DIB LUTFI: FOTÓGRAFO E CÂMERA DO CINEMA BRASILEIRO


De 14 a 27 de Novembro, o CINUSP apresenta a mostra Dib Lutfi - Fotógrafo e Câmera do Cinema Brasileiro.

 

Alguns dos grandes momentos do cinema brasileiro das décadas de 1960 e 1970 foram captados pela câmera nas mãos de Dib Lutfi. Detentor de extraordinária habilidade, desenvolvida na TV Rio onde trabalhou de 1957 a 1962, o fotógrafo e operador de câmera apoiava nas mãos e no ombro as pesadas câmeras 35mm e era capaz de imprimir na imagem uma estabilidade ímpar mesmo ao realizar movimentos complexos e inusitados. A leveza que Dib conferia ao movimento da câmera chamou a atenção dos cineastas do Cinema Novo e a técnica de uma câmera solta e andante (não obstante, precisa) correspondia aos anseios destes cineastas que buscavam uma nova linguagem para um cinema moderno. Glauber Rocha, um dos cineastas fundadores do Cinema Novo, cunhou uma máxima para o movimento: “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça!”. Dib se tornaria a principal “câmera na mão” das ideias dos cinemanovistas.

 

Seria um equívoco, no entanto, pensar em Dib como apenas uma ferramenta mecânica. Sua técnica era indissociável da criação e Dib superava convenções ao imprimir uma marca autoral em seu trabalho. É notória a relação que estabelece entre o movimento da câmera e o enquadramento da imagem com a performance da personagem em cena, criando uma singular dança entre câmera e ator. Dentre muitos outros talentos particulares do fotógrafo, as evidentes contribuições artísticas de Dib revelam que a sua técnica era um meio de execução de seu olhar; de sua sensibilidade diante do que estava sendo filmado, do conceito do filme e de sua concepção artística de como aquilo deveria ser filmado. 

 

Esta mostra apresenta Dib Lutfi a partir de uma seleção de filmes que ressaltam seu extraordinário trabalho nas décadas de 1960 e 1970, quando desempenhou um papel fundamental como operador de câmera e diretor de fotografia de obras do Cinema Novo e seus desdobramentos mais imediatos.

 

De 1964, Esse mundo é meu foi o primeiro longa-metragem no qual Dib exerceu essas funções. O filme é um laboratório de experimentação e exercício para o jovem Dib. A câmera corre ao lado de uma bicicleta em alta velocidade, lentamente

caminha por uma serralheria e paira junto a um casal de amantes. Entre planos-sequência, travellings, panorâmicas e tilts o filme anuncia o surgimento de um virtuoso artista da câmera.

 

Dib realiza em 1966 seu primeiro filme com o cineasta Cacá Diegues: A grande cidade. Entrelaçando a história de 4 personagens, a câmera captura importantes paisagens do Rio de Janeiro e perambula pelas ruas da cidade que foi cenário de muitos filmes do Cinema Novo. A parceria entre Dib Lutfi e Cacá Diegues continuaria nos três filmes posteriores do diretor.

 

Dib trabalha com Glauber Rocha em 1967 e realiza um dos filmes mais importantes da história do cinema brasileiro: Terra em transe. A fotografia do filme se adequa perfeitamente à ambição grandiloquente de Glauber de realizar uma interpretação política e alegórica do Brasil. A câmera sobe sem tremer as escadas do palácio acompanhando o discurso do político Porfírio Diaz, se fixa nos rostos das personagens que olham diretamente para a câmera e falam para o espectador. 

 

Com a direção de Arnaldo Jabor, opera a câmera de A opinião pública, importante documentário de 1967 sobre a classe média do Rio de Janeiro. O trabalho do câmera no documentário é muito diferente do trabalho na ficção. Sob condições imprevisíveis, dada a necessidade de lidar com acontecimentos não ensaiados, o operador de câmera se apoia em sua experiência e intuição para continuamente lidar com o inesperado. Estes atributos se fazem presentes a cada cena, a cada plano. 

 

Com Nelson Pereira dos Santos, um dos cineastas mais importantes e mais produtivos da história do cinema nacional, realiza Azyllo muito louco e Como era gostoso o meu francês. Livremente inspirado no conto O alienista, do Machado de Assis, o Azyllo muito louco retrata o Brasil no século XIX e representou o Brasil no Festival de Cannes em 1997. Também inspirado na literatura, Como era gostoso o meu francês se baseia nos escritos de Hans Staden, viajante francês que no século XVI foi capturado pelos tupinambás. Ambos os filmes são bons exemplos da relação entre a câmera de Dib e o ator em cena.

 

Em 1978, Dib faz a direção de fotografia e opera a câmera de A lira do delírio, dirigido por Walter Lima Júnior. Um caótico carnaval de rua do Rio de Janeiro se mistura com uma narrativa policial errática, protagonizado por Paulo César Pereio e Anecy Rocha, envolvendo sequestro de crianças, tráfico e assassinatos. O lírico e o onírico do carnaval são representados de maneira distorcida. A harmonia do carnaval se revela problemática e a fotografia do filme corrobora o estranhamento por meio do movimento de câmera e do uso de lentes grande-angulares. O trabalhou de Dib nesse filme lhe rendeu o prêmio de Melhor Fotografia no Festival de Brasília do ano.

 

Próximo de terminar esta curadoria, nossa equipe do CINUSP foi surpreendida pela triste notícia do falecimento de Dib Lutfi. Não planejamos nossa mostra como uma homenagem póstuma, que mereceria uma retrospectiva completa de seu trabalho. Mas nossa singela homenagem pincela ao menos uma parte da obra de, talvez, o maior fotógrafo da história do cinema brasileiro e certamente um dos maiores da história do cinema mundial. No entanto, essa pincelada continua servindo também a seu propósito original. Como muitos outros artistas brasileiros, Dib é ameaçado constantemente de cair no esquecimento. Olhar de perto a obra de Dib Lutfi e celebrar seu trajeto é parte importante de um necessário e contínuo processo de cultivo da memória de seu trabalho e do cinema nacional como um todo. Afinal, as parcerias de Dib com os muitos diretores com os quais trabalhou criaram momentos antológicos do nosso cinema. Essa antologia é nosso patrimônio. Dib infelizmente nos deixou. Mas seus filmes ficam.

 

Mauricio Battistuci

Thiago Oliveira

 

Com agradecimentos especiais a Lauro Escorel e Cacá Diegues.