NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO 2016


Retomando seu olhar investigativo sobre a produção nacional contemporânea, a mostra NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO chega à sua 5ª edição. Com 17 filmes, sendo 4 pré-estreias e ainda com 2 debates com realizadoras, realizadores e críticas, a mostra reúne uma seleção de filmes que propõe reflexões sobre a situação e os rumos do cinema nacional.

Novamente, o CINUSP se lança ao desafio de buscar reconhecer tendências do cinema brasileiro recente, sem ignorar os acúmulos das últimas décadas. Vinte anos após o boom da Retomada, a questão da diversidade não aparece mais como um dado novo: filmes pequenos, médios e grandes foram realizados; as formas de financiamento também permanecem diversas, com produções independentes, filmes de coletivos, coproduções internacionais, parcerias com a Globo Filmes e outras grandes produtoras etc. Com relação às escolhas estéticas e dramáticas, há os filmes que suspendem a narrativa, que negam o drama em privilégio da sensação, perambulação ou contemplação; mas também filmes de narrativa clássica, comédia, horror. Persiste também, muitas vezes, o descompasso entre ano de produção e de lançamento dos filmes, dada a falta de integração entre setores de produção, distribuição e exibição no Brasil, sendo ilustrativo o caso hiperbólico de Chatô – O rei do Brasil cuja produção teve início em 1994 e foi lançado somente em 2015.

A conexão dos filmes com os debates do ano corrente, a partir de como foram apresentados e aceitos pelo público e pela crítica, é determinante para indicar o que teve maior relevância no cenário cinematográfico nacional. A relação entre o quanto um filme se contamina do debate político de seu tempo e, por outro lado, o quanto ele o estimula ou aprofunda é uma questão relevante que se coloca. E, em 2015, quem esteve à frente desse debate foram as mulheres.

A representatividade feminina na sociedade esteve no centro das discussões durante o ano, sucederam em diversas ocasiões públicas, ocuparam as redes sociais. Notadamente, ela também se manifestou nas produções e nos debates acerca do cinema brasileiro. Não somente a respeito das mulheres personagens, que protagonizam grande parte dos filmes dessa curadoria, mas também a respeito das diretoras, das atrizes, das fotógrafas, montadoras, roteiristas, produtoras etc. Em números absolutos a participação feminina na direção do cinema nacional deixa bastante a desejar, representando apenas 14,8% dos filmes em 2015, de acordo com dados divulgados pela ANCINE. Houve, entretanto, um aumento de 1,6% na participação em relação ao ano anterior. Além disso, muitos destes títulos tiveram grande relevância na crítica e um bom desempenho no mercado, que fez das diretoras mulheres responsáveis por 20% da bilheteria nacional. Ou seja,  filmes dirigidos por mulheres tiveram, em média, um resultado de público 44% maior do que o dos homens

Que horas ela volta?, escrito e dirigido por Anna Muylaert, tornou-se protagonista deste debate, por diversos motivos, entre eles sua potente narrativa que transita entre o drama e a comédia e que retoma temas caros ao cinema brasileiro, como a estrutura de classes e as mudanças sociais, sua bem sucedida carreira em festivais internacionais e a presença de mulheres como condutoras tanto da narrativa como da equipe técnica do filme — diretora, diretora de fotografia, técnica de som, montadora, entre outras. A mostra realizará uma sessão especial seguida de debate com a diretora para conversar com o público sobre essas questões.

Aproveitando-se do debate politico sobre o aborto presente e intenso no momento de seu lançamento, Olmo e a gaivota, de Petra Costa e Lea Glob apostou em uma divulgação ostensiva e polêmica relacionando-o ao tema. Curiosamente o filme não trata diretamente de aborto, sendo sua principal questão a gravidez de uma atriz. Seguindo a tendência de hibridização entre documentário e ficção, o filme mescla cenas reais com encenações de situações do dia-a-dia vividas pelas personagens. Alinhado com essa mesma tendência está O Touro, longa-metragem de estreia da diretora Larissa Figueiredo, que aborda temas que extrapolam o cotidiano documental e alcançam a fantasia, o mito e o sincretismo religioso.

O espaço cavado pelas mulheres resulta em filmes tão diversos entre si quanto o são as realizadoras por trás de cada projeto. A misteriosa morte de Pérola trabalha com a tensão entre o cinema de horror e a diluição dos elementos de gênero, numa narrativa que é antes atmosférica que dramática, mas que funciona como produto (assustador) final. Realizado por Guto Parente e Ticiana Augusto Lima, sob a égide do coletivo cearense Alumbramento, traz uma protagonista feminina encarnada pela própria Ticiana, que assina também a direção de arte e o figurino do filme.

Califórnia, primeiro longa de ficção de Marina Person, formada em Cinema na USP, é mais uma obra em que uma diretora se lança a contar a história de uma personagem feminina, neste caso, uma adolescente de 17 anos em processo de autodescobrimento, carregado de influências musicais da juventude dos anos 80. Uma das sessões do filme contará com a presença da diretora e dos atores para uma conversa com o público.

O documentário Cativas — presas pelo coração, aposta em uma abordagem que transita entre o kitsch e o afetuoso, ao acompanhar de perto o cotidiano de visitas e saudades de namoradas, esposas e companheiras de presidiários. O filme foi montado por Jordana Berg, e além deste título, a mostra contará com mais dois de seus trabalhos: Eduardo Coutinho, 7 de outubro, dirigido por Carlos Nader, e Últimas conversas, do próprio Eduardo Coutinho, de quem Jordana foi importante colaboradora, tendo editado 8 de seus filmes. As duas sessões compõem uma homenagem a Coutinho, falecido em 2014, contando ainda com debate com Jordana Berg.

A presença feminina gera desdobramentos também em produções não protagonizadas por mulheres. Casa grande, de Fellipe Barbosa, ainda que se centre em um protagonista masculino, traz personagens femininas que “roubam a cena”, sendo que tanto a empregada quanto a namorada do protagonista sacodem o mundo masculino ordenado, questionando explicitamente seus privilégios ou exercendo sobre ele uma influência transformadora, com relação a gênero e sexualidade, mas também a raça e classe.

Beira-mar, de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, é um drama de amadurecimento que também passa pelo questionamento da “masculinidade” (ou: heterossexualidade masculina), ao abordar o microuniverso de dois amigos que ecoam tensão homoerótica. Esse mesmo questionamento de estereótipos de gênero ganha outros contornos no premiado Boi Neon. No ambiente da vaquejada, marcado pelo machismo, papéis tradicionais se complexificam com bastante naturalidade a partir da perspectiva do peão Iremar, que sonha ser estilista, e de Galega, mãe solteira e motorista do caminhão do grupo de vaqueiros. A Seita, longa de estreia de André Antônio, do coletivo Surto & Deslumbramento, também põe em crise os papéis de gênero, situando suas personagens afeminadas numa Recife futurista, vazia, recortada de referências pop.

Mas seria essa presença feminina promotora de algum tipo de mudança real? Visando aprofundar a questão realizaremos debate com a pesquisadora e crítica Ilana Feldman e com a professora e pesquisadora Esther Hamburger após sessão especial do filme Loucas pra casar, maior bilheteria do cinema nacional em 2015. Demonstrativo de uma enorme aceitação de protagonistas femininas pelo público, além das esperadas gags, o filme traz uma reviravolta no final, chacoalhando um pouco as próprias bases pelas quais ele constrói seu humor. Daí se expõem possíveis novidades nos paradigmas de representação, os quais perpassam toda curadoria.

Além dos títulos de nossa programação regular, a mostra contará ainda com as pré-estreias dos filmes Garoto, mais recente realização de Julio Bressane; Ato, atalho e vento, filme de Marcelo Masagão que reúne num apurado trabalho de montagem trechos de 143 filmes, em sessão seguida de debate com o diretor.

Boas Sessões!


Debate com Marina Person

Debate realizado no dia 25 de fevereiro com Marina Person, formada em Cinema pela USP, após exibição do seu primeiro longa-metragem de ficção, Califórnia.