VIBRAÇÕES: A MÚSICA NO CINEMA
A música, elemento componente do cinema desde os seus primórdios, por vezes assume papel preponderante em uma obra, podendo guiar a trama narrativamente, orientar a forma, ser tema em documentários. A mostra Vibrações: A música no cinema explora essa comunhão entre o cinema e a música com filmes de diversas partes do mundo e períodos históricos, contemplando variados gêneros e estilos musicais e cinematográficos. Arranjadas, as vibrações sonoras da música têm o poder de mobilizar sentimentos junto a públicos diversos, atravessando fronteiras linguísticas, regionais e culturais. A curadoria pretende suscitar junto ao público uma diversidade de experiências, confiando no potencial que a música tem de instalar e moldar estados de espírito.
Uma relação bastante direta entre música e cinema pode ser apontada em biografias musicais, como é o caso de Controle: A História de Ian Curtis, filme que reconstrói a cena pós-punk britânica de finais da década de 1970, revelando as influências musicais e o interior convulso do vocalista da banda Joy Division. Outro aspecto que deixa ver a intimidade entre música e cinema é o da ficção musical, contemplado na curadoria por Dançando no Escuro, por vezes descrito como um anti-musical, avesso a algumas convenções do gênero. O filme é protagonizado por Björk e traz composições originais da cantora, sendo as músicas construídas a partir de ruídos do cotidiano da personagem, como sons de máquinas de fábricas, barulho de trem, passos. Um clássico do musical, O mágico de Oz, integra a mostra numa experiência particular, fundido ao álbum The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, resultando no experimento The Dark Side of Oz. A origem desse efeito é atribuída a fãs da banda, que identificaram a sincronicidade a partir da junção das duas obras.
Outra forma clássica de abordar a música no cinema é por meio de documentários musicais, como é o caso do brasileiro As Canções, em que Eduardo Coutinho apresenta histórias comoventes vinculadas à música popular brasileira, valendo-se de canções de Roberto Carlos, Chico Buarque e Jorge Benjor. Em Filhos de João, O Admirável Mundo Novo Baiano, é abordado o papel de João Gilberto na musicalidade original dos Novos Baianos, traçando-se um panorama de um dos períodos mais efervescentes da produção musical brasileira. Há ainda o documentário de Wim Wenders indicado ao Oscar, Buena Vista Social Club, de relevância histórica na luta contra a discriminação racial e na divulgação da cultura afro-caribenha. É uma imersão na cena musical de Havana, tratando da música popular cubana desde os anos 1940, com números musicais e depoimentos dos lendários músicos do grupo.
Documentários experimentais também integram a mostra, como Heima, que acompanha a banda Sigur Rós em apresentações por lugares selvagens e inóspitos da Islândia. As paisagens se fundem à música etérea do pós-rock, criando um novo sentido de fruição da música em comunidade. Em The Velvet Underground and Nico, Andy Warhol registra um ensaio da banda, em que a imagem segue de forma impetuosa o ritmo da música, com a câmera operando zooms caóticos e movimentos imprevisíveis, afim à sonoridade noise da sessão de improviso. A captura, com o propósito inicial de ser projetada no fundo do palco em performances ao vivo da banda, consiste numa obra instigante e consistente por si só, que emana liberdade, transgressão e integração ao cotidiano. A parceria do compositor Philip Glass com o diretor Godfrey Reggio em Koyaanisqatsi: Uma Vida Fora de Equilíbrio resulta em um poema sinfônico visual, sem diálogo ou narração, em que elementos sonoros e visuais se ressignificam intensamente, tecendo uma crítica impregnante e perturbadora sobre a vida urbana.
A dimensão particular da música, mesclada à vida cotidiana, expressa-se fortemente no documentário Latcho Drom, inteiramente guiado por números de música e dança de comunidades ciganas, da Ásia à Europa, surgindo como índice de resistência cultural de um povo nômade perseguido em diversos países. Aparece também fundida ao cotidiano em Plataforma, em que as transformações políticas ocorridas na China entre o fim da década de 1970 até o início dos anos 1990 — com a passagem de uma noção de coletividade, presente nas canções do período maoísta, para expressões de individualidade com uso da primeira pessoa do singular, numa crescente influência estrangeira.
Nos anos 1980 ocorre a popularização dos videoclipes e da chamada “estética MTV”, o que exerce influência sobre o cinema de diversos países. A estética pop, incorporada à música erudita em Ária, resulta em uma colagem transnacional de dez curtas-metragens de óperas que guardam proximidade com videoclipes. A mostra conta ainda com a exibição de videoclipes e curtas antes dos longas — uma surpresa para o público, que pode esperar artistas fundamentais à história do videoclipe, como Derek Jarman, experiências contemporâneas de cineastas dirigindo videoclipes, caso de Spike Jonze, Michel Gondry e Romain Gavras, alguns cantores que dirigem os próprios videoclipes, como Kevin Abstract, Jaloo e Grimes, além de registros de outros artistas que aparecem em longas da mostra, como João Gilberto, Björk e a banda Sigur Rós. Por fim, a Sessão Vincent Moon contempla um conjunto de curta-metragens do filmmaker francês com uma das maiores filmografias da história do cinema. Entre vários projetos audiovisuais, Vincent Moon viajou o mundo entre 2009 e 2013, registrando cenas folclóricas, músicas sagradas e rituais religiosos.
O CINUSP convida o público a desfrutar experiências imersivas e sensoriais na mostra Vibrações: A Música no Cinema, explorando a potência universal da fusão entre cinema e música, catalisadora de emoções, rupturas, explosões. De olhos e ouvidos vibrando juntos: boas sessões!
Ayume Oliveira
Joyce Rossi
Rena Zoé
Thomás Ceschin