

As principais marcas de sua obra são o investimento no improviso e o rigoroso trabalho de câmera na mão em enquadramentos heterodoxos. Também é bastante clara a recorrência, ao longo de toda a sua filmografia, de uma preferência quase exclusiva pela abordagem de tópicos social e politicamente controversos. A busca por autenticidade em produções que mesclam imagens documentais a trechos encenados, com atores profissionais ou não, também aparece como constante de um método que o realizador atribui não só a intenções estéticas e políticas, mas também a contingências da própria realidade da produção cinematográfica iugoslava.

Esta retrospectiva parcial de sua filmografia, que ocupa a sala do CINUSP na Cidade Universitária e também a sala Carlos Reichenbach do Centro Universitário Maria Antônia entre os dias 19 de maio e 1º de junho, representa uma oportunidade única para que os cinéfilos entrem em contato com seus trabalhos mais importantes – a maior parte deles inédita no Brasil –, em um panorama que procura cobrir tanto as inovações advindas da Black Wave iugoslava como seus desdobramentos.

Boas sessões!