DANÇA COMO CINEMA


Entre os dias 15 e 28 de agosto, o CINUSP Paulo Emílio apresenta um conjunto de filmes, em sua maioria inéditos no Brasil, que mostram danças que só existem no cinema. Esta “dança como cinema é uma manifestação artística que parte da dança e avança em direção à linguagem audiovisual, gerando uma fusão entre esses dois meios autônomos, que encontram seu ponto de contato na movimentação corporal e extrapolam o mero registro audiovisual.

A curadoria da mostra é fruto da pesquisa do professor Cristian Borges do departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA USP, em parceria com o pesquisador francês Xavier Baert, da Cinemateca da Dança do Centre National de la Danse, de Paris.  A mostra traz mais de 50 curtas metragens raros que serão distribuídos em sessões autorais de realizadores  (Maya Deren, José Agrippino de Paula, Norman McLaren, Philippe Decouflé e Ed Emshmiller) e sessões temáticas (Primeiros Passos, Diretoras e Coreógrafas, Danças Visionárias, Corpos Animados, Dança em Cena, e Corpos de Imagens), também serão exibidos os longas-metragens: O Grande Mestre, mais recente trabalho do diretor chinês Kar Wai Wong e Belezas em Revista, coreografado por Busby Berkeley.

 Estão programadas quatro sessões de debates com realizadores e pesquisadores. Dia 16/ago no projeto Cinema e Corpo haverá uma palestra dedicada à mostra com o Prof. Cristian Borges.  Dia 17/08, contaremos com a presença da realizadora Analivia Cordeiro, pioneira da videodança no Brasil, numa sessão dedicada aos seus trabalhos seguida de debate. No dia 24/ago teremos um debate após exibição da sessão Danças Visionárias com a presença de Xavier Baert e o Prof. Pedro Cesarino do Departamento de Antropologia da FFLCH/USP. E no dia 25/ago, no Maria Antonia, haverá o debate “Perspectivas da dança como cinema” com a presença da bailarina Inês Bogéa, diretora da São Paulo Companhia de Dança e Prof. Cristian Borges.

 Em um artigo-manifesto intitulado “Dance as Film”, publicado em 1969-70, a dançarina e cineasta Amy Greenfield define a dança como “graus de energia que se exteriorizam a partir daquilo que está interiorizado (pensamento, emoção, sensação, memória etc.), uma energia que assume a forma do corpo humano se movendo no espaço e no tempo”; enquanto que a dança como cinema seria a “energia do corpo humano em movimento que se exterioriza de tal modo que só pode ser captada pela película, organizada pela montagem e comunicada pela projeção”.

 Daí sua discrepância em relação ao mero registro da dança: pois se neste a dança existe a priori e independentemente de sua captação pela câmera, na dança como cinema, ela só existe em função do aparato cinematográfico, sendo por ele provocada e concretizada.

Uma artista pioneira da prática da dança como cinema foi Maya Deren, cineasta e teórica da vanguarda americana do segundo pós-Guerra.  No filme A study in choreography for the câmera, Deren consegue multiplicar a figura do dançarino na floresta em que o filme inicia, além de aproximar lugares geograficamente distantes, culminando num salto que se estende por vários planos, durando muito mais do que um salto normal visto a olho nu. Em Ritual in transfigured time, os movimentos dos dançarinos são congelados, demonstração clara da manipulação do tempo propiciada pelo cinema. 
 

No longa-metragem Belezas em Revista, de Lloyd Bacon, as coreografias (de Busby Berkeley) dos números musicais são construídas através de diferentes pontos de vista da câmera com virtuosos planos de imagens capturadas debaixo d’água e outros planos zenitais (plongées absolutos) que formam mandalas com os corpos das bailarinas. Este recurso do plano zenital é também utilizado no curta Abracadabra de Philippe Decouflé, realizador que terá uma sessão dedicada a seus trabalhos.

Por outro lado, a multiplicação dos corpos dentro do quadro e sua dissolução em ecos visuais aparece com força no filme Pas de deux, de Norman McLaren, através do uso de stop-motion. O mesmo diretor recorre à câmera lenta em Ballet Adagio e ao espelhamento dos corpos na tela em Narcisus, no qual já se empregam efeitos de “imagem virtual”.

 Alguns filmes explorarão, para além do close e da montagem, o quadro e o fora de quadro a fim de dinamizar a relação entre aquilo que vemos na tela e o espaço que se encontra excluído do campo visual, como no curta Ar de Analivia Cordeiro. Em outros trabalhos, como Slow Billie Scan, 0-45 version 1 e M 3x3, a realizadora recorre a outras “impossibilidades” da dança que são tornadas possíveis na tela fazendo uso de imagens computadorizadas, também utilizadas em Merce by Merce by Paik (Sessão Corpos de Imagens), de Merce Cunningham e Charles Atlas, obra crucial nesta mostra, que marca a passagem da dança como cinema ao cinema como dança – tema de uma 2ª mostra – a ser realizada em 2017.

A mostra é um convite à investigação de um tipo de dança que utiliza recursos próprios ao cinema e estrangeiros à dança tradicional como o enquadramento e o recorte espacial que o cinema propicia. Essas danças, sejam elas coreografadas, parte de um ritual indígena (como Xapiri e Tutuguri que serão exibidos na sessão Danças Visionárias) ou ligada às artes marciais (O Grande Mestre e Meditation On Violence), como o kung fu, ou ainda que estejam no limiar da experiência e do gesto, como em Céu sobre a água, de José Agrippino de Paula, não seriam executáveis sem o aparato cinematográfico. Apresentamos ao público pois, danças que só o cinema dá a ver.


Boas sessões!
 

AYUME OLIVEIRA

PEDRO NISHIYAMA