MOSTRA VIAGENS NO TEMPO


Junto do próprio ato de refletir sobre a ideia de tempo, parâmetro quantitativo que faz parte de uma estrutura intelectual que permite aos humanos sequenciar e comparar eventos, surge a vontade de alterar sua lógica e desenvolver fabulações em torno de possibilidades alternativas ao seu curso convencional. Dessa vontade deriva toda uma produção ficcional na literatura e no cinema dedicada a explorar o tema, que dá aos personagens a chance de ir a outros tempos. Entre os dias 20 de março e 17 de abril, o CINUSP exibe uma seleção de filmes cujas narrativas percorrem/envolvem algum tipo dessas viagens. Invariavelmente, são filmes que trazem questões intrigantes sobre causalidade e identidade (o que significa ir para o passado e prevenir o próprio nascimento?), cognição (como é possível ter certeza de estar em outro tempo?), ou mesmo ética (deve-se alterar o passado?).

A Máquina do Tempo, livro do escritor britânico H. G. Wells (1866-1946), é tido como um marco para a instauração desse tema em nosso imaginário. Publicado pela primeira vez em 1895, contemporâneo ao surgimento do cinematógrafo, o livro tem sua importância por popularizar o arquétipo da máquina enquanto o meio que possibilita a viagem. Ao invés do acaso, da natureza, da magia ou do sono, o deslocamento temporal passa a ser controlado pelo homem, que também torna-se responsável pelas eventuais consequências de suas viagens e toma consciência de (ou é dominado por) seus paradoxos. Isso faz com que a viagem seja tratada efetivamente como um dispositivo narrativo, sendo possível empreender idas e vindas no tempo conforme a vontade do autor, resultando em diferentes graus de plausibilidade da história. Nessa mostra, selecionamos dois filmes que se relacionam diretamente com o livro de Wells e a própria figura do autor. O primeiro deles é A Máquina do Tempo, adaptação de 1960 dirigida por George Pal e vencedora do Oscar de Efeitos Especiais em 1961. O outro é Um Século em 43 Minutos, em que o próprio Wells é um personagem da Londres vitoriana que precisa viajar ao futuro para capturar Jack, o Estripador.

Ainda que a narrativa de viagem no tempo e suas convenções tenham se consolidado na literatura, são notáveis as possibilidades de linguagem proporcionadas pelo aparato cinematográfico para intensificar essa experiência. A direção de arte nos transporta para outros tempos através de elementos como a construção de cenários e a caracterização de personagens; a montagem, por sua vez, empreende deslocamentos temporais através de elipses e alternâncias, além de poder justapor perspectivas diversas para uma mesma cena. Esse potencial narrativo é visto em filmes onde os personagens passam pela mesma situação em vários pontos de vista, encontrando-se com eles mesmos em outro espaço temporal conforme as múltiplas linhas narrativas vão se desdobrando. A rigor, o cinema seria uma viagem no tempo (e no espaço, considerando que são conceitos intimamente ligados) por definição, já que o espectador é convidado a imergir numa projeção temporal que não a sua, e a ela retornar ao fim da sessão.

Os anos 60 e 70 foram marcados por uma explosão quantitativa na produção de histórias de ficção científica no cinema. Isto se deve muito à corrida espacial travada pelos Estados Unidos e a União Soviética nesse período da Guerra Fria, que causou uma renovação do ímpeto especulativo pelo progresso científico. Entretanto, ainda que essa renovação tenha injetado novo fôlego às narrativas de viagem no tempo, é difícil tratá-las enquanto subgênero da ficção científica. Além de não haver um consenso sobre a delineação desse gênero, muitas vezes os filmes não envolvem uma trama que dialoga diretamente com teorias científicas, se distanciam da mediação das máquinas ou da representação de um futuro distópico/utópico (como o caso de alguns filmes programados aqui: Os Visitantes, Feitiço no Tempo e O Testamento de Orfeu) que visa à crítica social.

Conseguimos perceber em nossa seleção estilos variados de viagem. Esses estilos geralmente envolvem as intenções das personagens e a consistência da estrutura narrativa. Há filmes em que os personagens viajam pelo tempo com o objetivo de salvar a humanidade de um destino de destruição ou salvar a si próprio, um amigo, um amor ou um mestre. Nesses casos, o fluxo dos acontecimentos é alterável e a presença do viajante está sujeita a paradoxos. Nessa mesma chave, alguns filmes mostram que os personagens não precisam salvar alguém do perigo iminente, mas são forçados a calcular suas ações para que os paradoxos se concretizem e evitem mudanças negativas em suas vidas, como se observa em Primer. Há aqueles em que os personagens apenas visitam outros tempos, sem gerar consequências no presente, criando uma realidade ficcional alternativa como em Os Bandidos do Tempo. Filmes como O Sanatório da Clepsidra e O Testamento de Orfeu são casos de exceção, pois não se preocupam com consistência narrativa, rigor científico e relações de causa e efeito de forma alguma e subvertem a lógica comum ao lançar mão da sobreposição simultânea de temporalidades em linguagem mais poética.

Pudemos concluir que os confrontos culturais e linguísticos resultantes da interação entre personagens de tempos distintos muitas vezes são deixados de lado, algo que configuraria um elemento com alto potencial de inventividade narrativa. A comédia Os Visitantes foge a essa regra, já que a distância de oito séculos entre os personagens é sensivelmente posta em cena. O cinema brasileiro está bem representado por dois filmes: Nem Sansão, nem Dalila, chanchada dirigida por Carlos Manga e o curta Barbosa, em que um homem inventa uma máquina do tempo para voltar ao passado e mudar o resultado da final da copa de 50 entre Brasil e Uruguai. Também no formato do curta-metragem, não esquecemos do clássico La Jetée, filme do francês Chris Marker que,  utilizando uma sequência de fotos, conta uma história da viagem no tempo de um prisioneiro da Terceira Guerra Mundial. Os 12 Macacos, dirigido por Terry Gilliam e também programado na mostra, inspira-se muito na narrativa do filme de Marker. Expandindo ainda mais o escopo de nossa curadoria, exibiremos o anime A Garota que Saltava pelo Tempo. Por fim, tivemos a preocupação de contrastar longas-metragens norte-americanos de grandes orçamentos como Exterminador do Futuro, Predestination, De Volta para o Futuro (a trilogia completa será exibida em sessão especial), com algumas produções de menor orçamento que dão conta de discutir a experiência da viagem no tempo através de uma narrativa perspicaz. Esse é o caso, por exemplo, de Crimes Temporais, filme espanhol no qual a viagem no tempo acontece dentro do mesmo dia e do mesmo espaço cênico.

Boas sessões!