TODO PODER AOS SOVIETES!
No centenário da Revolução de Outubro, o CINUSP traz ao público a mostra TODO PODER AOS SOVIETES! com filmes e debates que exploram a temática da Revolução e do estado operário soviético em seus primeiros anos de existência, marcados pela destruição decorrente da Primeira Guerra Mundial e da Guerra Civil Russa e por radicais transformações sociais, políticas e artísticas. Esse período de grande inovação estética é considerado a “época de ouro” do cinema soviético e é encerrado com a ascensão do stalinismo e a imposição do realismo socialista como estética oficial.
Do ponto de vista econômico, em 1905, a Rússia era um país majoritariamente agrário, mas portador de um importante setor industrial financiado pelo capital estrangeiro e de grandes pólos urbanos industriais como São Petersburgo e Moscou. Cerca de 80% da população vivia no campo e praticava uma agricultura rudimentar sob um regime de semi-servidão e em situação de miséria. Nas cidades, os operários tinham jornadas de trabalho de até 15 horas e baixos salários. No campo político, todo o poder se concentrava nas mãos do czar, apoiado na nobreza feudal.
Em janeiro de 1905, uma multidão liderada pelo padre Gueórgui Gapon se dirigiu ao Palácio de Inverno de São Petersburgo, residência do czar, reivindicando melhores condições de vida e trabalho. As massas foram recebidas a tiros. O massacre entrou para a história como o "Domingo Sangrento" e desencadeou a Revolução Russa de 1905. Considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema, O encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein, traz uma imagem do período, mostrando a rebelião dos marinheiros do navio de guerra Potemkin e o apoio da população.
Foi nesses levantes que surgiram os sovietes (conselhos de trabalhadores), instrumentos de auto-organização compostos por representantes eleitos nos locais de trabalho. Sua finalidade era organizar as greves e a resistência, mas, quando as atividades econômicas foram interrompidas pelas paralisações, os sovietes tiveram de assumir também funções de governo, cuidando da segurança pública e providenciando os serviços essenciais.
O czarismo conseguiu controlar as revoltas, dissolver os sovietes e se manter no poder. No entanto, esses eventos prepararam as Revoluções de 1917: a experiência dos sovietes ensinou às massas um modo de se organizar e as lutas obrigaram os grupos políticos, que atuavam nesses conselhos, a definirem suas estratégias.
Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário Juliano da época), trabalhadoras de fábricas de São Petersburgo saíram em greve, denunciando suas condições de trabalho, a fome e a guerra. As paralisações e os atos se propagaram, culminando, após uma semana, na derrubada do czarismo. Essa primeira fase da Revolução Russa de 1917 ficou conhecida como Revolução de Fevereiro, tema de A queda da dinastia Romanov, da diretora Esfir Shub, primeiro grande documentário de arquivo da história do cinema. No dia 7 de novembro, às 19h, haverá exibição do filme, seguido de debate com Neide Jallageas, professora da USP e especialista em arte e cinema russos.
O poder político passou para as mãos do Governo Provisório, um governo liberal formado por uma coalizão de partidos socialistas e burgueses. Os bolcheviques se mantiveram de fora. Os sovietes de operários e soldados, os sovietes de camponeses, os comitês de fábricas, os comitês de soldados no front, todos os organismos e ferramentas organizativas que permitiram o combate à velha ordem passaram a exigir do novo governo o atendimento a suas reivindicações, entre as quais a saída da Primeira Guerra Mundial e a solução do problema agrário.
O livro-reportagem Dez dias que abalaram o mundo, do jornalista norte-americano John Reed, descreve esse momento: “A revolução já completava oito meses e tinha pouca coisa a mostrar… Enquanto isso, os soldados começaram a resolver a questão da paz por conta própria, simplesmente desertando; os camponeses incendiavam propriedades rurais e ocupavam latifúndios; os operários sabotavam e faziam greves”. Reds, de Warren Beatty, traz uma biografia de John Reed e sua cobertura jornalística da revolução. O filme, com marcas do estilo hollywoodiano, oferece um contraste à estética de vanguarda soviética de outros filmes da mostra.
Os bolcheviques passaram a defender não apenas a transferência do poder para os proletários e camponeses pobres, mas também um programa socialista para a Rússia. Em 7 de novembro (25 de outubro), tendo obtido a maioria nos sovietes das principais cidades, os líderes bolcheviques decidiram que havia chegado a hora da tomada do poder. O Palácio de Inverno de São Petersburgo, sede do Governo, foi ocupado pelos insurgentes. Concretizava-se a Revolução de Outubro. Esses acontecimentos são tema dos aclamados Outubro, de Sergei Eisenstein, e O fim de São Petersburgo, de Vsevolod Pudovkin.
No dia seguinte, o II Congresso dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados determinou a passagem do poder para os sovietes e aprovou o Decreto da Paz, estabelecendo a saída da Rússia da Primeira Guerra, e o Decreto da Terra, que determinava a abolição da propriedade privada e a redistribuição de terras entre os camponeses.
No entanto, essas medidas não passaram sem resposta. O húngaro Vermelhos e brancos de Miklós Jancsó, indicado ao Festival de Cannes de 1968 (que não ocorreu), retrata o período seguinte, da Guerra Civil Russa (1918 a 1921). O Exército Branco da reação liberal e czarista, com o apoio de exércitos de diversas nações, enfrentou o Exército Vermelho, organizado pelos bolcheviques. A tragédia otimista, de Samson Samsonov, trata da participação dos marinheiros, liderados por uma comissária bolchevique, na formação do Exército Vermelho e sua atuação na Guerra Civil. O filme foi premiado no Festival de Cannes de 1963 como melhor épico revolucionário.
Em A sexta parte do mundo, Dziga Vertov faz um retrato da URSS cinco anos após o término da guerra, mostrando sua extensão continental, sua diversidade cultural e econômica, ressaltando os avanços e as tarefas do nascente estado soviético.
Inspirado nas comédias silenciosas americanas, As aventuras extraordinárias de Mr. West no país dos bolcheviques, de Lev Kuleshov, destaca-se por desenvolver uma sátira da imagem distorcida e exagerada que era disseminada nos Estados Unidos sobre o socialismo e os bolcheviques logo após a Revolução. As pesquisas de Kuleshov, figura central do cinema soviético, marcaram o início da teoria russa de montagem.
Com intuito de apresentar mais elementos que levem à compreensão da Revolução de Outubro, a mostra conta também com a exibição do francês A comuna (Paris, 1871), em sua versão de 5h45. O filme de Peter Watkins explora o território ambíguo entre o documentário e a ficção ao encenar os eventos da Comuna de Paris, considerada a primeira experiência de um governo proletário e mencionada por Lenin como o modelo para o estado operário soviético.
O CINUSP traduziu e legendou para esta mostra dois média-metragens russos inéditos no Brasil, procurando, assim, expandir o acervo de documentários disponíveis em português sobre a Revolução. Documentos de outubro traz um rico material de arquivo sobre o período entre fevereiro e novembro de 1917 e será exibido no dia 9 às 19h, seguido de debate com Edison Urbano, membro do comitê editorial das Edições Iskra. Já Tempos que sempre estarão conosco retrata a vida de Alexandra Kollontai, líder bolchevique e uma das principais organizadoras do movimento de mulheres trabalhadoras na Revolução. Convidamos Diana Assunção, historiadora e fundadora do grupo de mulheres Pão e Rosas, para debater a questão da emancipação das mulheres na Revolução Russa após a exibição do filme no dia 16 às 19h.
A atualidade da Revolução Russa e da estratégia soviética para a organização dos trabalhadores é discutida no documentário argentino Eles se atreveram. O filme procura detalhar os aspectos políticos e históricos da Revolução, sem se abster de discutir as causas da posterior degeneração stalinista do estado operário.
O CINUSP convida o público a assistir a esses filmes e resgatar um momento histórico ímpar em que uma sociedade igualitária não era apenas uma possibilidade, era a ordem do povo.
Agradecemos as contribuições de Diana Assunção, Edison Urbano, Neide Jallageas, Pamela Puglieri e Paula Diffonso para esta mostra.
Henrique Mandruzato
Maria Carolina Gonçalves
Rodolfo Ferronatto de Souza