QUADRO NEGRO, TELA BRANCA


Com o intuito de provocar o debate sobre o papel das instituições educacionais, o CINUSP Paulo Emílio apresenta ao público a mostra QUADRO NEGRO, TELA BRANCA, que acontecerá entre 30 de outubro e 16 de novembro na sala de exibição do favo 4 e na sala Carlos Reichenbach do Centro Universitário Maria Antônia. Partindo de discussões motivadas pela instauração da greve na universidade no primeiro semestre deste ano, o recorte da mostra privilegia a escola como espaço de disputas simbólicas e reprodução de problemas e tensões sociais expressos na relação entre professores e alunos. Busca ainda trazer a dimensão de conhecimento do ensino, apartada do debate contemporâneo em função de uma leitura utilitária da educação. A ênfase da produção cinematográfica na abordagem da educação a partir de relações interpessoais, notadamente a relação de poder entre alunos e professores, afasta da temática uma discussão sócio-cultural e enfatiza embates pessoais.

Na história do cinema de ficção, é recorrente em nossa memória imagética o subgênero do “professor-herói”. Trata-se de uma estrutura narrativa repetida à exaustão pelo cinema norte-americano – e não só naquele país – em décadas mais recentes, cuja fórmula é imediatamente reconhecível e veicula uma visão iluminista e liberal do ensino. O professor, geralmente substituto, encontra-se em uma escola em processo de decadência. Ele passa a lecionar para uma nova turma de alunos particularmente desajustados, incompreendidos ou desestimulados, que inicialmente o repelem e até o ameaçam. Finalmente, o carisma e trabalho pessoal do professor revertem a situação. Marco desse subgênero é Sementes da Violência, um comentário social sobre a expansão do ensino básico na sociedade pós-guerra e das dificuldades do professor na situação de falta de suporte institucional, preparo de profissional e delinquência juvenil. A solução à crise institucional está na potência do indivíduo de superar as adversidades e transformar o ensino em uma linha de força capaz de mudar destinos. A simplificação do problema social somado ao apelo pop da trilha sonora, com o clássico Rock Around the Clock, de Bill Haley, contribuíram para o sucesso de público e crítica do filme.

A reprodução do discurso de um ideal de intervenção social necessário para lidar com as crises institucionais que a escola passa atravessa diversos títulos. Durante a ascensão conservadora dos anos 80, o gênero será resgatado com figuras mais rígidas, lidando com escolas de periferia mais e mais desgastadas, em geral com estudantes negros ou imigrantes. Nos anos 90 há uma tentativa de subversão do subgênero através de filmes como Sociedade dos Poetas Mortos, uma vez que é a rigidez da escola que é desafiada, mas mantendo a mesma forma de professor-herói e valorizando a potência do profissional. Será apenas nos anos 2000, com a internacionalização dessa forma, que iniciam movimentos de ruptura ou esgotamento desse discurso político em filmes como o francês Entre os Muros da Escola ou A Primavera de uma Solteirona.

Em contrapartida à forma americana de encarar a crise da instituição, um cinema mais crítico, em geral europeu, toca também no tema da crise da escola. Entretanto, identifica-se que o cerne do problema é outro. A crise não está no fato das escolas terem alunos irresponsáveis e desinteressados, ou mesmo devido à expansão do ensino. Problemas de outra ordem emergem, como aspectos doutrinários e repressores da escola, um aparelho do Estado. Ações biopolíticas de controle do corpo estão presentes no documentário de Frederick Wiseman High School e no filme dinamarquês Você não está sozinho, em que a escola age diretamente sobre a sexualidade de seus alunos. Da mesma forma que o discurso hollywoodiano trará o professor-herói como solução aos problemas da instituição, este cinema mais crítico trará a subversão da ordem no espaço escolar como única forma de superação da crise ali vigente. Em Você não está sozinho, no clássico Zero de Conduta, de Jean Vigo e If..., de Lindsay Anderson, radicaliza-se esse discurso de insubordinação exibindo cenários de rebeliões de alunos. Além disso, a mostra traz também Sócrates, da série de filmes sobre filósofos do mestre italiano Roberto Rossellini, em que pensamento e conhecimentos são problematizados. A Onda explora a potência narrativa latente em uma experiência pedagógica, já o curta Deus, Construção e Destruição, da diretora Samira Makhmalbaf, faz parte do filme 11 de Setembro, e é centrado em uma sala de aula no Irã.

Os filmes documentais selecionados apresentam um retrato de uma configuração social do local onde foram realizados, ao mesmo tempo em que tentam registrar o presente visando um entendimento das perspectivas educacionais do futuro. Ser e Ter retrata um fenômeno francês de um professor com uma escola de turma mista, as suas dificuldades e dedicação para com o ensino. Vocacional, Uma Aventura Humana resgata a experiência dos colégios vocacionais do estado de São Paulo e a relação entre as instituições e as outras esferas de governo, na época sob o controle do regime militar, que ajuda a ilustrar as diferenças existentes no sistema educacional brasileiro. Também de produção nacional, Pro Dia Nascer Feliz expressa o desgastado sistema educacional brasileiro, apontando seus impasses.

Por fim, tratando do ensino superior e apontando diretamente para as discussões relativas à atual condição da USP, a mostra traz um dos mais recentes documentários de Frederick Wiseman, At Berkeley, que através de seu cinema direto faz um retrato sobre a universidade de renome americana, focando em sua luta para manter a excelência acadêmica e sua relevância social diante de um expressivo corte de verbas do governo da Califórnia. A juventude, o ensino e a humanidade abarcada nas universidades e seus desafios no século XXI são ingredientes precisos para o debate sugerido no monumental documentário de quatro horas. Após a exibição, ocorrerá uma conversa com Rubens Machado Jr.,professor livre-docente da Escola de Comunicação e Artes (ECA), e Pablo Ortellado, professor doutor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), sobre a crise institucional da escola e como a USP se insere neste contexto.

Boas sessões!