O CINUSP Paulo Emílio apresenta, entre os dias 15 de maio e 03 de junho, a mostra Desassistidos, com um conjunto de filmes que trazem reflexões sobre o tratamento que a sociedade tem dado aos anos de formação do indivíduo. Quando um jovem passa a ser considerado adulto?  Qual a diferença entre o jovem e o menor? Quem é responsável por eles? O processo de amadurecimento é idêntico para todos os indivíduos e culturas? Conhecemos nossos jovens?

As dificuldades enfrentadas na infância e na adolescência são temas recorrentes na história do cinema, o clássico noir Anjos de Cara Suja (1938) aborda a problemática da ineficácia de reformatórios e relaciona a formação dos jovens a processos de identificação com figuras exemplares, sejam elas nocivas ou não. No filme, dois amigos de infância cometem um pequeno crime, sendo um capturado pela polícia e o outro capaz de correr e escapar. Este fato irá lhes conferir destinos muito diferentes.

Nessa mesma chave, em diálogo com o neorrealismo, Luis Buñuel conta em Os Esquecidos (1950) a história de jovens delinquentes. Há nas imagens de violência, crueldade direta dos jovens exacerbada pelo filme, essa abordagem permite tatear a ambiguidade contida nas relações particulares dos jovens e do seu trato social. A crueldade como estratégia de choque reverbera em Laranja Mecânica (1971). No filme de Stanley Kubrick, o conflito do jovem com a sociedade e todas as instituições é duro, ele reage a elas de maneira agressiva. A violência a que é submetido como técnica para sua recuperação fracassa, apesar de ancorada em teses e experimentos médicos.

O filme Polissia (2011), com foco no dia-a-dia do Batalhão de Proteção aos Menores de Paris, instituição do Estado que atua em crimes cometidos contra jovens e crianças, traz uma preocupação social em preservar essas fases da vida, e as dificuldades implicadas nessa postura.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê medidas socioeducativas que visam reabilitar o jovem para que ele se insira na sociedade produtivamente. As medidas adotadas para tal são: advertência, obrigação de se reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internação, dadas de acordo com avaliação das circunstâncias e gravidade do ato. A formação da FEBEM, atual Fundação Casa, criada para internação e atendimento de jovens carentes e infratores, é retratada no filme O Contador de Histórias (2009), inspirado pela trajetória de vida do pedagogo Roberto Carlos Ramos. A narrativa sensível demonstra a dificuldade de permeabilidade entre o universo da criança e do adolescente e a rigidez da instituição. O distanciamento entre os objetivos previstos para a fundação e suas práticas é um relato sobre a diferença de ideias no papel e sua viabilidade institucional.

Essa curadoria, amplamente povoada por obras nacionais, mostra como a exclusão, social e econômica da criança e do adolescente é um mote recorrente em nossa cinematografia. Em Fábula (1965), Arne Sucksdroff lança um olhar estrangeiro sobre a trajetória das crianças marginalizadas no Rio de Janeiro. O cineasta sueco veio ao país para dar curso promovido pelo Itamaraty e pela Unesco, desempenhando papel importante na formação dos realizadores ligados ao Cinema Novo. Em 1964 as filmagens de Fábula foram interrompidas diante de denúncia de cenas que “atentavam contra a segurança nacional”. Pixote - A Lei do Mai Fraco (1980), de Hector Babenco, vai na contramão do olhar de Sucksdorff. A inocência se perde pela vida nas ruas e pelo contexto cruel que o circunda. A narrativa ilustra o cotidiano de errância do menino e suas experiências no universo adulto. O filme de 1987, se mantém como um dos mais comentados retratos no cinema brasileiro sobre a vida nas ruas, tanto por sua potência imagética quanto pelo caso paralelo de Fernando Ramos da Silva, que interpreta Pixote, e foi assassinado por policiais da rota aos 19 anos.

O documentário Juízo (2007) reproduz audiências da II Vara de Justiça de Rio de Janeiro e exibe as condições críticas dos jovens alojados nas unidades de reabilitação. Traz um retrato contemporâneo dos processos de julgamento e punição aos quais os garotos estão sujeitos, estes não correspondem a medidas socioeducativas propaladas pelas instituições. A diretora Maria Augusta Ramos escalou como atores jovens não-infratores que vivem em condições similares àqueles que passaram pelas audiências, impondo ao filme uma  complexidade de linguagem suscitada pelas incertezas sobre o estatuto da situação apresentada.

Buscando também no exercício da linguagem uma janela para tratar temas delicados, Bicho de Sete Cabeças (2001), lança mão de uma montagem ágil e imagens estilizadas para problematizar os efeitos da internação compulsória. Novamente, uma instituição que não dá conta do universo do jovem. Seu isolamento é alargado pela dificuldade de comunicação com o pai. A família pode também ser uma instituição que falha no processo de formação do jovem, tal qual demonstram o filme grego Dente Canino (2009) e o norte-americano Preciosa (2009).

A neurose dos pais condena os filhos à uma vida de reclusão no desafiador Dente Canino. Aqui o desenvolvimento do jovem é comprometido pela completa alienação em relação ao mundo externo, mas a curiosidade e o pequeno acúmulo de experiências, característicos desta etapa da vida, movem os filhos a buscar fissuras no mundo criado pelos pais. O filme sugere um universo altamente peculiar, gerador de uma lógica interna potente, capaz de expressar a dificuldade para se lidar com a etapa de formação, e a subsequente percepção do mundo, que ela pode gerar.

Preciosa - uma história de esperança apresenta também um ambiente familiar hostil e de privações, mas nesse caso, de origem social. Jovem negra, obesa, mãe adolescente, a personagem-título é vítima de todo tipo de preconceito na rua e sofre constantes abusos em casa vivendo em situação de descaso, o que reprime sua aguçada sensibilidade e imaginação. O filme revela as camadas dos mundos interno e externo da personagem comportando-se como ela, com imagens que oscilam entre o ataque e o pedido de ajuda, a violência e a ternura.

Esperamos com a mostra Desassistidos oferecer subsídios para ampliar a discussão sobre a diminuição da maioridade penal, colocada em curso pelo Estado brasileiro. A mostra ainda contará com duas sessões especiais do filme Juízo, acompanhadas de debate sobre o tema, nos dias 26/5, em horário especial (14h) atendendo a demanda da Escola de Aplicação, que trará seus alunos, e 28/5, em horário regular da sala (19h).

No dia 27/05 haverá "O Dia do Desafio na USP: a importância da atividade física ao longo da vida", que faz parte do Festival Ruas de Esporte, promovido pelo PRODHE - Programa de Desenvolvimento Humano pelo Esporte. Nesse dia o Cinusp exibirá o documentário Tarja Branca, na sessão das 19h, como parte do evento.