HORROR FOLK: DAS RAÍZES AOS FRUTOS MALDITOS
Vilas isoladas, tradições pagãs ancestrais, rituais em círculos de poder, invocações de entidades sombrias, possessões demoníacas: o horror que emerge do passado rural, tormento da modernidade urbana, é o elemento basal da mostra HORROR FOLK: DAS RAÍZES AOS FRUTOS MALDITOS, em cartaz no CINUSP Paulo Emílio de 29 de maio a 14 de junho. A expressão folk horror, que deu origem a esta mostra, refere-se inicialmente a produções britânicas das décadas de 1960 e 1970, mas pode ser expandida para englobar obras de outros países e períodos que também giram em torno de práticas pagãs, situadas em localidades rurais.
Alguns filmes da mostra podem causar estranhamento à primeira vista se comparados aos parâmetros atuais e locais de filmes de terror. Vale lembrar que o conceito de “horror”, relacionado a ideias como “medo”, “repulsa” e “aversão”, é visto de formas diferentes em cada cultura e passou por diversas releituras ao longo do tempo.
O boom desse subgênero no final dos anos 1960 pode ser relacionado ao declínio do movimento hippie e à consequente desilusão política e espiritual de uma geração, refletindo no cinema em uma produção sombria, que aborda aspectos difíceis da relação entre o ser humano, a natureza e as crenças espirituais.
Um dos exemplos mais emblemáticos do subgênero é O homem de palha (1973), o último título daquilo que ficou conhecido como “trilogia profana”. Integram o grupo O caçador de bruxas (1968), que apresenta uma visão violenta do período da inquisição, mostrando um sistema de injustiças e autobenefícios que guarda suas semelhanças com a contemporaneidade; e O estigma de Satanás (1971), uma performance perturbadora com cerimônias orgiásticas de mutilação, sexo e assassinato numa estranha comunidade da Inglaterra no século XVIII. Produzidos entre 1968 e 1973 no Reino Unido por diferentes diretores, esses três filmes foram fundamentais para consolidar o conceito de folk horror.
Como precursor do folk horror, podemos apontar o célebre Häxan - A feitiçaria através dos tempos, feito em 1922 na Dinamarca, muito avançado para sua época na encenação de fatos e superstições sobre bruxaria, inserindo voos de bruxas e estarrecedores rituais satânicos.
Ainda na Europa, a mostra inclui A maldição do demônio (1961), de Mario Bava, diretor prolífico e um dos mestres do horror italiano. O filme causou polêmica devido a cenas violentas e sofreu censuras em diversos países.
O folclore russo rende a sinistra história de um monge que se vê frente ao espírito de uma bruxa que invoca demônios, fantasmas e outros seres para atormentá-lo: Viy - O espírito do mal (1967). O filme é inspirado no conto Viy, de Nikolai Gógol, que transpôs para a narrativa uma lenda popular da forma como a ouviu.
Temos ainda o japonês Kwaidan (1965), de Masaki Kobayashi, que apresenta uma sequência de quatro histórias baseadas no livro de mesmo nome escrito por Koizumi Yakumo. O autor coletou narrativas populares do imaginário nipônico pertencentes ao gênero literário kaidan, composto por histórias que tratam do estranho e do misterioso. O filme foi premiado no Festival de Cannes em 1965.
Já na América Latina, contamos com o mexicano Veneno para as fadas (1983), de Carlos Enrique Taboada, filmado a partir do olhar de duas crianças, que são influenciadas pelas histórias de bruxaria que os adultos contam. O filme passa por temas como feitiçaria e pacto demoníaco.
Apresentamos também o nacional O homem que não dormia (2011), de Edgard Navarro, que aborda o horror na perspectiva folclórica brasileira, trazendo histórias presentes no imaginário nacional - como caipora e mula sem cabeça - e interligando-as diretamente à vida das pessoas de uma cidade pequena no interior da Bahia. Além das lendas já conhecidas, uma narrativa folclórica é construída ao longo do filme. O mesmo se dá em A Vila (2004), de M. Night Shyamalan. O filme traz a história de uma vila remota e rural na qual as crenças dos seus fundadores se tornam instrumentos de controle social através do medo e do silêncio.
Os frutos mais recentes do folk horror incluem o sucesso estrondoso de Robert Eggers, A bruxa (2015), que expõe o paganismo num contexto sombrio e de relações humanas cruéis, mesclando feitiçaria, magia negra e possessão. O filme foi premiado em festivais como o de Sundance, em 2015.
Afastando-se da área rural, Suspiria (1977), de Dario Argento, não se relaciona por completo com o folk horror, já que se passa no ambiente de uma academia de dança de Berlim. Como nos outros filmes, a trama se desenrola dentro de um espaço limitado com pouca influência externa e com suas regras e crenças próprias, tudo isso em cores vivas e trilha sonora instigadora.
A seleção de filmes permite que o público viaje por culturas diferentes e suas concepções sobre o oculto, o estranho e o que causa medo, com produções que vão desde a década de 1920 até a atualidade.
Giulia Martini
Maria Carolina Gonçalves
Rená Zoé
Vitoria Freitas