MOSTRA GORDON WILLIS (1931-2014)


Tido por muitos profissionais de Hollywood como um mestre absoluto da fotografia de cinema, Gordon Willis protagonizou uma revolução naquilo que até então se entendia por filmagem. Seu trabalho com as sombras e a subexposição em O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, rendeu-lhe a alcunha de “Príncipe das Trevas” e um reconhecimento que levou muitos fotógrafos a se inspirarem no seu estilo e em sua prática. Além do marcante trabalho com Coppola, Willis prestou seus serviços como diretor de fotografia a diretores como Woody Allen, Alan J. Pakula e James Bridges, com quem colaborou em diversos filmes ao longo dos anos 1970 e 80. Embora tenha sido indicado ao Oscar de Melhor Fotografia duas vezes, por O Poderoso Chefão – Parte III, de Coppola, em 1991, e por Zelig, de Woody Allen, em 1984, conquistou apenas um prêmio honorário da Academia, em 2010, por sua “insuperável maestria em luz, sombra, cor e movimento”. Já aposentado desde o final dos anos 1990 – o último filme que fotografou, Inimigo Íntimo, de Alan J. Pakula, foi lançado em 1997 –, Willis faleceu no último dia 18 de maio, prestes a completar 83 anos de idade, motivando inúmeras manifestações de pesar no meio cinematográfico. Em homenagem à sua brilhante carreira, o CINUSP Paulo Emílio promove, entre os dias 2 e 13 de junho, na Cidade Universitária e no Centro Universitário Maria Antônia, a mostra GORDON WILLIS (1931-2014), reunindo dez filmes marcantes de sua trajetória. Trata-se de uma seleção que inclui trabalhos de cinematografia fundamentais para a evolução dessa técnica, além de alguns pontos altos da colaboração de Willis com cineastas de quem foi parceiro constante – Coppola, Allen e Pakula – e exemplos da diversidade temática e estilística dos filmes que tiveram direção de fotografia a seu encargo.

A vivência de Gordon Willis no meio cinematográfico começou ainda na infância, quando acompanhava o dia-a-dia de seu pai, maquiador nos estúdios Warner Brothers. Ainda jovem, Willis ensaiou uma breve carreira de ator, mas, com o passar do tempo, começou a se interessar pela fotografia e pela cenografia. Durante a Guerra da Coreia, alistou-se nas Forças Aéreas e teve a chance de integrar uma unidade de filmagens. Terminada a guerra, filmou documentários por quatro anos e logo começou a ter bom retorno financeiro com trabalho em comerciais. Aos poucos, começaram a surgir oportunidades de filmar com grandes diretores.

Nos filmes da trilogia O Poderoso Chefão, podemos ver por que Willis causou tanta polêmica e foi tão questionado sobre sua filosofia. Quando lhe perguntavam sobre sua decisão de manter os olhos de Marlon Brando sob as sombras, Willis dizia que o padrão hollywoodiano “quanto mais, melhor” não era razão suficiente para orientar suas opções estéticas. Ele fazia questão de deixar claro que seu trabalho com a subexposição nas cenas de interiores não era mera rebeldia sem propósito, mas fazia parte de um processo de reflexão sobre o conjunto do filme, desde o roteiro. Assim, contrapondo-se às cenas externas, de altos níveis de luminosidade e saturação, as cenas internas realçavam o tom sombrio que ele o diretor impuseram ao filme. No segundo episódio da trilogia, esse efeito proposto por Willis foi acrescido de um filtro amarelo-âmbar, que ele usou para dar uma tonalidade antiga às cenas do passado de Don Corleone. Depois dessa experiência, muitos fotógrafos de cinema imitaram esse efeito dourado, mas Willis ressaltava a importância de não se fazer isso indiscriminadamente, dizendo que cada decisão numa filmagem deve corresponder a um processo consciente.

Nas cenas internas da redação do jornal Washington Post vistas em Todos os Homens do Presidente, dirigido por Alan J. Pakula, outro colaborador constante de Willis, pode-se ver o trabalho de mudanças de plano focal que o diretor de fotografia aplicou a suas lentes, colocando mais de um plano em foco ao mesmo tempo. Nesse filme, a intensidade de eventos namise-en-scène exigia múltiplos focos para acomodar muitas ações em extensos planos-sequência. Willis dizia que este foi um dos filmes mais difíceis que ele fez, pois demandava atenção constante para não perder nenhuma informação. Já emKlute – O Passado Condena, novamente trabalhando com Pakula, o fotógrafo se apropria da beleza natural de Jane Fonda para ressaltá-la por meio de jogos de luz e sombras. Com precisão em cada escolha, Willis mostrava a Hollywood que menos também podia ser mais.

Em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, primeiro dos oito filmes que fez com Woody Allen, Gordon Willis traduziu em imagens o calor do romance entre Annie Hall e Alvy Singer por meio da superexposição nas cenas externas filmadas na Califórnia, em contraste com os tons mais frios utilizados nas filmagens em Nova York. Já em Manhattan, terceiro e mais marcante fruto da parceria com Woody Allen, a rica textura das imagens em preto e branco fotografadas por Willis valorizam a beleza e a diversidade da própria cidade, reforçando o sentimento de ambos de que Nova York era uma cidade em preto e branco. Apesar dos boatos, Willis sempre negou que Allen lhe tivesse pedido para imitar ou sequer inspirar-se na fotografia dos filmes dos mestres que tanto admirava, como Federico Fellini, Ingmar Bergman e outros cineastas europeus. “Nunca tivemos uma discussão desse tipo”, afirmou Willis certa vez em entrevista.

Um dos motivos para as parcerias recorrentes entre Willis e determinados diretores certamente reside em sua personalidade “pé no chão”. Ao contrário do que muitos podem crer quando pensam na ousadia revolucionária de seus efeitos de luz e sombras, Gordon Willis sempre frisou a diferença entre a imaginação – o “filme ideal” descrito no roteiro – e as possibilidades de concretizar as ideias em imagens em movimento. Seu talento se deve, principalmente, a uma clara noção de como cada atitude no set irá resultar na tela. Alguns diziam até que o fotógrafo tinha obsessão meticulosa, pois ele se empenhava em fazer testes e amostragens para descobrir os limites de cada tipo de película e ter perfeito controle do resultado, fazendo com que o filme se comportasse exatamente da maneira que ele desejava. Um mestre em absoluto controle do seu ofício, cuja inestimável contribuição ao cinema mundial é agora modestamente relembrada e celebrada por meio dessa programação especial do CINUSP Paulo Emílio.