GREVE


Buscando incentivar o debate em torno da greve de funcionários, professores e estudantes da Universidade de São Paulo, em curso desde o dia 27 de maio último, e aproveitando o poder do cinema para promover reflexão sobre importantes questões sociais e culturais, o CINUSP Paulo Emílio apresenta a partir de agora, e durante a duração dessa paralisação na Universidade, uma programação especial de filmes que abordam, direta ou indiretamente, temas como greve de trabalhadores, mobilização social e estudantil, sindicalismo e estruturas de poder e representação.

Uma vez que a presente interrupção de inúmeros serviços da Universidade afeta diretamente as atividades corriqueiras do CINUSP, essas sessões especiais não terão condições de ocupar toda a tradicional grade de programação da sala de cinema localizada na Cidade Universitária, que geralmente apresenta sessões de segunda à sexta-feira, às 16 e às 19 horas. Por conta disso, essa programação especial da GREVE no CINUSP ocupa apenas o horário das 16 horas, às terças, quartas e quintas-feiras. Por enquanto, estão sendo divulgadas apenas as sessões das próximas duas semanas: conforme a greve na Universidade se estenda ou não ao longo das próximas semanas e meses, novas sessões continuarão a ser agendadas e divulgadas. Além disso, os demais horários não ocupados da grade de programação do CINUSP permanecem à disposição para serem preenchidos por atividades de greve –como debates, palestras e sessões de cineclubes – propostas por institutos, servidores, funcionários, professores, alunos, organizações e grupos de estudo da Universidade, e agendadas mediante a disponibilidade de recursos materiais e humanos. Para solicitar o uso da sala de projeção do CINUSP para atividades dessa natureza, os interessados podem enviar um e-mail com sua proposta para o endereço cinusp@usp.br.

Durante as duas primeiras semanas dessa programação especial do CINUSP em GREVE, a instituição apresenta uma seleção de seis filmes em que se misturam clássicos sobre os temas elencados acima a obras contemporâneas, tanto de ficção quanto documentários, de abordagens bastante variadas. Um clássico do cinema brasileiro incontornável quando o assunto é greve e mobilização social, Eles Não Usam Black-tie abre a programação, na terça-feira, dia 1º de julho, apresentando um embate entre pai e filho em torno de suas diferentes perspectivas da luta sindical e do engajamento. Esse tipo de embate é uma constante inevitável dos movimentos de mobilização social e a situação atual na USP não é diferente. A dificuldade de organização entre as classes e o diálogo entrecortado postergam soluções e distanciam a comunhão de interesses, acarretando danos à experiência universitária de todos. Outro título já clássico incluído nesta programação, cuja pertinência à discussão é absolutamente inquestionável e explicitada já em seu título, A Greve, primeiro longa-metragem do genial Sergei Eisenstein, ainda que tenha sido realizado há quase 100 anos, continua trazendo questões pertinentes às recentes paralisações das atividades da USP, como o desrespeito aos direitos dos trabalhadores, a necessidade de resistir a uma estrutura vertical de poder e a inevitável repressão exercida pelas instituições, escancarada na memorável montagem dialética da cena final. Outro título que aborda literal e didaticamente a questão da greve, também incluído nessa mostra, é Peões, documentário sobre as greves realizadas na periferia de São Paulo durante os anos de 1979 e 1980, realizado por Eduardo Coutinho, falecido em fevereiro deste ano. Apesar das muitas mudanças no cenário nacional ocorridas desde então, as questões levantadas por aquelas lutas sindicais deflagradas há mais de trinta anos ainda têm muito o que acrescentar aos embates político-econômicos contemporâneos, como no caso da USP. A busca por melhores condições de trabalho, assim como a questão orçamentária, são temas que unem a mobilização atual dos trabalhadores da Universidade e os operários das fábricas do ABC do final dos anos 1970.

Ao lado desses três filmes que discutem explicitamente a greve e a mobilização, outros três filmes são trazidos à essa programação inicial de sessões especiais como forma de enriquecer o debate e permitir que ele extrapole questões pontuais e locais vinculadas apenas à atual situação da Universidade. Tudo Vai Bem, de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin, justifica-se em sua pertinência a esse ciclo por se passar durante uma greve de operários e colocar em pauta discussões acerca do engajamento político. Dividido em cinco segmentos independentes, o longa-metragem coletivo italiano Amor e Raiva, por sua vez, é provavelmente um dos filmes mais adequados para acompanhar e pensar a mobilização da USP, principalmente em virtude de seu último segmento, Discutamos, Discutamos, dirigido por Marco Bellocchio e Elda Tattoli, no qual um grupo de estudantes universitários em greve toma uma sala de aula e começa um debate sobre revolução. Sob uma perspectiva estudantil, o filme aproxima da discussão atual em torno da USP outros temas adjacentes e múltiplos pontos de vista sobre eles. Se, por um lado, a multiplicidade dos temas abordados e a busca pela renovação estética têm afinidade com a urgência das demandas dos estudantes, por outro, a fragilidade e a beligerância evidente de alguns dos discursos aponta para a necessidade constante de autocrítica dos movimentos de mobilização social. Por fim, na condição de escolha mais heterodoxa dessa programação, o longa-metragem ficcional e alegórico Cosmópolis, do canadense David Cronenberg, insere a atual crise da Universidade em seu contexto global de intensa agitação política e social, que não se restringe à esfera universitária, fazendo ecoar no âmbito desse ciclo de filmes apontamentos sobre as manifestações sociais correntes e a situação atual do regime capitalista globalizado. O filme traz à tona o debate sobre as formas contemporâneas do capital e de seus agentes, em uma interpretação ácida e mordaz do Zeitgeist da Era da Informação.

Ao apresentar lado a lado nesta programação um conjunto de filmes assim diversificado, no qual questões diretamente ligadas à greve ou pertinentes a ela se somam a outras adjacentes que podem enriquecê-las ou oferecer novos olhares sobre elas, como aquelas vinculadas ao poder e ao sistema capitalista, o CINSUP Paulo Emílio busca enriquecer as visões sobre a mobilização dos trabalhadores, seja fornecendo uma perspectiva histórica ou propondo novas relações possíveis para pensar o momento atual. Um convite para que a comunidade universitária e o público do CINUSP possam assistir a filmes, refletir, debater e engajar-se nesse processo de mudança deflagrado pela greve na Universidade.